Quando Aquele Amigo, Que Pouco Conhecia, Morreu

Esta noite acabou triste,
deitado, caído naquele palanque seguro por duas molas,
no poderoso descanso inconsciente de quem já não sente.
Um homem deixou a vida ao amanhecer,
aquela estrondosa doença venceu as forças que lhe restavam.
Não foi um simples homem como todos aqueles
que desconhecemos, aqueles que passam na rua e não nos trocam cumprimentos,
não foi um homem que nunca conheci, embora o que conheci tenha sido pouco.
Jamais será um homem qualquer
e nunca o será porque o conhecia, embora não muito,
mas sei que não era um homem qualquer:
atravessava a estrada para um aperto de mão,
não fingia que passava e não se apercebia da minha presença,
da tua presença, da nossa presença;
elevou a mais sagrada crença da humildade,
não brotava de tristeza mas também não sucumbia elevada felicidade;
calmo, como o pôr do sol no Verão visto da praia,
como um avião quando atravessa a terra em dias de céu limpo,
calmo como eu nunca consegui ser.
Deixou-me, deixou-te, deixou-nos e herdamos a enorme saudade
que por muita dúvida minha e insisto: o tempo não apagará.
Estás presente na nossa honesta presença seja em que lugar for,
a minha voz é a tua voz, a minha viva e a tua morta mas, mesmo morta,
é a tua voz que faz a minha soar mais alto,
é o saber que não eras um homem qualquer que me faz falar,
que insiste em não me tornar mudo.
Eu próprio sei que não acredito na vida p'ra além da morte mas, porém,
no nosso inconsciente morto, o teu já o está e o meu um dia também estará,
sei que nos vamos encontrar e, não preciso acreditar na vida além da morte,
basta-me crer e basta-me sentir que, no dia em que o meu insconsciente também morrer,
alguém vai ler isto que agora escrevo e,
na mais plena harmonia, os nossos inconscientes mortos
vão receber-se mutuamente de braços abertos.

Hugo Sousa

Submited by

Monday, March 17, 2008 - 09:05

Poesia :

No votes yet

HugoSousa

HugoSousa's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 22 weeks ago
Joined: 03/09/2008
Posts:
Points: 243

Comments

Henrique's picture

Re: Quando Aquele Amigo, Que Pouco Conhecia, Morreu

A amizade é uma pureza imutável…

:-)

Add comment

Login to post comments

other contents of HugoSousa

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Fotos/Profile Eu há uns bons aninhos. 0 1.035 11/24/2010 - 00:34 Portuguese
Fotos/Profile Outro eterno amor. 0 1.021 11/24/2010 - 00:34 Portuguese
Fotos/Profile 119 0 1.222 11/24/2010 - 00:34 Portuguese
Fotos/Profile 118 0 1.188 11/24/2010 - 00:34 Portuguese
Fotos/Profile 117 0 1.278 11/24/2010 - 00:34 Portuguese
Prosas/Others Árvore de Sanguessugas - III / Companhia de Sensações - I 0 767 11/18/2010 - 23:39 Portuguese
Prosas/Others Árvores de Sanguessugas - I 0 820 11/18/2010 - 23:39 Portuguese
Poesia/General Não Sei, O Medo 0 911 11/17/2010 - 19:29 Portuguese
Poesia/General Vou Continuar 0 996 11/17/2010 - 19:29 Portuguese
Poesia/General Por Vezes Sim 1 631 02/25/2010 - 23:31 Portuguese
Poesia/General Minha Mulher Morta (Tendência dos Três M's) 1 763 02/25/2010 - 23:30 Portuguese
Prosas/Others Hoje Não 1 887 02/24/2010 - 14:27 Portuguese
Prosas/Others Dói-lhe Os Dentes - Parte I 1 1.047 02/24/2010 - 14:26 Portuguese
Prosas/Others Dói-lhe Os Dentes - Parte II 1 871 02/24/2010 - 14:26 Portuguese
Prosas/Others Gostamos De Cerejas, Arranca-me Os Olhos 1 961 02/24/2010 - 14:22 Portuguese
Prosas/Others Mataram-me-te 1 1.160 02/24/2010 - 14:21 Portuguese
Prosas/Others Companhia de Sensações - II 1 706 02/24/2010 - 14:15 Portuguese
Prosas/Others Árvore de Sanguessugas - IV 1 941 02/24/2010 - 14:14 Portuguese
Poesia/General Sonhos Altos 1 726 02/24/2010 - 02:54 Portuguese
Poesia/General Nem No Cochão Existem Dias 1 647 02/24/2010 - 02:53 Portuguese
Poesia/General Sopro 1 624 02/24/2010 - 02:53 Portuguese
Poesia/General Anti 1 1.135 02/24/2010 - 02:49 Portuguese
Poesia/General Resto 1 729 02/24/2010 - 02:48 Portuguese
Poesia/General Morreu O Titulo 1 718 02/24/2010 - 02:47 Portuguese
Poesia/General Na Desistência Está A Virtude Quando Nada Vale A Pena 1 713 02/24/2010 - 02:46 Portuguese