Roland BARTHES, Filósofos Modernos e Contemporâneos
1915 – 1980
A Linguagem é uma pele... A Linguagem do amante é como uma pele habitada pelo amante. Suas palavras são capazes de comover o amado, e somente o amado, de modo quase físico ou tátil.
BARTHES nasceu em Cherbbourg, França. A partir de 1935 ingressou na Universidade de Sorbonne e ali se formou em 1939. Nessa ocasião já padecia da tuberculose que lhe acompanharia pela vida toda.
Em razão da enfermidade, o Filósofo foi dispensado de lutar na 2ª Guerra Mundial, mas por esse beneficio a doença cobrou um preço alto na medida em que dificultou sobremaneira a sua carreira Acadêmica e literária.
Após a beligerância, conseguiu enfim tornar-se Professor e lecionou na própria França, na Romênia e no Egito. Em 1952 voltou à Pátria em definitivo e iniciou a produção dos textos que, posteriormente, foram reunidos e publicados sob o titulo de “Mitologias”, em 1957.
Sua celebridade cresceu a partir de 1960, tanto na França quanto no exterior, e desfrutando desse merecido prestígio Roland manteve sua excelente produção até falecer em 1980, vitima de atropelamento, após ter almoçado com o Presidente francês, François Mitterrand.
Dentre suas obras, merecem destaque as que citamos a seguir, por nelas estarem contidos os elementos chaves de sua Filosofia:
1) Mitologias, 1957.
2) O Prazer do Texto, 1973.
3) Fragmentos de um Discurso Amoroso, 1977.
A reflexão sobre o Amor sempre esteve presente nas investigações filosóficas. Já em 380 a.C. Platão tratava do assunto em sua obra “O Banquete”, discorrendo longamente sobre o exercício desse sentimento. Santo Agostinho, no inicio da Patrística, também teceu profundas considerações sobre o tema. Hodiernamente, aos estudos sobre o Amor, foram acrescidas as investigações acerca da ligação do mesmo com a Semiologia (o estudo dos símbolos, dentre os quais a “Palavra”, a “Linguística”).
A partir da obra de Ferdinand Saussure, Curso de Linguística Geral, que organizou o estudo dos símbolos, ou signos, e estabeleceu que a Linguagem fosse uma série de símbolos, BARTHES fez a junção desse conjunto de Símbolos com o Amor, unificando os dois temas e afirmando a complementaridade entre ambos.
Após ter feito essa associação, o Filósofo definiu que:
1 – Toda Filosofia sobre o Amor é dirigida a um “Alvo de Desejos”. A Linguagem do Amor “treme de desejo”.
2 – Quando escrevo ou falo sobre Amor, minha Linguagem “esfrega-se” no “Alvo Secreto” do meu desejo.
3 – E esse meu Linguajar age sobre o Outro como se fosse um contato efetivo de “pele contra pele”.
4 – Por isso, a Linguagem é como se fosse, realmente, uma “pele sensível”.
NOTA do AUTOR – Com efeito, a Palavra escrita ou falada é capaz de despertar e transmitir sensações, no campo amoroso, que percorrem o espectro que vai da sublimidade à materialidade, ou a sexualidade. Se no primeiro caso temos as Poesias e/ou as Canções que podem evocar a força do Sentimento inteiro; no segundo, as sugestões podem causar determinado tipo de satisfação que para muitos é altamente prazerosa. Desse modo, aquilo que é inerentemente abstrato, o “Símbolo Palavra”, adquire a capacidade material de provocar sensações emocionais e físicas.
Do sumário acima, resulta o fato de que a obra mais conhecida do Filósofo não obedece aos padrões da Literatura comum. Intitulada de “Fragmentos de um Discurso Amoroso” faz jus ao nome na medida em que é formada por fragmentos, por trechos autônomos e sem ordem estabelecida, das reflexões que o Filósofo faz sobre o sentimento. É um livro muito semelhante ao de Walter Benjamim – Rua de Mão Única – e pode ser classificado mais como um volume de amor que um tratado filosófico. É uma história de amor, sem enredo, sem personagens definidas, sem cronologia e sem mais nada que a aproxime do comum. São apenas “Reflexões de um amante em extrema solidão”, como o definiu o próprio autor.
Já no inicio da obra, BARTHES avisa sobre a impossibilidade de um enredo, haja vista que os Pensamentos do amante surgem em instantâneos, geralmente contraditórios, e sem qualquer ordem.
Afinal, segundo Roland, quem ama vive noutro espaço e noutro tempo, afastado das medidas tradicionais e tão alienado de tudo que é capaz até de tramar contra si mesmo.
NOTA do AUTOR – Com efeito, não é incomum que o Indivíduo apaixonado cometa atos que lhe trarão prejuízos e aborrecimentos. Sua idolatria ao Outro faz com que se descure dos próprios interesses; ou, então, que busque situações adversas imaginando que o seu sacrifício solidificará a admiração e o amor que o Outro lhe dedica, fortalecendo a ligação entre ambos. Ou, ainda, é capaz de aceitar, e até procurar, uma adversidade apenas para “provar” o seu amor, a sua dedicação.
O amante, quando visto com alguma simpatia, é tratado como alguém que “perdeu o juízo”; e foi justamente por contar com essa afetuosidade do público que BARTHES não deu ao seu relato qualquer trama, ou enredo. Quis demonstrar a incompatibilidade entre a Paixão, o Amor e as regras da Lógica Racional, a qual seria expressa se ele se valesse de qualquer tipo de ordenamento (cronológico ou de outro sentido).
Montou sua obra com a aparência de uma singular Enciclopédia, na qual, os verbetes correspondem aos Pensamentos desordenados; os quais, aliás, vistos por qualquer ângulo, podem ser reconhecidos pelo leitor como se fossem seu. Embora todos eles tratem de um só tema, qualquer um isoladamente serve como ponto de aproximação entre a personagem e quem o lê. Em qualquer página se pode exclamar: “Oh, sim! Comigo também é igual!”... “Isso é tão verdadeiro!”.
Dentro desse contexto de desnecessária organização lógica é que se enquadra a afirmativa de que a “Linguagem é uma pele”. A “Linguagem do Amante” não fala de modo neutro, mas “treme de desejo” por estar recheada de sensações e emoções que vibram para além de toda parcimônia racional. A “pele” assume e representa a intensificação do desejo, que, ao cabo, é o “desejo de viver a plenitude das emoções”. Por isso, BARTHES escreveu sobre como “esfrego minha Linguagem no outro” e com essa metáfora ilustrou magistralmente o fato hipotético de que eu tenho “palavras em vez de dedos”, ou que tenho “dedos na ponta das palavras”.
Fiel ao seu Ideário, BARTHES afirmou que mesmo que escrevesse uma Filosofia apática, fria sobre o Amor, ainda assim estaria imerso em um “discurso secreto”, dirigido para alguém em especial. Para um “alvo de seu desejo”.
Mesmo que aparentemente estivesse enterrado em triste frieza filosófica, escreveria para alguém; sem se importar que esse alguém fosse apenas uma miragem, um fantasma, ou que ainda estivesse a caminho.
Para dar um exemplo sobre a ligação possível entre o discurso filosófico e tal “Discurso Secreto”, BARTHES recorreu ao já citado texto de Platão, O Banquete, que, como se sabe, é a narrativa de uma conversa sobre o Amor que ocorre na residência do poeta Agatão. Ali, o Político Alcebíades, já embriagado, tece inúmeras loas ao Filósofo Sócrates, também presente ao encontro, mas, na verdade, o alvo de sua fala é o Poeta anfitrião, por quem nutre uma avassaladora paixão. É nele, pois, que a “sua Linguagem se esfrega”.
BARTHES, como se viu, dedicou sua literatura e Filosofia à “Linguagem do Amor” e essa exclusividade não passou despercebida aos seus críticos que não hesitaram em lhe cobrar tratativas sobre a Linguagem dirigida aos outros temas.
Apenas a “Linguagem do amante é uma pele que treme de desejo oculto”, ou essa intensidade também acontece com outras falas? Com outras Linguagens?
O silêncio do Filósofo como resposta, deixou claro o teor da mesma.
São Paulo, 14 de Junho de 2012.
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