Filosofia Moderna e Contemporânea - DERRIDA, Jacques - Não há nada fora do Texto

DERRIDA, Jacques
1930 – 2004
"Não há nada fora do texto".

• Tento explicar o que DERRIDA que dizer quando cita a frase em epigrafe.

• Porém, nunca consigo explicar a Ideia, pois

• o significado do que eu digo, depende do que eu disser depois. E, também, porque o significado das minhas palavras depende de seu relacionamento com as palavras que eu não usei.

• Então, o Significado é sempre incompleto

• e, por isso, eu falo mais algumas palavras para esclarecer as coisas, mas, novamente, eu não consigo explicar inteiramente a Ideia.

• Dessa forma, a minha ideia, a minha explicação sobre DERRIDA pode crescer infinitamente até eu

• perceber que “não há nada fora do texto”.

Filho de judeus, DERRIDA nasceu na Argélia, colônia francesa à época, e desde a infância demonstrou interesse pela Filosofia. Paradoxalmente também demonstrou interesse em se tornar um futebolista, mas, por fim, a sua escolha recaiu sobre a primeira opção. Em 1951, entrou para a prestigiada ÈCOLLE NORMAL SUPÉRIURE, em Paris, e lá travou amizade com Louis Althusser, também argelino de origem, sendo que ambos trilharam caminhos paralelos que os levaram à celebridade.

Em 1967, publicou “Gramatologia”, “A Escritura e a Diferença” e “A voz e o Fenômeno”, três obras que consolidaram sua reputação de ser um dos filósofos mais importantes da Contemporaneidade. Em 1986, assumiu a cátedra de Filosofia na Universidade da Califórnia e agregou a esse trabalho às inúmeras palestras e conferências que proferiu ao redor do Mundo.

Desde essa época até seu falecimento, sua obra tomou um viés mais direcionado para as questões da Ética, em grande parte por influência do filósofo Levinas que dava ao tema a importância de ser a via redentora do Homem.

Dividimos este Ensaio em subtítulos para demarcarmos as Ideias do filósofo sobre alguns dos aspectos da vida que o mesmo estudou. Esperamos que tal providência auxilie a leitura e a boa compreensão do Esquema Filosófico do argelino.


A ESCRITA

Para DERRIDA o significado do que escrevemos é modificado pelo que se escreve em seguida. Até numa simples carta, o que se escreve pode postergar o significado para o fim da mesma.

Por ideias como essa, e por várias nuances de seu Sistema Filosófico, Jacques é tido como um dos filósofos contemporâneos mais controversos. A ele, comumente, são associadas noções de “desconstrução” e/ou de uma abordagem complexa e farta de nuances sobre a maneira como vemos o Mundo e como lemos e entendemos a natureza (o que é) dos textos escritos.

NOTA DO AUTOR antes de prosseguirmos será oportuno esclarecer uma dúvida que provavelmente o (a) leitor (a) tenha acerca da importância que o filósofo dá ao texto, à palavra escrita. É claro que tal importância não vem da literatura em si, mas da ligação que ele vê entre a Linguagem (no caso, escrita) e a intelectualidade, a consciência do Homem. Entendendo a sua Linguagem, ou seja, aquilo que o Homem exterioriza, será possível entender o próprio.

A partir da explicação acima, entraremos no Ideário de DERRIDA e logo observaremos que se quisermos entender o que o filósofo que dizer quando escreve “que não há nada fora do texto” precisaremos estudar sua abordagem desconstrutivista.

Frequentemente ao lermos um livro, seja Filosófico ou um Romance, acreditamos que aquilo que temos em mãos é algo que podemos compreender. Interpretamos o livro como se ele fosse autossuficiente.
Quando a leitura é sobre Filosofia, pressupomos que os textos ali contidos sejam Lógicos e que estejam inseridos em algum Sistema. É razoável que assim seja, porém, para o nosso Pensador, os textos não funcionam dessa maneira.


APORIA e DIFERENÇA

Aporia – do grego arcaico, aproximadamente: “contradição”, “dificuldade”, “impasse”.

Como já se disse, DERRIDA não é um autor fácil de ser compreendido. Seus escritos apresentam dificuldades até mesmo para os eruditos mais familiarizados com a Filosofia. Mesmo aqueles escritos que são mais objetivos, diretos, estão recheados de Aporia.

Para ele, todos os textos trazem contradições, hiatos, buracos e outros tipos de dificuldades. E não só os seus. Assim, é necessário usar a *Desconstrução para lê-los, juntamente com bastante atenção às entrelinhas, aos sentidos, ou significados ocultos etc.

*Desconstrução – o prefixo “DES” indica tratar-se do Processo inverso ao de Construção de uma tese, de uma teoria, de uma frase, de um Sistema, de um texto etc. É o retalhamento organizado do “Todo” em suas partes, as quais, ao serem analisadas individualmente, oferecem melhor compreensão do Conjunto, ou a correção de equívocos que eventualmente existam naquele “Todo”.

Ao investigar a existência dessas “Aporias” em textos diferentes, DERRIDA pretende ampliar nosso entendimento sobre o que são esses textos e sobre a finalidade que visam alcançar. Além, é claro, de demonstrar a complexidade existente até nos textos mais simples. Ao se “desconstruir” um Escrito, adquire-se outro modo de ler o mesmo, e com isso, a capacidade de descobrir-lhe os paradoxos e as contradições.

Insistimos que esses cuidados não se referem apenas à maneira como lemos filosofia ou literatura em geral. Existem implicações mais amplas sobre as dúvidas que pairam entre Linguagem, Pensamento e Ética. A cautela empregada na correção do entendimento da Linguagem (expressa em escritos) deriva do fato de ser a Linguagem uma exteriorização de Conceitos e Noções que habitam o Pensamento humano.

Por isso, faremos outro corte nesse ponto, para investigarmos um Termo Técnico que DERRIDA usa com regularidade. O termo em questão é: DIFERÊNCIA (embora pareça um erro de ortografia, é desse modo mesmo que tal palavra é grafada desde que o original “DIFFÉRANCE” entrou no idioma oficial francês).

Diferência é uma palavra inventada por DERRIDA para dar realce a uma curiosidade da Linguagem. Em francês, “DIFFÉRANCE” – com o artigo “a” é um jogo entre “DIFFÉRENCE” – com a vogal “e”, que significa “diferir” e “DEFÉRRE” que significa “adiar”.

Para entender como é o funcionamento desse termo, será proveitoso observarmos o exemplo a seguir:

“e o gato...”

Depois acrescento:

“que meu amigo viu...”

e torno a acrescentar:

“no jardim, era preto e branco...”
(e assim por diante)

Vê-se, pois, que o significado preciso da palavra “Gato” é continuamente diferido e postergado, na medida em que mais informações são transmitidas. Se eu tivesse sido interrompido depois de dizer “o gato...” e não mencionasse meu “amigo e o jardim” o significado do vocábulo “Gato” teria sido totalmente diferente.

Em resumo, quanto mais acrescento algo ao que digo, mais o Significado do que eu já disse é revisado. O significado é Adiado na Linguagem. Mas outra coisa também pode ser notada. O significado de “Gato”, conforme DERRIDA, não pode ser considerado estático, algo que repousa, ou que permanece, na relação entre as minhas palavras e as Coisas reais (físicas, concretas) do Mundo.

A palavra assume seu sentido a partir de sua posição, ou do lugar que ocupa em um Sistema de Linguagem Total. Por isso, quando digo “gato” isso tem algum significado, Não por conta de alguma associação misteriosa entre a Palavra e o Gato real (físico, corpóreo), mas porque esse termo é diferente de “Cachorro”, por exemplo.

Tomadas em conjunto como “diferências”, as ideias de adiar e diferir (lembrando que “diferir” é sinônimo de postergar, adiar etc.) dizem algo um tanto estranho sobre a Linguagem em Geral. De um lado, o significado de qualquer Coisa que dizemos é, em essência, sempre adiado, pois depende do que acrescentamos – atenção: o significado do que resultou desse acréscimo, também será adiado por novas adições e, assim, sucessivamente.

Por outro lado, o sentido de todo termo que utilizarmos dependerá de todas as palavras antônimas que não exprimimos. Portanto, o Significado não é autossuficiente nem mesmo dentro do próprio texto.


A PALAVRA ESCRITA

Para DERRIDA “Diferência” é um aspecto da Linguagem do qual só tomamos ciência graças à Escrita. Porém, tal conscientização nunca foi fácil, pois desde a Grécia Clássica que os filósofos já diminuíam a importância da Linguagem Escrita, enquanto aumentavam a da Palavra Falada. Platão, em Fedro, por exemplo, narra, através de Sócrates, uma lenda sobre a invenção da Escrita e diz que ela nos dá apenas uma “aparência de Sabedoria”, mas não a própria.

Escrever, para esses e outros filósofos, era como avistar um pálido reflexo da Palavra Falada, a qual era tida como o principal meio de Comunicação. A importância dada à Retórica corrobora esse apego.

DERRIDA, porém, discordava dessa predileção e visava alterar esse estado de coisa. Para ele, a Palavra Escrita nos oferece uma vantagem, que a Oral não consegue. Segundo a sua ótica, a preferência tradicional pela Oralidade iludiu a todos, fazendo-nos crer que temos acesso imediato ao Significado do que foi falado, pois como o Orador está fisicamente presente, ele pode nos dizer o significado do que acabou de falar. Quando falamos com alguém supomos (devida ou indevidamente) que ele torna seus Pensamentos “presentes”. Se houver algum mal-entendido podemos desfazê-lo imediatamente, bastando perguntar-lhe o real significado do que disse. Idem com as eventuais “Aporias”, ou dificuldades, que são imediatamente esclarecidas, ou simplesmente despercebidas. Supomos, em resumo, que o Significado está associado com a Presença Física. O que não é possível, obviamente, quando a Palavra for Escrita e o seu emissor, ausente fisicamente.

A partir dessa constatação, pensamos que o “Significado” em Geral é “sobre presença”; ou seja: o significado real de “gato” pode ser encontrado na Presença (física) de um gato que está em meu colo.

Porém, quando lidamos com o texto escrito, somos obrigados a perder a ingênua crença na “Presença” e amadurecermos intelectualmente. Sem o autor do texto presente para pedir desculpas ou para nos explicar sua obra, nós mesmos conseguimos perceber as complexidades, os impasses, as dificuldades. De repente a Linguagem nos parece uma “coisa” repleta de complicações, porém desafiadora e fascinante.


QUESTIONANDO O SIGNIFICADO

Ao dizer que “não há nada fora do texto” DERRIDA Não quis dizer que tudo que importa de fato é o “Mundo dos Livros”, da Literatura; e que o Mundo físico, concreto é desprovido de qualquer valor. Tampouco está tentando menosprezar a importância de outros interesses que possam estar “atrás” dos livros, dos textos.

Para ele, o Significado pode ser revelado se considerarmos com seriedade a noção de que ele é uma questão de “diferência”; ou seja, de adiar, de protelar. Se quisermos nos envolver efetivamente na questão sobre como refletimos, como pensamos o Mundo, é necessário manter sempre vivo o reconhecimento, a noção de que o Significado nunca é tão direto quanto pensamos. E que esse Significado pode ser descoberto através do método de Desconstrução.

NOTA do AUTOR - com efeito, o Significado de qualquer coisa é mutável à medida que novos Conhecimentos iluminem essa “coisa”. Tomemos como exemplo um texto de difícil compreensão e que aos poucos vai revelando seu Significado oculto à medida que o leitor o desconstrói e analisa cuidadosamente (inclusive com o auxilio de Dicionários, Gramáticas e quejandos) cada um dos termos que o compõe. Qual é o significado real daquela palavra (e não o significado que parece ter)? Qual a relação dela com as outras? E com o conjunto? Etc. Assim, os Verdadeiros Significados de cada termo se juntam para revelar o Significado Verdadeiro daquele texto. Vejamos um exemplo prático no titulo de uma das obras de Kant: “A Critica da Razão Pura”

Desconstruindo:

• A Crítica = o estudo detalhado, minucioso.

• Da Razão = (os limites do) Raciocínio, da Racionalidade.

• Pura = que não foi afetada por nenhuma experiência dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).

Teremos: O estudo detalhado sobre a capacidade de o Raciocínio adquirir Conhecimento, Saber, por sua própria conta, sem ter recebido “ajuda” da Experiência Sensorial, ou dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).

Esse, pois, é o Significado do Titulo da obra. Principalmente para os leigos em Filosofia, que desacostumados com o jargão podem ter alguma dificuldade na interpretação.

DERRIDA afirma que em nosso Pensamento, em nossa Escrita e em nossa Fala estamos sempre associados, ou implicados, mesmo que a contragosto, em questões Políticas, Históricas e Éticas, as quais podemos não reconhecer ou admitir de imediato. Por isso, juntamente com outros Pensadores, DERRIDA sugere que o Processo de Desconstrução é, também, uma Prática Ética à medida que a desconstrução permite um Conhecimento mais profundo sobre o tema e, com isso, uma escolha mais esclarecida sobre o comportamento a ser adotado. Ao lermos um texto de forma desconstrutivista podemos discordar, duvidar e/ou questionar as alegações ali expostas e descobrir as questões éticas, ou antiéticas, conforme nosso padrão de valores, que se escondem nas entrelinhas. Podemos, ao cabo, descobrir seu real significado.


OS CRÍTICOS de DERRIDA

Em certa ocasião, DERRIDA disse: “nunca cedo à tentação de ser difícil, só para ser difícil”.

O pensamento expresso por essa frase não encontra eco entre os vários críticos de DERRIDA. Embora lhe reconheçam integridade intelectual, ética e competência na matéria, via de regra, acusam-no de ser um filósofo de ideário hermético, quase que indecifrável. A complexidade de seu Pensamento sugere que ela é voluntaria. Que ele encobriu seu Sistema com um manto de dificuldades que é tão injustificável, quanto inoportuno.

Michel Foucault, seu contemporâneo, acusa-lhe de ser intencionalmente obscuro, a ponto de, às vezes, ser impossível compreender qual seria a sua Tese Central, admitindo que a sua Ideia Básica seja baseada na noção de que o Significado nunca pode estar completamente no texto.

A resposta de DERRIDA talvez pudesse ser: a própria Ideia de “Tese” é baseada na noçao de “Presença”. A mesma que ele ousou confrontar em sua teoria. Ou seja, se para propor certa Tese, fosse necessário que seu autor estivesse presente fisicamente para esclarecer os pontos dúbios e, claro, para “defender sua tese” chegar-se-ia ao absurdo de se considerar possível a ubiquidade daquele autor, haja vista a quantidade de leitores espalhados em todo Mundo.

Assim, quando consideramos DERRIDA com a devida seriedade, temos de admitir que a própria ideia de que “não há nada fora do texto”, não está, com efeito, fora do texto. Cabe-nos desconstruí-la e explorar seus impasses, suas dificuldades e suas contradições que se ocultam nas entrelinhas. Afinal, não temos capacidade para racionalizar e agir fora do script que Alguém, ou algo nos escreveu. Nós mesmos não estamos fora do texto. Nem do contexto.

São Paulo, 21 de Abril de 2012.

Bibliografia Consultada e Recomendada:

Dicionário de Filosofia – 6ª Edição
Nicola Abbagnano
Tradução – Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti
Ed. VMF – Martins Fontes SP.

O Livro da Filosofia – Anna Hall, editora de projeto e Sam Atkinson, editor Sênior – Londres, Grã Bretanha.
Tradução de Rosemarie Ziegelmaier.

Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea – Oswaldo Giacoia Junior – Ed. Publi Folha.

A História da Filosofia
Org. e texto final – Bernadette Siqueira Abrão.
Ed. Nova Cultural Ltda.

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