FASTOS DAS METAMORPHOSES VII
Cadmo e Hermione (Traduzido do Livro IV) Da serie de teus males já vencido, E de fataes, maleficos portentos, Tu, filho de Agenor, tu, triste Cadmo, Sáes da cidade, que erigido havias, Como se os Fados d'ella, e não teus Fados Te perseguissem lá. Depois de longos Terrenos vaguear, parou na Illyria Co'a profuga consorte. Ali, gravados Da desgraça, e da edade, a estrella adversa Memorando dos seus, e discorrendo Nos curtidos trabalhos, Cadmo exclama : «Ah ! Sagrada talvez era a serpente Que no bosque matei quando expellido De Sidonia me vi por lei paterna ! Sacro seria o monstro, em cujos dentes Pela terra espalhei semente infensa ! Pois se dos numes o furor se apura Tanto, e tanto em vingal-o, imploro aos numes Que em comprida serpente me transformem.» Disse, e como serpente eis que se alonga, Eis na cutis nascer vê dura escama, Ceruleas nodoas variar-lhe o corpo: Na terra cáe de peitos: manso, e manso Os membros se confundem, que o sustinham, E em buliçosa cauda se affeiçoam. Restam-lhe braços; braços que lhe restam Estende o malfadado, e diz, banhando De lagrimas a face, ainda humana: «Vem, dôce, vem, miserrima consorte, Em quanto ainda em mim de mim vês parte; A mão, em quanto é mão, recebe, aperta, E em quanto não sou todo enorme serpe.» Queria proseguir, mas de improviso A lingua se lhe fende, ei-o com duas; Fallecem-lhe as palavras: quantas vezes Se intenta deplorar, tantas sibíla: Só lhe deixa esta voz a Natureza. Co'a mão ferindo o peito, a esposa clama: «Cadmo, espera; infeliz, despe esse monstro ! Que é isto! Que é dos hombros, que é dos braços ! As mãos, os pés, e a côr, e o rosto, e tudo ! Porque, poder do céo, porque, Destinos, Me não mudaes tambem na fórma horrenda ?» Diz, e elle da consorte as faces lambe, E o (que ainda conhece) amado peito: O collo, que lhe foi, que lhe é tão caro, Cinge com mimo, e como póde abraça. Todos os companheiros, que o rodeam, Aterrados estão, porém co'as linguas Os lubricos dragões vão afagal-os, Que subito são dous, e os juntos corpos Fazendo um só volume, e serpeando, Se escondem pela proxima floresta. Dos homens todavia inda não fogem; Não têm dente mordaz, não têm veneno, Não fazem damno algum: do que já foram Os benignos dragões inda se lembram.
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 3582 reads
other contents of Bocage
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto ao Árcade Lereno | 0 | 1.192 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto ao Leitão | 0 | 971 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto Arcádico | 0 | 1.313 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Sonnet | Soneto da Amada Gabada | 0 | 1.888 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Erotic | A Ulina | 0 | 3.166 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/Meditation | Auto-retrato | 0 | 2.841 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | À morte de Leandro e Hero | 0 | 854 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cantata à morte de Inês de Castro | 0 | 1.117 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Cartas de Olinda e Alzira | 0 | 1.271 | 11/19/2010 - 15:49 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Arreitada donzela em fofo leito | 3 | 1.393 | 02/28/2010 - 12:18 | Portuguese | |
Poesia/Erotic | Lá quando em mim perder a humanidade | 1 | 1.347 | 02/28/2010 - 12:15 | Portuguese |
Add comment