O Domador - Introdução
O tempo passa. Passou. E continua, infinitamente.
Das vagas lembranças que as vezes me surgem a mente sobre minha infância, uma que me marcou foi a das sombras. Não qualquer sombra, mas sim a de uma muito específica, as sombras da casa em total escuridão quando eu precisava ir à cozinha no meio da madrugada. A minha casa, naquele tempo, era um velho sobrado que pertenceu aos meus avós, Tudo naquele lugar rangia, como que reclamando de seu estado de velhice. E quando eu acordava, no meio da noite, para beber água... Lá estava ela, me esperando, espreitando no corredor. Sombra.
E então eu corria, apavorado, escada a baixo, rezando baixinho qualquer Pai-nosso ou Oração a São Jorge. Cada passo até a reconfortante claridade da lâmpada de 60 watts da cozinha era a insegurança. Incerteza completa. O que será que tem ao meu redor? Minha mente, traiçoeiramente inventava mil monstros horrendos prestes a me pegar. Podia ver, na escuridão infindável do corredor que dava para a escada, garras e mãos se esgueirando para tentar segurar-me. Risos sinistros ecoando dos meus passos, esperando, vigiando. Sorrisos tortos de dentes pontiagudos.
Hoje, agora, deito-me na escuridão insône de minhas madrugadas no meio da sala de meu apartamento novo. As horas se arrastam, minutos, segundos, dias, são indistiguíveis na escuridão palpável ao meu redor. Estou só. Não há ninguém dormindo aqui, nenhuma respiração tranquila que sirva para amenizar o silêncio da madrugada. Não tenho mais o medo infantil do escuro, não mais. Aprendi a ver o contorno dos meus móveis na penumbra da luz da televisão. Mas, então, me olho no espelho. E descubro o meu medo, pavor, do escuro, bem presente em mim. Escondido, talvez, no brilho dos olhos que olham para mim. Mas ao mesmo tempo percebo que a escuridão a minha volta não me assusta, mas sim algo mais interno. Algo meu.
Me vejo então, dentro de mim, de novo com sete anos. De novo num longo corredor escuro, que eu sei que vai dar em uma escadaria sem fim. Sem luz. Tento correr para outro lugar da minha mente. Enquanto corro, sinto algo atrás de mim, ao meu redor. Sei que está lá. E no escuro, é o meu riso, estranhamente distorcido, que ecoa por dentro de mim. Meu sorriso esconde mil mentiras, e minhas próprias garras. Eu corro, corro, sem chegar a lugar algum. Estou preso em minha mente, com meus demônios que guardei carinhosamente. Talvez para este momento, para me lembrar que não deveria estar pensando sobre isso. Sobre mim.
Pisco os olhos que se acostumam à escuridão. A casa, estranhamente, parece respirar, o que me incomoda sutilmente. Me dá a impressão de que não estou sozinho, de que nunca estou sozinho. Mas não sei mais o que temer. O que seria pior? Saber que esta respiração é de um bicho ao meu lado, ou que é do monstro dentro de mim?
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