A noite (Hermann Hesse)

Rescende a flor na várzea,
longínqua flor da infância
que só de raro em raro ao sonhador
abre o velado cálice
e deixa ver – cópia do sol – seu interior.
 

Por cima das cordilheiras azuis
cega a noite vagueia
puxando sobre o seio a veste escura:
sorrindo esparze a esmo
sua dádiva – o sonho.
 

Curtidos pelo dia, em baixo dormem
os homens: têm os olhos
cheios de sonhos,
alguns viram o rosto suspirando
para as flores da infância
cujo aroma os atrai de leve na penumbra,
e ao severo chamado paternal do dia
confortados se alheiam.
 

Para o exausto, é um alívio
refugiar-se nos braços da mãe
que os cabelos do sonhador alisa
com mãos despreocupadas.
 

Somos crianças, logo nos fatiga o sol
- ainda que seja para nós destino e futuro sagrado –
e tombamos a cada anoitecer
pequeninos de novo no regaço da mãe,
balbuciamos palavras da infância,
palpamos o caminho do regresso às origens.
 

Também o pesquisador solitário
que para o vôo ao sol se propusera
vacila, também ele, à meia-noite
voltado para o ponto de partida longe.
 

E o que dorme, quando um pesadelo o desperta,
confusa a alma, pressente no escuro
a hesitante verdade:
toda corrida, para o sol ou para a noite,
conduz à morte, leva a novo nascimento,
dores que a alma receia.
 

Mas seguem todos o mesmo caminho:
todos morrem e tornam a nascer,
porque a eterna mãe
devolve-os eternamente ao dia.

 

Hermann Hesse, escritor e poeta alemão, In: “Poesias Escolhidas", 1921.


 

Submited by

Lunes, Agosto 1, 2011 - 18:31

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 6 años 44 semanas
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Intervención Negação - poesia angolana (Agostinho Neto) 0 3.807 07/19/2011 - 10:17 Portuguese
Poesia/Amor Arte Final (Affonso Romano de Sant'Anna) 0 2.696 07/19/2011 - 01:18 Portuguese
Poesia/Intervención O Livro sobre Nada (Manoel de Barros) 0 1.254 07/19/2011 - 01:17 Portuguese
Poesia/Amor Soneto (Luís de Camões) 0 612 07/19/2011 - 01:16 Portuguese
Poesia/Amor Melodia do Amor 0 1.927 07/18/2011 - 23:36 Portuguese
Poesia/Dedicada Ser Palhaço - poesia angolana (Lili Laranjo) 0 4.145 07/18/2011 - 23:27 Portuguese
Poesia/Meditación Esperança - poesia angolana (Lili Laranjo) 0 2.856 07/18/2011 - 23:25 Portuguese
Poesia/Meditación Coragem - Poesia Angolana (Lili Laranjo) 0 2.282 07/18/2011 - 23:23 Portuguese
Poesia/Meditación Como fazer para viver - Poesia Angolana (Lili Laranjo) 0 1.825 07/18/2011 - 23:16 Portuguese
Poesia/Meditación Aqui e Agora - Poesia Angolana (Lili Laranjo) 0 3.323 07/18/2011 - 23:14 Portuguese
Poesia/Meditación O tempo dentro do espelho (Thiago de Mello) 0 1.090 07/18/2011 - 23:08 Portuguese
Poesia/Aforismo Máscara 0 735 07/18/2011 - 20:25 Portuguese
Poesia/Intervención Memórias 0 980 07/18/2011 - 20:24 Portuguese
Poesia/Acróstico Medo 0 1.546 07/18/2011 - 20:22 Portuguese
Poesia/Intervención O tempero da experiência 0 1.185 07/18/2011 - 10:50 Portuguese
Poesia/Dedicada O valor da escrita... 0 1.752 07/18/2011 - 10:48 Portuguese
Poesia/Meditación O trabalho e sua humana dimensão 0 885 07/18/2011 - 10:47 Portuguese
Poesia/Dedicada O tempo implacável (El tiempo implacable) 0 1.161 07/18/2011 - 10:45 Portuguese
Poesia/Dedicada O vôo da gaivota 0 670 07/17/2011 - 16:01 Portuguese
Poesia/Meditación Olhares, Alhures 0 2.163 07/17/2011 - 15:59 Portuguese
Poesia/Intervención Os portais da mudança 0 1.020 07/17/2011 - 15:56 Portuguese
Poesia/Intervención Onde estás? 0 1.593 07/17/2011 - 15:54 Portuguese
Poesia/Meditación Decálogo do Artista (Gabriela Mistral) 0 1.238 07/17/2011 - 12:12 Portuguese
Poesia/Soneto Canção das meninas mortas (Gabriela Mistral) 0 2.262 07/17/2011 - 12:11 Portuguese
Poesia/Dedicada A Casa (Gabriela Mistral) 0 3.337 07/17/2011 - 12:06 Portuguese