Nicolau Maquiavel- O Príncipe
Para a preservação dos Estados hereditários e afeiçoados à linhagem de seu príncipe, as dificuldades são assaz menores que nos novos, pois é bastante não transgredir nem violar a ordem dos antepassados e, depois, contemporizar conforme os casos que surgirem, de forma que, se tal príncipe for dotado de ordinária capacidade sempre se manterá no poder, a menos que uma extraordinária e excessiva força dele venha a privá-lo; e, uma vez dele destituído, ainda que temível seja o usurpador, volta a conquistá-lo.
Na verdade, o príncipe natural não tem tantas causas e menos necessidade de ofender os seus súbditos: donde se conclui dever ser mais amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é lógico e natural seja benquisto de todos. E na antiguidade e continuação do exercício do poder, apagam-se as lembranças e as causas das inovações, porque uma mudança sempre deixa lançada a base para a ereção de outra.
(…) dificuldade inerente a todos os principados novos: é que os homens, com satisfação, mudam de senhor pensando melhorar e esta crença faz com que lancem mão de armas contra o senhor actual, no que se enganam porque, pela própria experiência, percebem mais tarde ter piorado a situação.
Isso resulta numa outra necessidade natural e ordinária, a qual faz com que o novo príncipe sempre precise ofender os novos súbditos com seus soldados e com outras infinitas injúrias que se lançam sobre a recente conquista; dessa forma, tens como inimigos todos aqueles que ofendeste com a ocupação daquele principado e não podes manter como amigos os que te permitiram a entrada, por não poderes recompensares estes pela forma por que tinham imaginado, nem aplicar correctivos violentos uma vez que estás a eles obrigado; porque sempre, mesmo que fortíssimo em exércitos, tem-se necessidade do apoio dos habitantes para penetrar numa província.
Foi por essas razões que Luís XII, rei de França, ocupou Milão rapidamente e logo depois o perdeu, para tanto bastando inicialmente as forças de Ludovico, porque aquelas populações que lhe haviam aberto as portas, reconhecendo o erro de seu pensar anterior e descrentes daquele bem-estar futuro que haviam imaginado, não mais podiam suportar os dissabores ocasionados pelo novo príncipe.
É bem verdade que, reconquistando posteriormente as regiões rebeladas, mais dificilmente se as perdem, eis que o senhor, em razão da rebelião, é menos vacilante em assegurar-se da punição daqueles que lhe faltaram com a lealdade, em investigar os suspeitos e em reparar os pontos mais fracos.
Estados conquistados e anexados a um Estado antigo, ou são da mesma província e da mesma língua, ou não o são: Quando o sejam, é sumamente fácil mantê-los sujeitos, máxime quando não estejam habituados a viver em liberdade, e para dominá-los seguramente será bastante ter-se extinguido a linhagem do príncipe que os governava, porque nas outras coisas, conservando-se suas velhas condições e não existindo alteração de costumes, os homens passam a viver tranquilamente.
E quem conquista, querendo conservá-los, deve adoptar duas medidas: a primeira, fazer com que a linhagem do antigo príncipe seja extinta; a outra, aquela de não alterar nem as suas leis nem os impostos; por tal forma, dentro de mui curto lapso de tempo, o território conquistado passa a constituir um corpo todo com o principado antigo.
Mas, quando se conquistam territórios numa província com língua, costumes e leis diferentes, aqui surgem as dificuldades e é necessário haver muito boa sorte e habilidade para mantê-los. E um dos maiores e mais eficientes remédios seria aquele do conquistador ir habitá-los. Isto tornaria mais segura e mais duradoura a posse adquirida.
Isso porque, estando no local, pode-se ver nascerem as desordens e, rapidamente, podem ser elas reprimidas; aí não estando, delas somente se tem notícia quando já alastradas e não mais passíveis de solução. Além disso, a província conquistada não é saqueada pelos lugar-tenentes; os súbditos ficam satisfeitos porque o recurso ao príncipe se torna mais fácil, donde têm mais razões para amá-lo, querendo ser bons, e para temê-lo, caso queiram agir por forma diversa. Quem do exterior desejar assaltar aquele Estado, por ele terá maior respeito; donde, habitando-o, o príncipe somente com muita dificuldade poderá vir a perdê-lo.
Outro remédio eficaz é instalar colónias num ou dois pontos, que sejam como grilhões postos àquele Estado, eis que é necessário ou fazer tal ou aí manter muita tropa. Com as colónias não se despende muito e, sem grande custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criação prejudica somente aqueles de quem se tomam os campos e as casas para cedê-los aos novos habitantes, os quais constituem uma parcela mínima do Estado conquistado. Ainda, os assim prejudicados, ficando dispersos e pobres, não podem causar dano algum, enquanto que os não lesados ficam à parte, amedrontados, devendo aquietar-se ao pensamento de que não poderão errar para que a eles não ocorra o mesmo que aconteceu àqueles que foram espoliados.
Concluo dizendo que estas colónias não são onerosas, são mais fiéis, ofendem menos e os prejudicados não podem causar mal, tornados pobres e dispersos . Por onde se depreende que os homens devem ser acarinhados ou eliminados, pois eles vingam-se das pequenas ofensas, mas não se podem vingar das grandes; daí decorre que o mal que se fizer ao homem deve ser tal que não se possa temer a vingança.
Mas mantendo, em lugar de colónias, forças militares, gasta-se muito mais, absorvida toda a arrecadação daquele Estado na guarda aí destacada; dessa forma, a conquista transforma-se em perda e ofende muito mais por que danifica todo aquele país com as mudanças do alojamento do exército, incómodo esse que todos sentem e que transforma cada habitante em inimigo: e são inimigos que podem causar dano ao conquistador, pois, os vencidos, ficam em sua própria casa. Sob qualquer ponto de vista essa guarda armada é inútil, ao passo que a criação de colónias é útil.
Deve, ainda, quem se encontre à frente de uma província diferente, como foi dito, tornar-se chefe e defensor dos menos fortes, tratando de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hipótese alguma aí penetre um forasteiro tão forte quanto ele. E sempre surgirá quem seja chamado por aqueles que na província se sintam descontentes, seja por excessiva ambição, seja por medo.
E a ordem das coisas é que, tão logo um estrangeiro poderoso penetre numa província, todos aqueles que nela são mais fracos a ele dêem adesão, movidos pela inveja contra quem se tornou poderoso sobre eles; tanto assim é que em relação a estes não se torna necessário grande trabalho para obter seu apoio, pois logo todos eles, voluntariamente, formam bloco com o seu Estado conquistado.
Apenas deve haver o cuidado de não permitir que adquiram eles muito poder e muita autoridade, podendo o conquistador, facilmente, com suas forças e com o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para tornar-se senhor absoluto daquela província.
E quem não encaminhar satisfatoriamente esta parte, cedo perderá a sua conquista e, enquanto puder conservá-la, terá infinitos aborrecimentos e dificuldades.
Todo príncipe inteligente deve fazer: não somente vigiar e ter cuidado com as desordens presentes, como também com as futuras, evitando-as com toda a cautela porque, previstas a tempo, facilmente se lhes pode opor correctivo; mas, esperando que se avizinhem, o remédio não chega a tempo, e o mal já então se tornou incurável. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os médicos: no princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura. Assim também ocorre nos assuntos do Estado porque, conhecendo com antecedência os males que o atingem (o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas quando, por não se os ter conhecido logo, vêm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de todos, não mais existe remédio.
Por isso, os romanos remediaram sempre os inconvenientes, pois previram-nos sempre, também. Nunca os deixaram alastrar para evitar uma guerra, porque sabiam, que a guerra não se evita mas apenas se adia em benefício dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra Felipe e Antíoco na Grécia, para evitar terem de fazê-la na Itália e, no entanto, podiam ter evitado a luta naquele momento, se o quisessem. Nem em momento algum lhes agradou aquilo que todos os dias está nos lábios dos entendidos de nosso tempo, o desejo de gozar do benefício da contemporização, mas sim apenas aquilo que resultava de sua própria bravura e sabedoria: na verdade o tempo lança à frente todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem.
É coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e, sempre, quando os homens podem fazê-lo, serão louvados ou, pelo menos, não serão censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo de qualquer maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura.
(…) O Rei Luís, cometeu estes cinco erros: eliminou os menos fortes; aumentou na Itália o prestígio de um poderoso; aí colocou um estrangeiro poderosíssimo; não veio habitar o país; não instalou colónias. Estes erros, contudo, poderiam não ter causado dano enquanto vivo ele fosse, se não houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os territórios aos venezianos. Na verdade, se não tivesse tornado grande a Igreja nem introduzido a Espanha na Itália, seria bem razoável e necessário enfraquecê-los;
Nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela não se foge mas apenas se adia para desvantagem própria.
Quem é causa do poderio de alguém arruína-se a si próprio, por que esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são de temer para aquele que se tornou poderoso.
Os principados de que se conserva memória, têm sido governados de duas formas diversas: ou por um príncipe, sendo todos os demais servos que, como ministros por sua mercê e permissão, ajudam a governar o Estado, ou por um príncipe e por barões, os quais, não pela mercê do príncipe mas por antiguidade de sangue, têm aquele grau de ministros. Estes barões têm Estados e súbditos próprios que os reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeição.
Os Estados que são governados por um príncipe e servos, têm-no com maior autoridade, porque em toda a sua província não existe alguém reconhecido como chefe senão ele, e se os súbditos obedecem a algum outro, fazem-no em razão de sua posição de ministro e oficial, não lhe dedicando o menor amor.
Quem tiver em mira, um e outro desses governos, encontrará dificuldades para conquistar o Estado governado por um príncipe e servos, mas, vencido que seja este, encontrará grande facilidade para conservá-lo, Ao contrário, encontrar-se-á em todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado governado por um príncipe e barões, mas grande dificuldade para mantê-lo.
As razões da dificuldade em ocupar o reino governado por um príncipe e servos decorrem de não poder o atacante ser chamado por príncipes daquele reino, nem esperar, com a rebelião dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua empresa: é o que resulta das razões referidas. Porque, sendo todos escravos e obrigados, são mais dificilmente corruptíveis e, quando fossem subornados, pouco de útil poder-se-ia esperar, visto não serem eles capazes de arrastar o povo atrás de si. Logo, se alguém assaltar o Estado, governado por um príncipe e servos deve pensar que irá encontrá-lo todo unido, convindo contar mais com as suas próprias forças que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma vez desbaratado em batalha campal de modo que não possa refazer os exércitos, não se deve recear outra coisa senão a dinastia do príncipe; uma vez extinta esta, ninguém mais resta que deva ser temido, já que os demais não gozam de prestígio junto ao povo; e como o vencedor deste nada podia esperar antes da vitória, depois dela não deve receá-lo.
O contrário ocorre nos reinos governado por um príncipe e barões, por que com facilidade pode-se invadi-lo em obtendo o apoio de algum barão do reino, pois que sempre se encontram descontentes e há os que desejam fazer inovações. Estes, pelas razões referidas, podem abrir o acesso àquele Estado e facilitar a vitória. Esta, depois, se desejarem manter-se, arrasta atrás de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que ajudaram, seja com os que foram oprimidos. Não é bastante extinguir a linhagem do príncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das novas revoluções e, não podendo nem contentá-los nem exterminá-los, perde-se aquele Estado tão logo surja a primeira oportunidade.
Quando aqueles Estados que se conquistam, estão habituados a viver com suas próprias leis e em liberdade, existem três modos de conservá-los: o primeiro, arruiná-los; o outro, ir habitá-los pessoalmente; o terceiro, deixá-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criando em seu interior um governo de poucos, que se conservam amigos, porque, sendo esse governo criado por aquele príncipe, sabe que não pode permanecer sem sua amizade e seu poder, e há que fazer tudo por conservá-los. Querendo preservar uma cidade habituada a viver livre, mais facilmente que por qualquer outro modo se a conserva por intermédio de seus cidadãos.
Na verdade, não existe modo seguro para conservar tais conquistas, senão a destruição. E quem se torne senhor de uma cidade acostumada a viver livre e não a destrua, espere ser destruído por ela, porque a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelião, o nome da liberdade e o de suas antigas instituições, jamais esquecidas seja pelo decurso do tempo, seja por benefícios recebidos. Por quanto se faça e se proveja, se não se dissolvem ou desagregam os habitantes, eles não esquecem aquele nome nem aquelas instituições, e logo, a cada incidente, a eles recorrem.
Mas quando as cidades ou as nações estão acostumadas a viver sob um príncipe, extinta a dinastia, sendo de um lado afeitas a obedecer e de outro não tendo o príncipe antigo, dificilmente chegam a acordo para escolha de um outro príncipe, não sabem, enfim, viver em liberdade: dessa forma, são mais lerdas para tomar das armas e, com maior facilidade, pode um príncipe vencê-las e delas apoderar-se.
Contudo, nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de vingança; não deixam nem podem deixar esmaecer a lembrança da antiga liberdade: assim, o caminho mais seguro é aniquilá-las ou habitá-las pessoalmente.
Como os homens caminham quase sempre, as estradas abertas por outros, procedendo nas suas ações por imitações, não sendo possível seguir fielmente as trilhas alheias nem alcançar a virtude do que se imita, deve um homem prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo possível chegar à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum proveito; deve fazer como os arqueiros hábeis que, considerando muito distante o ponto que desejam atingir e sabendo até onde vai a capacidade de seu arco, fazem mira bem mais alto que o local visado, não para alcançar com sua flecha tanta altura, mas para poder com o auxílio de tão elevada mira atingir o seu alvo.
No principado completamente novo, onde exista um novo príncipe, encontra-se menor ou maior dificuldade para mantê-lo, segundo seja mais ou menos virtuoso quem o conquiste. E porque o elevar-se de particular a príncipe pressupõe ou virtude ou boa sorte, parece que uma ou outra dessas duas razões mitigue em parte muitas dificuldades; não obstante, tem-se observado, aquele que menos se apoiou na sorte reteve o poder mais seguramente. Gera ainda facilidade o fato de, por não possuir outros Estados, ser o príncipe obrigado a vir habitá-lo pessoalmente.
Os que, por suas virtudes, se tornam príncipes, conquistam o principado com dificuldade, mas com facilidade o conservam; e os obstáculos que se lhes apresentam no conquistar o principado, em parte nascem das novas disposições e sistemas de governo que são forçados a introduzir para fundar o seu Estado e estabelecer a sua segurança.
Deve-se considerar não haver coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituições e encontra fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam.
Esta fraqueza nasce, parte por medo dos adversários que têm as leis conformes os seus interesses, parte pela incredulidade dos homens: estes, em verdade, não crêem nas inovações se não as vêem resultar de uma firme experiência.
Donde decorre que a qualquer momento em que os inimigos tenham oportunidade de atacar, o fazem com calor de sectários, enquanto os outros defendem fracamente, de forma que ao lado deles se corre sério perigo.
É necessário, pois, examinar se esses inovadores dependem de outros ou se baseiam sobre forças suas próprias, isto é, se para levar avante sua obra é preciso que roguem, ou se em realidade podem forçar. No primeiro caso, sempre acabam mal e não realizam coisa alguma; mas, quando dependem de si mesmos e podem forçar, então é que raras vezes perigam.
A natureza dos povos é vária, sendo fácil persuadi-los de urna coisa, mas difícil firmá-los nessa persuasão. Convém, assim, estar preparado para que, quando não acreditarem mais, se possa fazê-los crer pela força.
(…) têm grandes dificuldades em conduzir-se e todos os perigos estão no seu caminho, convindo que os superem com o valor pessoal; mas superado que os tenham, quando começam a ser venerados, extintos aqueles que tinham inveja de sua condição, ficam poderosos, seguros, honrados, felizes.
Aqueles que de simples pessoas por sorte se tornam em príncipes, com pouca fadiga assim se transformam, mas só com muito esforço assim se mantêm: não encontram nenhuma dificuldade pelo caminho porque atingem o posto a vôo; mas toda a sorte de dificuldades nasce depois que aí estão. São aqueles aos quais é concedido um Estado, seja por dinheiro, seja por graça do concedente.
Estes estão simplesmente submetidos à vontade e à fortuna de quem lhes concedeu o Estado, que são duas coisas grandemente volúveis e instáveis: e não sabem e não podem manter a sua posição. Não sabem, porque, se não são homens de grande engenho e virtude, não é razoável que, tendo vivido sempre em ambiente de baixa condição, saibam comandar; não podem, porque não têm forças com que possam contar e ser amigas e fiéis.
Além disso, os Estados que surgem rapidamente, como todas as demais coisas da natureza que nascem e crescem depressa, não podem ter raízes e estruturação perfeitas, de forma que a primeira adversidade os extingue; salvo se aqueles que, assim repentinamente se tornaram príncipes, forem de tanta virtude que saibam desde logo preparar-se para conservar aquilo que a fortuna lhes pôs no regaço, formando posteriormente os alicerces que os outros também estabeleceram antes de se tornarem príncipes.
Quem não lança os alicerces primeiro, com uma grande virtude poderá estabelecê-los depois, ainda que se façam com aborrecimentos para o construtor e perigo para o edifício.
Todo aquele que por fortuna e com as armas dos outros subiram ao poder, no seu principado novo, deve julgar necessário assegurar-se contra os inimigos, adquirir amigos, vencer ou pela força ou pela fraude, fazer-se amar e temer pelo povo, seguir e reverenciar pelos soldados, eliminar aqueles que podem ou têm razões para ofender, ordenar por novos modos as instituições antigas, ser severo e grato, magnânimo e liberal, extinguir a milícia infiel, criar uma nova, manter a amizade dos reis e dos príncipes, de modo que beneficiem de boa vontade ou ofendam com temor.
Na verdade, os homens ofendem ou por medo ou por ódio.
E quem acreditar que nas grandes personagens os novos benefícios façam esquecer as velhas injúrias, engana-se.
Mas, há ainda outros dois modos de subir de humilde condição à de príncipe, que não podem ser atribuídos totalmente à sorte ou à virtude. Estes são, ou quando por qualquer meio pérfido ou criminoso se ascende ao principado, ou quando um cidadão privado torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de seus concidadãos.
(…) matar os seus concidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem religião; tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória. (…) sua exacerbada crueldade e desumanidade, com infinitas perversidades, não permitem seja ele celebrado entre os homens mais ilustres.
Poderia alguém ficar em dúvida sobre a razão por que Agátocles e algum outro a ele semelhante, após tantas traições e crueldades, puderam viver longamente, sem perigo, dentro de sua pátria e, ainda, defender-se dos inimigos externos sem que os seus concidadãos contra eles tivessem conspirado, tanto mais notando-se que muitos outros não conseguiram manter o Estado, mediante a crueldade, nos tempos pacíficos e, muito menos, nos duvidosos tempos de guerra. Penso que isto resulte das crueldades serem mal ou bem usadas. Bem usadas pode-se dizer serem aquelas (se do mal for lícito falar bem) que se fazem instantaneamente pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas não se insiste mas sim se as transforma no máximo possível de utilidade para os súbditos; mal usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com o decorrer do tempo aumentam ao invés de se extinguirem.
Aqueles que observam o primeiro modo de agir, podem remediar sua situação com apoio de Deus e dos homens, como ocorreu com Agátocles; aos outros torna-se impossível a continuidade no poder. Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios.
Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre necessidade de conservar a faca na mão, não podendo nunca confiar em seus súbditos, pois que estes nele também não podem ter confiança diante das novas e contínuas injúrias.
Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados.
Acima de tudo, um príncipe deve viver com seus súbditos de modo que nenhum acidente, bom ou mau, o faça modificar o seu procedimento. Como as dificuldades surgem em épocas adversas, não se está em situação de fazer mal, e, se se faz bem, de nada aproveitará, pois suporão que foi forçado e não ficarão gratos.
Quando um cidadão simpes, não por perfídia ou outra violência execrável, porém com o favor de seus concidadãos, torna-se príncipe de sua pátria, o que se pode chamar principado civil (para tal se tornar, não é necessária muita virtude ou muita sorte, mas antes uma astúcia afortunada) digo que se ascende a esse principado ou com a dignidade do povo ou o favor dos grandes. Porque em todas as cidades se encontram estas duas tendências diversas e isso resulta do fato de que o povo não quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e estes desejam governar e oprimir o povo: é destes dois anseios diversos que nasce nas cidades um dos três efeitos: ou principado, ou liberdade, ou desordem.
O principado provém ou do povo ou dos grandes, conforme uma ou outra destas partes tenha oportunidade: vendo os grandes não lhes ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar expansão ao seu apetite; o povo, também, vendo não poder resistir aos poderosos, volta a estima a um cidadão e o faz príncipe para estar defendido com a autoridade do mesmo.
O que chega ao principado com a ajuda dos grandes mantém-se com mais dificuldade daquele que ascende ao posto com o apoio do povo, pois encontra-se o príncipe com muitos ao redor a lhe parecerem seus iguais e, por isso, não pode nem governar nem manobrar como entender.
Aquele que chega ao principado com o favor popular, aí encontra-se só e ao seu derredor não tem ninguém ou são pouquíssimos que não estejam prontos para obedecer. Além disso, sem injúria aos outros, não se pode honestamente satisfazer os grandes, mas sim pode-se fazer bem ao povo, eis que o objetivo deste é mais honesto do que o dos poderosos, querendo estes oprimir enquanto aquele apenas quer não ser oprimido.
Contra um povo hostil um príncipe jamais pode estar garantido, por serem muitos; dos grandes, porém, pode-se assegurar porque são poucos. O pior que pode um príncipe esperar do povo hostil é ser por ele abandonado; mas dos poderosos inimigos não só deve temer ser abandonado, como também deve recear que os mesmos lhes caiam em cima, pois que, havendo neles mais visão e maior astúcia, nunca perdem tempo para salvar-se e procuram logo adquirir prestígio junto àquele que esperam venha a vencer.
Acontece ainda que o príncipe tem de viver, obrigatoriamente, sempre com o mesmo povo, mas pode bem viver sem aqueles mesmos poderosos, uma vez que pode fazer e desfazer a cada dia esse seu poderio, dando-lhes ou tirando-lhes reputação, quando lhe aprouver.
E, para melhor esclarecer esta parte, digo que os grandes devem ser considerados em dois grupos principais: ou procedem por forma a se obrigarem totalmente à sote, ou não do príncipe.
Os que se sujeitam e não pilham, devem ser honrados e amados. Os que não se obrigam devem ser encarados de dois modos:
Se fazem isso por covardia ou por natural defeito de espírito, deverá o príncipe servir-se deles, principalmente dos que são bons conselheiros, porque na prosperidade isso honrará o príncipe e na adversidade não precisará temê-los.
Mas quando eles, ardilosamente, não se sujeitam por ambição, é sinal que pensam mais em si próprios do que no príncipe: desses deve o príncipe guardar-se temendo-os como se fossem inimigos declarados, porque sempre, na adversidade, ajudarão a arruiná-lo.
Deve, pois, alguém que se torne príncipe através do favor do povo, conservá-lo amigo, o que se torna fácil, uma vez que não pede ele senão não ser oprimido.
Mas quem se torne príncipe pelo favor dos grandes, contra o povo, deve antes de mais nada procurar aliciar para si o povo, o que se lhe tornará fácil quando assume a proteção do mesmo. E, por que os homens, quando recebem o bem de quem esperavam somente o mal, se obrigam mais ao seu benfeitor, torna-se o povo desde logo mais seu amigo do que se tivesse sido por ele levado ao principado.
Um príncipe é necessário ter o povo como amigo, pois, de outro modo, não terá possibilidades
E não surja alguém para refutar esta minha opinião com aquele provérbio bastante conhecido de que, “quem se apoia no povo firma-se na lama”, porque o mesmo é verdadeiro somente quando um simples cidadão estabelece bases sobre o povo e imagina que o mesmo vá libertá-lo quando oprimido pelos inimigos ou pelos magistrados. Mas sendo um príncipe que se apoie no povo, que possa comandar e seja um homem de coragem, que não esmoreça nas adversidades, não careça de armas e mantenha com seu valor e suas determinações alentado o povo todo, jamais se sentirá por ele enganado e constatará ter estabelecido bons fundamentos.
Amiúde esses principados periclitam quando estão para passar de um governo civil para um governo absoluto, porque esses príncipes ou governam por si mesmos ou por intermédio dos magistrados. Neste último caso a situação dos mesmos é mais fraca e perigosa, porque dependem completamente da vontade dos cidadãos que têm tais dignidades, os quais, principalmente nos tempos adversos, podem tomar-lhes o Estado com grande facilidade, ou podem contrariar as suas ordens ou não lhes prestar obediência.
E o príncipe já não pode, nas ocasiões de perigo, assumir a tempo a autoridade absoluta, porque os cidadãos e os súbditos, acostumados a receber as ordens dos magistrados, não estão, naquelas conjunturas, para obedecer às suas determinações, havendo sempre, ainda, nos tempos duvidosos, carência de pessoas nas quais ele possa confiar.
Tal príncipe em épocas duvidosas terá sempre poucos em quem possa confiar. Não pode confiar naquilo que se observa nas épocas de paz, quando os cidadãos precisam do Estado, porque então todos o lisonjeiam, todos lhe fazem promessas e todos querem morrer por ele, visto a morte estar longe; mas na adversidade, no momento em que o Estado tem necessidade dos cidadãos, então poucos são encontrados. E tanto mais é perigosa esta experiência, porque só pode ser feita uma vez. Contudo, um príncipe hábil deve pensar na maneira pela qual possa fazer com que os seus cidadãos sempre e em qualquer circunstância tenham necessidade do Estado e dele mesmo, e estes, então, sempre lhe serão fiéis.
(…) se um príncipe tem Estado tão grande e forte que possa, precisando, manter-se por si mesmo, ou então se tem sempre necessidade da defesa de outrem.
Para esclarecer melhor esta parte, digo julgar como podendo manter-se por si mesmos aqueles que podem, por abundância de homens e de dinheiro, organizar um exército à altura do perigo a enfrentar e fazer face a uma batalha contra quem venha assaltá-lo, assim como julgo necessitados da defesa de outrem os que não podem defrontar o inimigo em campo aberto, mas são obrigados a refugiar-se atrás dos muros da cidade, guarnecendo-os.
Relativamente ao segundo, não se pode aduzir algo mais do que exortar tais príncipes a fortificarem e a proverem sua cidade, não se preocupando com o território que a contorna. E quem tiver bem fortificada a sua cidade será sempre assaltado com grande temor, porque os homens são sempre inimigos dos empreendimentos onde vejam dificuldades, e não se pode encontrar facilidade para atacar quem tenha sua cidade forte e não seja odiado pelo povo.
A quem replicasse que, tendo as suas propriedades fora da cidade e vendo-as a arder, o povo não terá paciência e o longo assédio e a piedade de si mesmo o farão esquecer o príncipe, eu responderia que um príncipe poderoso e afoito superará sempre aquelas dificuldades, ora um dia dando aos súbditos esperança de que o mal não será longo, ora no outro dia incutindo temor da crueldade do inimigo, ora assegurando-se com destreza daqueles que lhe pareçam muito temerários. Além disso, é razoável que o inimigo deva queimar o país apenas chegado, nos tempos em que o ânimo dos homens está ainda ardente e voluntarioso na defesa; por isso, o príncipe deve ter pouca dúvida porque, depois de alguns dias, quando os ânimos estão mais frios, os danos já foram causados, os males já foram sofridos e já não há mais remédio; então, os súbditos vêm-se unir ainda mais ao príncipe, parecendo-lhes que este lhes deva obrigação, uma vez que suas casas foram incendiadas e suas propriedades arruinadas para a defesa do mesmo. Sucede assim porque a natureza dos homens deixa-se cativar tanto pelos benefícios que fazem como por aqueles que se recebem. Donde, em se considerando tudo bem, não será difícil a um príncipe prudente conservar firmes, antes e depois do cerco, os ânimos de seus cidadãos, desde que não faltem víveres nem meios de defesa.
Nos principados eclesiásticos, todas as dificuldades existem antes que se os possuam, são adquiridos ou pela virtude ou pela fortuna, e sem uma e outra se conservam, porque são sustentados pelas ordens de há muito estabelecidas na religião;
estes tornam-se tão fortes e de tal natureza que mantêm os seus príncipes sempre no poder, seja qual for o modo por que procedam e vivam.
Só estes possuem Estados e não os defendem; súbditos, e não os governam; os Estados, são indefesos e não lhes são tomados; os súbditos, por não serem governados, não se preocupam, não pensam e nem podem separar-se deles. Somente estes principados, pois, são seguros e felizes.
Mas, sendo eles dirigidos por razão superior, à qual a mente humana não atinge, deixarei de falar a seu respeito, mesmo porque, sendo engrandecidos e mantidos por Deus, seria obra de homem presunçoso e temerário dissertar a seu respeito. Contudo, se alguém me perguntar donde provém que a Igreja, no poder temporal, tenha chegado a tanta grandeza, pois que antes do Papa Alexandre os potentados italianos, e não apenas aqueles que eram ditos "potentados" mas qualquer barão e senhor, mesmo que sem importância, pouco valor davam ao poder temporal da Igreja, e agora um rei de França treme, ela pode expulsá-lo da Itália e ainda logra arruinar os venezianos, apontarei factos que, a despeito de conhecidos, não me parece supérfluo reavivar em parte na memória.
Os principais fundamentos que os Estados têm, tanto os novos como os velhos ou os mistos, são as boas leis e as boas armas. E, como não pode haver boas leis onde não existam boas armas e onde existam boas armas convém que haja boas leis, deixarei de falar das leis e me reportarei apenas às armas.
Digo, pois, que as armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou são mercenárias, ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e, se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; não têm temor a Deus e não têm fé nos homens, e tanto se adia a ruína, quanto se transfere o assalto; na paz é-se espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos. A razão disto é que elas não têm outro amor nem outra razão que as mantenha em campo, a não ser um pouco de soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.
Quero demonstrar melhor a infeliz qualidade destas tropas. Os capitães mercenários ou são homens excelentes, ou não: se o forem, o príncipe não pode confiar, porque sempre aspirarão à própria grandeza, abatendo o príncipe que é o seu patrão, ou oprimindo os outros contra a vontade do príncipe; mas se não forem grandes chefes, certamente te levarão à ruína.
E, se for respondido que qualquer capitão de armas que detenha as forças nas mãos fará isso, mercenário ou não, responderei dizendo que devem ser usadas por um príncipe ou por uma República. O príncipe deve ir pessoalmente com as tropas e cumprir as atribuições de um bom capitão: a República deve mandar seus cidadãos e, quando enviar um que não se revele valente, deve substitui-lo, quando corajoso deve detê-lo com as leis para que não avance além do limite.
Por experiência vêem-se só príncipes e repúblicas armadas fazerem grandes progressos, enquanto se vêem tropas mercenárias não causarem mais do que danos. Além disso, será muito mais difícil cair sob a tirania um de um seu dos seus cidadãos uma república munida das suas próprias armas do que outra que esteja protegida por tropas mercenárias ou auxiliares.
Na verdade, destas tropas resultam apenas lentas, tardias e fracas conquistas, mas rápidas e miraculosas perdas.
Tendo a Itália quase toda, chegado a cair nas mãos da Igreja e de algumas repúblicas, não estando aqueles padres e aqueles outros cidadãos habituados ao uso das armas, começaram a aliciar mercenários estrangeiros. O primeiro que deu fama a essa milícia foi Alberico da Conio, natural da Romanha, sendo que de sua escola de armas vieram, dentre outros, Braccio e Sforza, nos seus dias os árbitros da Itália. Depois destes vieram todos os outros que até nossos tempos têm chefiado essas tropas, e o fim do valor das mesmas foi que a Itália viu-se percorrida por Carlos, saqueada por Luís, violentada por Fernando e desonrada pelos suíços.
As tropas auxiliares, que são as outras forças inúteis, são aquelas que se apresentam quando se chama um poderoso para que, com seus exércitos, ele venha ajudar e defender.
Estas tropas auxiliares podem ser úteis e boas para si mesmas, mas, para quem as chame, são quase sempre danosas, eis que perdendo ficas liquidado, vencendo ficas seu prisioneiro.
Assim, aquele que queira não poder vencer, valha-se destas tropas muito mais perigosas do que as mercenárias, eis que com estas a ruína é certa, dado que são todas unidas, todas voltadas à obediência a outrem. As mercenárias, para te prejudicarem após a vitória, contrariamente ao que ocorre com as mistas, precisam de mais tempo e maior oportunidade, não só por não constituírem um todo, como também por terem sido organizadas e pagas por vós; ainda, um terceiro um chefe, não pode desde logo assumir tanta autoridade que vos cause dano. Enfim, enquanto nas tropas mercenárias o mais perigoso é a covardia, nas auxiliares é o valor.
Um príncipe prudente, portanto, sempre tem fugido a essas tropas para voltar-se às suas próprias forças, preferindo perder com as suas a vencer com aquelas, eis que, em verdade, não representaria vitória aquela que fosse conquistada com as armas alheias.
Enfim, as armas de outrem, ou te caem de cima, ou te pesam ou te constrangem.
Mas a pouca prudência dos homens muitas vezes começa uma coisa que lhe parece boa, sem se aperceber do veneno que ela encobre.
Aquele que num principado não conhece os males logo no início, não é verdadeiramente sábio, o que é dado a poucos.
E, se se considerar o início da ruína do Império Romano, ver-se-á ter ela resultado do simples começo de aliciamento dos godos, eis que foi daí que começaram a declinar as forças do Império Romano e todo aquele valor que se lhe tirava era atribuído a eles. Concluo, pois, que, sem ter armas próprias, nenhum principado está seguro; ao contrário, fica ele totalmente sujeito à sorte, não havendo virtude que o defenda na adversidade.
As forças próprias são aquelas que se constituem de súbditos, de cidadãos ou de criaturas tuas; todas as outras são ou mercenárias ou auxiliares.
Deve, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda. E é ela de tanta virtude, que não só mantém aqueles que nasceram príncipes, como também muitas vezes faz os homens de condição privada subirem àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado. A primeira causa que te faz perder o governo é negligenciar dessa arte, enquanto que a razão que te permite conquistá-lo é o ser professo da mesma.
Em verdade, entre outros males que te acarreta o estares desarmado, ele te torna vil.
Entre um príncipe armado e um desarmado, não existe proporção alguma, e não é razoável que quem esteja armado obedeça com gosto ao que seja desprovido de armas, nem que o desarmado se sinta seguro entre servidores armados, eis que, existindo desdém de parte de um e suspeita do lado do outro, não é possível que ajam bem, estando juntos.
Um príncipe que não entende de tropas, além de outros prejuízos, sofre de não poder ser estimado pelos seus soldados e nem poder neles confiar.
Deve o príncipe, não desviar um momento sequer o seu pensamento do exercício da guerra, o que pode fazer por dois modos: um com a ação, o outro com a mente, Quanto à ação, além de manter bem organizadas e exercitadas as suas tropas, deve estar sempre em caçadas para acostumar o corpo às fadigas e, em parte, para conhecer a natureza dos lugares e saber como surgem os montes, como embocam os vales, como se estendem as planícies, e aprender a natureza dos rios e dos pântanos, pondo muita atenção em tudo isso. Esses conhecimentos são úteis por duas razões: primeiro, aprende-se a conhecer o próprio país e pode-se melhor identificar as defesas que ele oferece; depois, em decorrência do conhecimento e prática daqueles sítios, com facilidade poderá entender qualquer outra região que venha a ter de observar; do conhecimento do terreno de uma província, pode-se passar facilmente ao de outras. O príncipe que seja falto dessa perícia, está desprovido do elemento principal de que necessita um capitão, pois ela ensina a encontrar o inimigo, estabelecer os acampamentos, conduzir os exércitos, ordenar as jornadas, fazer incursões pelas terras com vantagem sobre o inimigo.
(…) ouvia as opiniões, dava a sua corroborando-a com argumentos, de maneira tal que, em razão dessas contínuas cogitações, jamais poderia, comandando os exércitos, encontrar pela frente algum imprevisto para o qual não tivesse solução.
Mas, quanto ao exercício da mente, deve o príncipe ler as histórias e nelas observar as ações dos grandes homens, ver como se conduziram nas guerras, examinar as causas de suas vitórias e de suas derrotas, para poder fugir às responsáveis por estas e imitar as causadoras daquelas; deve fazer, sobretudo, como, em tempos idos, fizeram alguns grandes homens que imitaram todo aquele que antes deles foi louvado e glorificado, e sempre tiveram em si os gestos e as ações do mesmo.
Um príncipe inteligente deve observar essa semelhança de proceder, nunca ficando ocioso nos tempos de paz, mas sim, com habilidade, procurar acumular um capital que possa utilizá-lo na adversidade, a fim de que, quando mudar a fortuna, se encontre preparado para resistir.
Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua preservação, pois que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade.
Os príncipes por se encontrarem em mais alta condição, quando analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que lhes acarretam ou reprovação ou louvor. Assim é que alguns são havidos como liberais, alguns sovinas; alguns são tidos como pródigos, alguns gananciosos; alguns cruéis, alguns piedosos; um fedífrago, o outro fiel; um efeminado e pusilânime, o outro feroz e corajoso; um humano, o outro soberbo; um lascivo, o outro casto; um simples, o outro astuto; um duro, o outro fácil; um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e assim por diante.
Sei que seria sumamente louvável encontrarem-se num príncipe, apenas aqueles que são considerados bons; mas, desde que não os podem possuir nem inteiramente observá-los em razão da condição humana não o permitirem, é necessário que seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto;
Que não evite o príncipe de incorrer na censura dos vícios, sem os quais, não pode facilmente conservar o Estado; pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e estabilidade.
Liberal/ parcimonioso
A liberalidade, usada para que se torne conhecida de todos, prejudica-te, porque, se usada com medida e como deve ser, ela não se torna conhecida e não conseguirás tirar de cima de ti a má fama do seu contrário; porém, querendo manter entre os homens o nome de liberal, é preciso não esquecer nenhuma espécie de magnificências, de forma tal que um príncipe assim procedendo consumirá em coisas semelhantes todas as suas finanças e terá necessidade de, no fim, se quiser manter o conceito de liberal, agravar extraordinariamente o povo de impostos, ser duro no fisco e fazer tudo aquilo de que possa se utilizar para obter dinheiro. Isso começará a torná-lo odioso perante o povo e, empobrecendo-o, fá-lo-á pouco estimado de todos; de forma que, tendo ofendido a muitos e premiado a poucos com essa sua liberalidade, sente mais intensamente qualquer revés inicial e periclita face ao primeiro perigo. Percebendo isso e querendo recuar, o príncipe incorre desde logo na má fama de somítico.
Um príncipe, pois, não podendo usar essa qualidade de liberal sem sofrer dano, tornando-a conhecida, deve ser prudente, deve não se preocupar com a em lhe chamarem somítico, pois que, com o decorrer do tempo, será considerado sempre mais liberal, uma vez vendo o povo que com sua parcimónia a receita lhe basta, pode defender-se de quem lhe mova guerra e tem possibilidade de realizar empreendimentos sem gravar o povo; assim agindo, vem a usar liberalidade para com todos aqueles dos quais nada tira, que são numerosos, e a empregar a sovinice para com todos os outros a quem não dá, que são poucos.
Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não precisar roubar os seus súbditos, para poder defender-se, para não ficar pobre e desprezado, para não ser forçado a tornar-se rapace, não se importando de incorrer na fama de somítico (ou parcimonioso), porque esse é um daqueles defeitos que o fazem reinar.
E se alguém replicasse que houve muitos príncipes, tidos como extremamente liberais, que realizaram grandes feitos com seus exércitos, responderia: ou o príncipe gasta do seu, ou de seus súbditos, ou de outrem; no primeiro caso, deve ser parcimonioso; nos outros, não deve deixar de praticar nenhuma magnificência.
E aquele príncipe que vai com os exércitos, que se mantém de rapinagem, de saques e de resgates, maneja bens de outros, tem necessidade dessa liberalidade porque, de contrário, não será seguido pelos soldados.
E, daquilo que não é teu nem de súbditos teus, podes ser o mais generoso doador, pois que o despender aquilo que é dos outros não te tira reputação, ao contrário, a aumenta; somente o gastar o teu é que te prejudica. E não há coisa que tanto se destrua a si mesma como a liberalidade, pois, enquanto tu a usas, perdes a faculdade de utilizá-la, tornando-te pobre e desprezado ou, para fugir à pobreza, rapace e odioso.
Dentre todas as coisas de que um príncipe se deve guardar está o ser desprezado e odiado, e a liberalidade te conduz a uma e a outra dessas coisas. Portanto, é mais sabedoria ter a fama de somítico, que dá origem a uma infâmia sem ódio, do que, por querer o conceito de liberal, ver-se na necessidade de incorrer no julgamento de ganacioso, que cria uma má fama com ódio.
Crueldade/ Clemência
Ser amado/ Ser temido
Digo que cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel: não obstante isso, deve ter o cuidado de não usar mal essa piedade.
Um príncipe não deve, temer a má fama de cruel, desde que por ela mantenha seus súbditos unidos e leais, pois que, com mui poucos exemplos, ele será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva piedade, deixam acontecer as desordens das quais resultam assassínios ou rapinagens: porque estes costumam prejudicar a comunidade inteira, enquanto aquelas execuções que emanam do príncipe atingem apenas um indivíduo.
E, dentre todos os príncipes, é ao novo que se torna impossível fugir à pecha de cruel, visto serem os Estados novos cheios de perigos.
O príncipe, contudo, não deve crer nem agir levianamente, não se deixar invadir por o medo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável.
Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário. A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado.
Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se.
E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las.
E os homens têm menos escrúpulo em ofender a alguém que se faça amar do que a quem se faça temer, posto que a amizade é mantida por um laço de obrigações que, por serem os homens maus, é quebrado em cada oportunidade de melhor proveito;
mas o temor é mantido pelo receio de castigo que jamais se abandona. Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súbditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta.
Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do património.
De resto, nunca faltam motivos para justificar as expropriações, e aquele que começa a viver de rapinagem sempre encontra razões para apossar-se dos bens alheios, ao passo que as razões para o derramamento de sangue são mais raras e esgotam-se mais depressa.
Quando o príncipe está à frente de seus exércitos e tem sob seu comando uma multidão de soldados, então é de todo necessário não se importar com a fama de cruel, eis que, sem ela, jamais se conservará exército unido e disposto a alguma empresa.
(…) disse haver muitos homens que melhor sabiam não errar do que corrigir os erros.
Concluo, pois, voltando à questão de ser temido e amado, que um príncipe sábio, amando os homens como a eles agrada e sendo por eles temido como deseja, deve apoiar-se naquilo que é seu e não no que é dos outros; deve apenas empenhar-se em fugir ao ódio, como foi dito.
Honrar a palavra
Quando seja louvável em um príncipe o manter a fé (da palavra dada) e viver com integridade, e não com astúcia, todos compreendem; contudo, vê-se nos nossos tempos, pela experiência, alguns príncipes terem realizado grandes coisas a despeito de terem tido em pouca conta a fé da palavra dada, sabendo pela astúcia transtornar a inteligência dos homens; no final, conseguiram superar aqueles que se firmaram sobre a lealdade.
Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, é preciso recorrer ao segundo. Portanto, a um príncipe torna-se necessário saber bem empregar o animal e o homem.
Um príncipe precisa saber usar uma e outra dessas naturezas: uma sem a outra não é durável. Necessitando um príncipe, pois, saber bem empregar o animal, deve deste tomar como modelos a raposa e o leão, eis que este não se defende dos laços e aquela não tem defesa contra os lobos. É preciso, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos. Aqueles que agem apenas como o leão, não conhecem a sua arte. Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar a sua palavra, quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la.
Se todos os homens fossem bons, este preceito seria mau; mas, porque são maus e não respeitariam a palavra que te dessem, não há razão para que a cumpras para com eles.
Jamais faltaram a um príncipe razões legítimas para justificar a sua quebra da palavra. Disto poder-se-ia dar inúmeros exemplos modernos, mostrar quantas pazes e quantas promessas foram tornadas írritas e vãs pela infidelidade dos príncipes; e aquele que, com mais perfeição, soube agir como a raposa, saiu-se melhor. Mas é necessário saber bem disfarçar esta qualidade e ser grande simulador e dissimulador: tão simples são os homens e tão obedientes às necessidades do momento, que aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar.
A um príncipe, portanto, não é essencial possuir todas as qualidades enumeradas, mas é bem necessário parecer possuí-las. Antes, ousarei dizer que, possuindo-as e usando-as sempre, elas são danosas, enquanto que, aparentando possuí-las, são úteis; por exemplo: parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e sê-lo realmente, mas estar com o espírito preparado e disposto de modo que, precisando não sê-lo, possas e saibas tornar-te o contrário.
Deve-se compreender que um príncipe, e em particular um príncipe novo, não pode praticar todas aquelas coisas pelas quais os homens são considerados bons, uma vez que, frequentemente, é obrigado, para manter o Estado, a agir contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. Porém, é preciso que ele tenha um espírito disposto a voltar-se segundo os ventos da sorte e as variações dos factos o determinem e, não apartar-se do bem, podendo, mas saber entrar no mal, se necessário.
Um príncipe, portanto, deve ter muito cuidado em não deixar escapar de sua boca nada que não seja repleto das cinco qualidades, para parecer, ao vê-lo e ouvi-lo, todo piedade, todo fé, todo integridade, todo humanidade, todo religião; e nada existe mais necessário de ser aparentado do que esta última qualidade. É que os homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, porque a todos cabe ver mas poucos são capazes de sentir.
Todos vêem o que tu aparentas, poucos sentem aquilo que tu és; e esses poucos não se atrevem a contrariar a opinião dos muitos que, aliás, estão protegidos pela majestade do Estado; e, nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas.
Procure, pois, um príncipe, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados, e no mundo não existe senão o vulgo; os poucos não podem existir quando os muitos têm onde se apoiar. Algum príncipe dos tempos atuais, que não convém nomear, não prega senão a paz e fé, mas de uma e outra é ferrenho inimigo; uma e outra, se ele as tivesse praticado, ter-lhe-iam por mais de uma vez tolhido a reputação ou o Estado.
De como se deva evitar o ser DESPREZADO e ODIADO
Que o príncipe pense em fugir àquelas circunstâncias que possam torná-lo odioso e desprezível; sempre que assim proceder, terá cumprido o que lhe compete e não encontrará perigo algum nos outros defeitos.
Odioso o tornará, acima de tudo, o ser ganancioso e usurpador dos bens e das mulheres dos súditos, do que se deve abster; e, desde que não se tirem nem os bens nem a honra à universalidade dos homens, estes vivem felizes e somente se terá de combater a ambição de poucos, o que se refreia por muitos modos e com facilidade.
Desprezível o torna ser considerado volúvel, leviano, efeminado, pusilânime, irresoluto, do que um príncipe deve guardar-se como da peste, empenhando-se para que nas suas ações se reconheça grandeza, coragem, seriedade e força; com relação às intrigas particulares dos súbditos, deve querer que a sua sentença seja irrevogável; deve manter-se em tal conceito que ninguém possa pensar em enganá-lo ou traí-lo.
O príncipe que dá de si esta opinião é assaz reputado e, contra quem é reputado, só com muita dificuldade se conspira; dificilmente é atacado, desde que se considere excelente e seja reverenciado pelos seus.
Na verdade, um príncipe deve ter dois temores:
um de ordem interna, de parte de seus súbditos, o outro de natureza externa, de parte dos potentados estrangeiros. Destes se defende com boas armas e bons amigos; e sempre que tenha boas armas terá bons amigos.
A situação interna, desde que ainda não perturbada por uma conspiração, estará segura sempre que esteja estabilizada a externa; mesmo quando esta se agite, se o príncipe se organizou e viveu…, desde que não desanime, resistirá a qualquer impacto.
Mas, a respeito dos súbditos, quando os negócios externos não se agitam, deve-se temer que conspirem secretamente, contra o que o príncipe se assegura firmemente fugindo de ser odiado ou desprezado e mantendo o povo com ele satisfeito;
Um dos mais poderosos remédios de que um príncipe pode dispor contra as conspirações é não ser odiado pela maioria, porque sempre, quem conjura, pensa com a morte do príncipe satisfazer o povo, mas, quando considera que com isso irá ofendê-lo, não se anima a tomar semelhante partido, mesmo porque as dificuldades com que os conspiradores têm de se defrontar são infinitas.
Por experiência vê-se que muitas foram as conspirações mas poucas tiveram bom fim, pois quem conspira não pode ser sozinho, nem pode ter por companheiros senão aqueles que acredite estarem descontentes; mas, logo que se tenha revelado a um descontente a intenção, dá-se-lhe motivo para ficar contente, pois se ele for delator pode daí esperar todas as vantagens; de forma que, vendo o ganho certo de um lado, sendo o outro dúbio e cheio de perigo, é preciso que ele seja ou um extraordinário amigo ou implacável inimigo do príncipe para manter a palavra empenhada.
Para reduzir o assunto a termos breves, digo que do lado do conspirador não existe senão medo, ciúme, suspeita de castigo que o atordoa; mas, do lado do príncipe, existe a majestade do principado, as leis, as barreiras dos amigos e do Estado que o defendem; consequentemente, e somada a tais fatores a benevolência popular, é impossível que exista alguém tão temerário que venha a conspirar. Isso porque, geralmente, onde um conspirador teme antes da execução do mal, se tiver o povo por inimigo, deve temer ainda mesmo depois de ocorrido o facto, não podendo por isso esperar qualquer amparo.
Concluo, portanto, que um príncipe deve dar pouca importância às conspirações se o povo lhe é benévolo; mas quando este lhe seja adverso e o tenha em ódio, deve temer tudo e a todos.
Os Estados bem organizados e os príncipes hábeis têm com toda a diligência procurado não desesperar os grandes e satisfazer o povo conservando-o contente, mesmo porque este é um dos mais importantes assuntos de que um príncipe tenha de tratar.
Os príncipes devem atribuir a outrem as coisas odiosas, reservando para si aquelas de graça. Novamente concluo que um príncipe deve estimar os grandes, mas não se fazer odiado pelo povo.
Enquanto nos outros principados tem-se de lutar apenas contra a ambição dos grandes e a insolência do povo, os imperadores romanos encontravam uma terceira dificuldade, aquela de terem de suportar a crueldade e a ambição dos soldados. Esta terceira dificuldade era de tal forma séria que se tornou a causa da ruína de muitos, pois é difícil satisfazer ao mesmo tempo os soldados e o povo: este amava a paz e, por isso, estimava os príncipes moderados, enquanto que os soldados amavam o príncipe de ânimo militar, que fosse insolente, cruel e rapace, querendo que o mesmo exercesse tais violências contra as populações para poder ter, assim, duplicado soldo e expansão à sua rapacidade e crueldade.
Tais fatos fizeram com que aqueles imperadores que, por natureza ou por engenho, não desfrutavam uma grande reputação de forma a poder manter freados um e outros, sempre se arruinassem.
(…) porque, não podendo o príncipe deixar de ser odiado por alguém, deve primeiro buscar não ser odiado por qualquer classe social; mas, quando não pode conseguir isto, deve empenhar-se em, por todos os meios, evitar o ódio daquelas classes que são mais poderosas.
Deve-se notar aqui que o ódio se adquire tanto pelas boas como pelas más ações: como já disse acima, querendo um príncipe conservar o Estado, frequentemente é forçado a não ser bom, pois quando aquele elemento mais forte, povo, soldados ou grandes, de que julgas necessitar para manter-te, é corrompido, convém que sigas o seu desejo para satisfazê-lo; então, as boas obras tornam-se tuas inimigas.
(…) assassinatos, decorrentes da deliberação de um espírito obstinado, são impossíveis de evitar por parte dos príncipes, porque todo aquele que não tema morrer pode golpeá-los. Todavia, o príncipe pouco deve temer, porque tais mortes são raras. Deve apenas cuidar de não fazer grave injúria a algum daqueles de que se serve e que tem ao seu derredor no serviço do principado.
Digo que os príncipes dos nossos tempos têm a menos, nos seus governos, a dificuldade de satisfazer extraordinariamente os soldados, pois que, não obstante se deva ter para com os mesmos alguma consideração, isso resolve-se (…) agora é necessário a todos os príncipes, satisfazer mais ao povo que aos militares, porque aquele pode mais que estes.
Para conservar a segurança do Estado, alguns príncipes desarmaram os seus súbditos, outros mantiveram divididas as terras submetidas, alguns nutriram inimizades contra si mesmos, outros dedicaram-se a conquistar o apoio daqueles que lhes eram suspeitos no início de seu governo, alguns construíram fortalezas, outros as arruinaram e destruíram.
Jamais existiu um príncipe novo que desarmasse os seus súbditos, mas, antes, sempre que os encontrou desarmados, armou-os; isto porque, armando-os, essas armas passam a ser tuas, tornam fiéis aqueles que te são suspeitos, os que eram fiéis assim se conservam e de súbditos tornam-se teus partidários. E, porque não se pode armar todos os súbditos, beneficiados os que armas, com os outros podes tratar mais seguramente; essa diversidade de tratamento que reconhecem em seu favor torna-os obrigados para contigo e os outros desculpar-te-ão, julgando ser necessário que tenham aqueles mais recompensas por estarem sujeitos a maiores perigos e maiores obrigações.
Mas quando os desarmas, começas a ofendê-los, mostras deles duvidar, ou por vileza ou por desconfiança uma ou outra destas opiniões concebe ódio contra ti. E, por não poderes ficar desarmado, torna-se necessário que te voltes à milícia mercenária, e quando fosse boa, não poderia sê-lo por forma a defender-te dos inimigos poderosos e dos súbditos suspeitos.
Mas, quando um príncipe conquista um novo Estado que, como membro, se agrega ao antigo, então é necessário desarmar o conquistado, salvo aqueles que, nele, foram teus partidários na conquista; estes mesmos, com o tempo e a oportunidade, devem ser tornados amolecidos e efeminados, procedendo-se de modo que as armas fiquem somente em poder dos teus próprios soldados, daqueles que, no Estado antigo, estavam junto de ti.
(…) em algumas regiões por conquistadas, mantinham as discórdias entre os partidos para dominá-las mais facilmente (…) o que não acredito pudessem as divisões, alguma vez, acarretar qualquer benefício; ao contrário, quando o inimigo se avizinha, as cidades divididas, necessariamente, perdem-se logo, eis que sempre a parte mais fraca aderirá às forças externas e a outra não poderá resistir.
Tais atitudes revelam fraqueza do príncipe, eis que em um principado poderoso jamais serão permitidas semelhantes divisões, úteis somente em tempo de paz, eis que por elas pode-se mais facilmente manejar os súditos; mas, sobrevindo a guerra, tal sistema demonstra sua falácia.
Sem dúvida alguma, os príncipes tornam-se grandes quando superam as dificuldades e as oposições que lhes são antepostas; porém a sorte, (principalmente quando quer tornar grande um príncipe novo, que tem mais necessidade de adquirir reputação do que um hereditário), faz nascer-lhe inimigos e determina que lhe sejam opostos embaraços, a fim de que ele tenha oportunidade de superá-los e, assim, possa subir mais alto pela escada que os inimigos lhe oferecem.
Por isso, muitos pensam que um príncipe hábil deve, quando tenha ocasião, incentivar com astúcia alguma inimizade para, eliminada esta, continuar a ascensão de sua grandeza.
Os príncipes, particularmente aqueles que são novos, têm encontrado mais lealdade e maior utilidade nos homens que no início de seu governo foram considerados suspeitos, do que nos que inicialmente eram da sua confiança.
Os homens que no início de um principado haviam sido inimigos, sendo de condição que para manterem-se precisam de apoio, o príncipe poderá sempre com grande facilidade vir a conquistá-los; e eles tanto mais são forçados a servi-lo com lealdade, quanto reconheçam ser-lhes necessário cancelar com obras aquela má opinião que, a seu respeito, se fazia.
Assim, o príncipe deles obtém sempre maior utilidade do que daqueles que, servindo-o com excessiva segurança, descuram de seus interesses com a negligência da tranquilidade.
Já que o assunto torna oportuno, não quero deixar de recordar aos príncipes que tomaram um Estado novo pelo favor de alguns dos habitantes do mesmo deverem considerar bem qual a razão que determinou que assim agissem os que o favoreceram; se a mesma não é por afeição natural em relação aos príncipes mas sim, se o apoio decorreu do fato de não estarem satisfeitos com o Estado anterior, só com fadiga e grande dificuldade se poderá conservá-los amigos, dado que é quase impossível possam vir a ser contentados.
E, considerando bem os exemplos que se extraem das coisas antigas e modernas, em razão disso, ver-se-á ser muito mais fácil ao príncipe tornar amigos aqueles homens que se contentavam com o regime antigo e, portanto, eram seus inimigos,do que aqueles que, por descontentes, fizeram-se seus amigos e o favoreceram na conquista.
As fortalezas são úteis ou não, segundo os tempos; se te fazem bem por um lado, prejudicam-te por outro. Pode-se explicar esta afirmativa pela forma a seguir exposta.
O príncipe que tiver mais temor de seu povo do que dos estrangeiros, deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las.
A melhor fortaleza que possa existir é o não ser odiado pelo povo: mesmo que tenham fortificações elas de nada valem se o povo te odeia, eis que a este, quando tome das armas, nunca faltam estrangeiros que o socorram.
Louvarei tanto os que fizerem como os que não fizerem as fortalezas e censurarei aquele que, fiando-se nas fortificações, venha a subestimar o facto de ser odiado pelo povo.
Nada faz estimar tanto um príncipe como concluir com êxito grandes e magnânimas empresas e dar exemplos dignos de ficarem na memória.
Muito apraz a um príncipe dar de si exemplos raros na forma de comportar-se com os súbditos (…) quando surge a oportunidade de alguém ter realizado alguma coisa extraordinária de bem ou de mal na vida civil, encontrar um novo meio de premiá-lo ou puni-lo por forma que seja bastante comentada, Acima de tudo, um príncipe deve empenhar-se em dar de si, com cada ação, conceito de grande homem e de inteligência extraordinária.
Um príncipe é estimado, ainda, quando verdadeiro amigo ou verdadeiro inimigo, isto é, quando sem hesitar se revela em favor de um, contra outro. Esta atitude é sempre mais útil do que ficar neutro, eis que, se dois poderosos vizinhos teus entrarem em luta, ou são de qualidade que vencendo um deles tenhas a temer o vencedor, ou não. Em qualquer um destes dois casos será sempre mais útil o definir-te e fazer guerra digna, porque no primeiro caso se não te definires serás sempre presa do que vencer, com prazer e satisfação do que foi vencido, e não terás razão ou coisa alguma que te defenda nem quem te receba. O vencedor não quer amigos suspeitos ou que não o ajudem nas adversidades; quem perde não te socorrerá por não teres querido correr a sua sorte de armas em punho.
Sempre acontecerá que aquele que não é amigo procurará tua neutralidade e aquele que é amigo pedirá que te definas com as armas. Os príncipes irresolutos, para fugir aos perigos presentes, seguem na maioria das vezes o caminho da neutralidade e, geralmente, caem em ruína. Mas, quando o príncipe se define galhardamente em favor de uma das partes, se aquele a quem aderes vence, mesmo que seja tão poderoso que venhas a ficar á sua discrição, ele tem obrigação para contigo e está ligado a ti pela amizade; e os homens nunca são tão desonestos que, com tamanha prova de ingratidão, possas vir a ser oprimido. Além disso, as vitórias nunca são tão brilhantes que o vencedor não deva ter qualquer consideração, principalmente para com o que é justo.
Mas, se aquele a quem aderes perder, serás amparado por ele e, enquanto puder, ajudar-te-á e ficarás associado a uma fortuna que poderá ressurgir.
Quando aqueles que lutam são de classe que não precisas temer o vencedor, ainda maior prudência é aderir, pois causas a ruína de um com a ajuda do outro, que o deveria ter evitado, se fosse sábio; vencendo, o teu aliado fica à tua mercê, e é impossível que não vença com o teu auxílio.
Note-se aqui que um príncipe deve ter a cautela de jamais fazer aliança com um mais poderoso que ele para atacar os outros, senão quando a necessidade o compelir, porque, vencendo, torna-se seu prisioneiro; e os príncipes devem fugir o quanto possam de ficar à discrição dos outros.
Nem julgue algum Estado poder adotar sempre partidos seguros, devendo antes pensar a ser obrigado a tomar, frequentemente, partidos duvidosos; vê-se na ordem das coisas que nunca se procura fugir a um inconveniente sem incorrer em outro e a prudência consiste em saber conhecer a natureza desses inconvenientes e tomar como bom o menos prejudicial.
Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das virtudes, dando oportunidade aos homens virtuosos e honrando os melhores numa arte. Ao mesmo tempo, deve animar os seus cidadãos a exercer pacificamente as suas atividades no comércio, na agricultura e em qualquer outra ocupação, de forma que o agricultor não tema ornar as suas propriedades por receio de que as mesmas lhe sejam tomadas, enquanto o comerciante não deixe de exercer o seu comércio por medo das taxas;
Deve, além disso, instituir prémios para os que quiserem realizar tais coisas e os que pensarem em por qualquer forma engrandecer a sua cidade ou o seu Estado.
Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si prova de humanidade e magnificência, mantendo sempre firme, não obstante, a majestade de sua dignidade, pois que esta não deve faltar em coisa alguma.
Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros, os quais são bons ou não, segundo a prudência daquele. E a primeira conjectura que se faz da inteligência de um senhor, resulta da observação dos homens que o cercam; quando são capazes e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube reconhecê-los competentes e conservá-los. Mas, quando não são assim, sempre se pode fazer mau juízo do príncipe, porque o primeiro erro por ele cometido reside nessa escolha.
São de três espécies as inteligências, uma que entende as coisas por si própria, a que compreende quando lhe ensinam e a terceira que não entende nem por si própria nem por intermédio dos outros, a primeira excelente, a segunda boa e a terceira inútil
Toda a vez que alguém tem a capacidade de conhecer o bem e o mal que uma pessoa faça ou diga, mesmo que por si próprio não tenha capacidade para solucionar os problemas, discerne as más e as boas obras do seu ministro, recompensa estas e corrige aquelas. E o ministro compreende que não pode enganá-lo, pelo que segue o bom caminho.
Mas, para que um príncipe possa conhecer o ministro, existe um método que não falha: Quando vires o ministro pensar mais em si do que em ti, e que em todas as ações procura o seu interesse próprio, podes concluir que este jamais será um bom ministro e nele nunca poderás confiar; aquele que tem o Estado de outrem em suas mãos não deve pensar nunca em si, mas sim e sempre no príncipe, não lhe recordando nunca coisa que não seja da sua competência. Por outro lado, o príncipe, para conservá-lo bom ministro, deve pensar nele, honrando-o, fazendo-o rico, obrigando-se-lhe, fazendo-o participar das honrarias e cargos, a fim de que veja que não pode ficar sem sua proteção, e que as muitas honras não o façam desejar mais honras, as muitas riquezas não o façam desejar maiores riquezas e os muitos cargos o façam temer as mudanças. Quando, pois, os ministros, e os príncipes com relação àqueles, estão assim preparados, podem confiar um no outro; quando não for assim, o fim será sempre danoso ou para um ou para o outro.
Não quero deixar de tratar de um ponto importante, de um erro do qual os príncipes só com muita dificuldade se defendem, se não são de extrema prudência ou se não fazem boa escolha. Refiro-me aos aduladores, dos quais as cortes estão repletas, dado que os homens se comprazem tanto nas suas coisas próprias e têm ideias tão lisonjeiras a seu respeito, que com dificuldade se defendem desta peste e, querendo defender-se, há o perigo de tornar-se menosprezado.
Não há outro meio de guardar-se da adulação, a não ser fazendo com que os homens entendam que não te ofendem dizendo a verdade; mas, quando todos podem dizer-te a verdade, passam a faltar-te com a reverência.
Portanto, um príncipe prudente deve proceder por uma terceira maneira, escolhendo em seu Estado homens sábios e somente a eles deve dar a liberdade de falar-lhe a verdade daquilo que ele pergunte e nada mais. Deve consultá-los sobre todos os assuntos e ouvir as suas opiniões; depois, de liberar por si, a seu modo, e, com estes conselhos e com cada um deles, portar-se de forma que todos compreendam que quanto mais livremente falarem, tanto mais facilmente serão aceitas suas opiniões.
Fora aqueles, não querer ouvir ninguém, seguir a deliberação adotada e ser resoluto nas suas decisões.
Quem procede por outra forma, ou se deixa perder pelos aduladores, ou muda frequentemente de opinião pela variedade dos pareceres; daí resulta a sua desestima.
Um príncipe, portanto, deve aconselhar-se sempre, mas quando ele queira e não quando os outros desejem; antes, deve tolher a todos o desejo de aconselhar-lhe alguma coisa sem que ele venha a pedir. Mas deve ser grande perguntador e, depois, acerca das coisas perguntadas, paciente ouvinte da verdade; antes, notando que alguém por algum respeito não lhe diga a verdade, deve mostrar aborrecimento.
Há muitos que entendem que certo príncipe tem a fama de ser sábio, seja assim considerado não pela sua natureza, mas pelos bons conselhos que o rodeiam, porém, sem dúvida alguma, estão enganados, pois que esta é uma regra geral que nunca falha: um príncipe que não seja sábio por si mesmo, não pode ser bem aconselhado, a menos que por acaso confiasse em um só que de todo o governasse e fosse homem de extrema prudência.
Este caso poderia bem acontecer, mas duraria pouco, porque aquele que efectivamente governasse, em pouco tempo lhe tomaria o Estado; mas, aconselhando-se com mais de um, um príncipe que não seja sábio, não terá nunca os conselhos uniformes e não saberá por si mesmo harmonizá-los. Cada conselheiro pensará por si e ele não saberá corrigi-los nem inteirar-se do assunto.
E não é possível encontrar conselheiros diferentes, porque os homens sempre serão maus se a necessidade os obriga a ser bons.
Consequentemente se conclui que os bons conselhos, venham de onde vierem, devem nascer da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe resultar dos bons conselhos.
As coisas já referidas, observadas prudentemente, fazem um príncipe novo parecer antigo e logo o tornam mais seguro e mais firme no Estado do que se aí fosse um príncipe antigo. Porque um príncipe novo é muito mais observado nas suas ações do que um hereditário; e, quando estas são reconhecidas como virtuosas, atraem mais fortemente os homens e os ligam a si muito mais que a tradição do sangue. Porque os homens são levados muito mais pelas coisas presentes do que pelas passadas e, quando nas presentes encontram o bem, ficam satisfeitos e nada mais procuram. Antes, assumirão toda a defesa do príncipe, desde que não falte à palavra nas outras coisas. Assim, terá a dupla glória de ter dado início a um principado novo e de tê-lo ornado e fortalecido com boas leis, boas armas e bons exemplos;
Por outro lado, aquele que, tendo nascido príncipe, veio a perder o Estado por sua pouca prudência, terá duplicada a sua vergonha.
(…) pois, não tendo nunca, nos tempos pacíficos, pensado que estes poderiam mudar (o que é defeito comum dos homens na bonança não se preocupar com a tempestade) quando chegaram os tempos adversos preocuparam-se em fugir e não em defender-se, esperando que as populações, cansadas da insolência dos vencedores, os chamassem de volta.
Esse partido é bom quando os outros falham, mas é um erro ter deixado fugir outros meios e remédios confiado nesse. Ninguém se deve deixar cair apenas por acreditar encontrar alguém que o levante; isso não acontece ou, se acontecer, não será para tua segurança, dado que aquela defesa torna-se vil se não depender de ti.
As defesas somente são boas, certas e duradouras quando dependem de ti próprio e da tua virtude.
Julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou quase.
Comparo-a a um desses rios torrenciais que, quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte. E, se bem que assim ocorra, isso não impedia que os homens, quando a época era de calma, tomassem providências com anteparos e diques, de modo que, crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso.
Da mesma forma acontece com a sorte, a qual demonstra o seu poderio onde não existe virtude preparada para resistir e, aí, volta seu ímpeto em direção ao ponto onde “sabe” que não foram construídos diques e anteparos para contê-la.
Penso que isto seja suficiente quanto ao que tinha a dizer acerca da oposição que se pode antepor à sorte em geral.
Mas, restringindo-me mais ao particular, digo por que se vê um príncipe hoje em franco e feliz progresso e amanhã em ruína, sem que tenha mudado sua natureza ou as suas qualidades; isso resulta, segundo creio, que o príncipe que se apoia totalmente na sorte arruína-se segundo as variações desta. Creio, ainda, seja feliz aquele que acomode o seu modo de proceder com a natureza dos tempos, da mesma forma que penso seja infeliz aquele que, com o seu proceder, entre em choque com o momento que atravessa.
Isso decorre de ver-se que os homens, naquilo que os conduz ao fim que cada um tem por objetivo, isto é, glórias e riquezas, procedem por formas diversas: um com cautela, o outro com ímpeto, um com violência, o outro com astúcia, um com paciência e o outro por forma contrária; e cada um, por esses diversos meios, pode alcançar o objetivo.
Vê-se, ainda, de dois indivíduos cautos, um alcançar o seu objetivo, o outro não, e da mesma maneira, dois deles alcançarem igualmente fim feliz com duas tendências diversas, sendo, por exemplo, um cauteloso e o outro impetuoso; isso resulta apenas da sorte do momento que se coaduna ou não ao proceder dos mesmos. Daí decorre aquilo que eu disse, isto é, que dois indivíduos agindo por formas diversas podem alcançar o mesmo efeito, ao passo que de dois que operem igualmente, um alcança o seu fim e o outro não.
Da mesma causa depende o carácter mutável do êxito, porque, se alguém se orienta com prudência e paciência e os tempos e as situações se apresentam de modo a que a sua orientação seja boa, ele alcança a felicidade; mas, se os tempos e as circunstâncias se modificam, ele se arruína, visto não ter mudado seu modo de proceder.
Nem é possível encontrar homem tão prudente que saiba acomodar-se a isso, seja porque não pode se desviar daquilo a que a natureza o inclina, seja ainda porque, tendo alguém prosperado seguindo sempre por um caminho, não se consegue persuadi-lo de abandoná-lo. Por isso, o homem cauteloso, quando é tempo de passar para o ímpeto, não sabe fazê-lo e, em consequência, cai em ruína, dado que se mudasse de natureza de acordo com o vento e os negócios, a sua fortuna não se modificaria.
Concluo, pois, que variando a sorte e permanecendo os homens obstinados nos seus modos de agir, serão felizes enquanto aquela e estes sejam concordes e infelizes quando surgir a discordância. Considero que seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-la, bater-lhe e contrariá-la; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles que procedem friamente. A sorte, porém, como mulher, sempre é amiga dos jovens, porque são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam.
Titio Lívio escreveu:
Iustum enim est bellum quibus necessarium, et pia arma ubi nulla nisi in armis spes est. ( É justa a guerra feita por aqueles a quem é necessária, e as armas são santas desde que não haja outra esperança anão ser nelas.
Deus não quer fazer tudo, para não nos tolher o livre arbítrio e parte daquela glória que compete a nós.
Não há coisa que cause tanta honra ao homem que de novo medra, como as novas leis e os novos regulamentos por ele elaborados. Tais coisas, quando são bem fundados e em si encerrem grandeza, tornam-no digno de reverência e admiração.
A todos repugna este bárbaro domínio. Tome, portanto, a vossa ilustre casa esta incumbência com aquele ânimo e com aquela esperança com que se abraçam as causas justas, a fim de que, sob sua insígnia, esta pátria seja nobilitada e sob seus auspícios se verifique aquele dito de Petrarca: Virtude contra Furor Tomará Armas; e Faça o Combater Curto Que o Antigo Valor Nos Itálicos Corações Ainda não é Morto
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Já na sétima, quando eu ler
Já na sétima, quando eu ler "A Arte da Guerra" pela décima vez eu mastigarei beeeeem devagar "O Príncipe": há muito tempo ele me encara da sua estante...
Pssadas as primeiras páginas,
Pssadas as primeiras páginas, é muito simpes de ler. É pena que as traduções brasileiras no geral sejam fracas.
Isto agora não tem chat?
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Abraço!
O Príncipe que é a perambular lá em casa é de uma "coletânea" de volumes que até agora não têm me desapontado: ao menos A Divina Comédia, a Arte da Guerra (quando li a primeira vez, as outras seis foi noutro) e um terceiro que acabei de esquecer o nome (riso) me parecerem muito bons. Até porque para traduzir Dante daquele italiano dele e inda assim manter o nível das rimas e inversões ao ponnto de QUASE conseguir me dá um nó juízo com aquelas rimas encadeadas... Deve servir para alguma coisa as traduções, não? ;)
E de fato: onde está o chat? MUITO TEMPO que ele saiu e nada de volta. Da outra vez havia sido "manutenção". Passar mensagem para o Ex...