Era o que me faltava! - 5
.

5
O Henrique era possuidor de bom génio, mimava-me generosamente e agradava-me. Confessei-lhe que já casara duas vezes, uma delas ainda valia, a outra fora em falsa papelada. Se ele queria correr o risco, eu não me importaria. Que respeitasse contudo a palavra dada, senão amaldiçoá-lo-ia, ou faria ainda pior.
Verifiquei depois, que de construtor civil tinha muito pouco. Mas divertíamo-nos imenso e frequentemente, e como ele negociava com gente rica e da alta sociedade eu adorava fazer o papel de esposa sofisticada ou de amante invejável, apetecida mulher, consoante ele achava oportuno. Adoptei então os meus nomes do meio. De Dora Magalhães tornei-me, legitimamente, Sofia de Andrade. Abandonei a imobiliária e vivi dois anos em perfeito lazer.
Também constatei que o Henrique era um jogador inveterado. A cada passo perdia ou ganhava quantias impressionantes, com idêntica descontracção. Quando me levava com ele aos locais de jogo não raro era eu ter de estar atenta para habilmente arrefecer a sua viciosa febre do jogo, e nos avultados desaires servir-lhe de intermediária para assinar um cheque de uma conta num Banco estrangeiro, sobre a qual eu não tinha controlo e que lhe jurara nunca investigar.
Vivi despreocupada e feliz até à noite em que ele me pediu para o acompanhar a uma certa sessão de jogo, prometendo-me uma bela e excitante surpresa se eu cooperasse confiadamente e sem lhe pregar com comentários moralistas.
Não precisaria de mais do que comportar-me com naturalidade e também de permitir que o meu encanto pessoal se mostrasse fascinante, logo eu veria porquê. Assenti, sem perplexidade, familiarizada como estava com as pândegas do Henrique. Mas não devia. Porque o que se passou, apesar de memoravelmente divertido também espertou a minha intuição que me avisou que ia perdê-lo e eu mais quereria era que ele tivesse desaparecido bruscamente da minha vida, sem por dois dias ainda sofrer uma silenciosa e opressora dúvida que insidiosamente tomou conta do meu espírito até ao pressentido desenlace. Aqui está que não sou calculista ou interesseira. A transferência de propriedade do apartamento ficou por concretizar, mas eu sei que mesmo com oportunidade para isso eu não a reclamaria nunca. Um tempo de feliz exuberância deve é ter um termo fulminante, e não esvair-se em ansiedade. Isto é que me doeu...
Numa mesa de Poker esteve o Henrique a perder quase consecutivamente, e por vezes desastradamente, durante mais de uma hora. A partir de certa altura fiquei envolvida na enervante insistência com que ele desafiava um azar persistente, subindo as apostas e acumulando um alto boléu. Por detrás dele, sitio que me pedia sempre para eu evitar e onde naquela noite me convidou a quedar-me, eu já procurava dominar a minha impaciência por tirá-lo dali, quando a grandeza das paradas o deixou frente a um único adversário, exactamente aquele que por favor da sorte, e habilidade de jogo, lhe arrecadara a grande fatia de perdas. Com um suspiro de resignação rubriquei o último dos cheques que trouxera. E com um suspiro de teimosia o Henrique voltou-se ligeiramente para mim, olhou-me amorosamente por breves momentos, sorriu-se, pegou-me na mão, e encarando o outro sujeito, que se abanava ufanamente com o valioso cheque, ousou:
— Linda mulher, não é? Não posso acreditar que a má sorte ma tire... Ao menos por esta vez vou ganhar! Vale?
— O quê!... — retrucou o sujeito, incrédulo com a audácia.
E eu estremeci de emoção e repeti também, espantada: — O quê, Henrique! — acrescentando, sinceramente receosa — Estás a brincar! Vamo-nos embora, por favor...
— Palavra é palavra e você conhece-me...
— Homem!... — murmurou o outro, tremente, apreciando-me interrogativamente de relance: — Se precisa de crédito...
Perturbada com o atrevimento de Henrique não gostei contudo do prudente menosprezo que estava implicitamente contido na frase do sujeito. Sempre concentrado no jogo parecia ser a primeira vez que notava a minha presença, e isso, se bem que próprio de bom jogador, assemelhava-se-me ser pura dissimulação. Sem nadinha mais sobre a pele, o meu vestido de noite cor de cereja, quase transparente, de arrojado decote até à cinta, revelava as minhas formas elegantes e muito da suavidade da minha cútis morena. A maquilhagem, de especialista, era perfeita, ressaltando-me os olhos e a boca, e o cabelo curto e em tom fulvo dava-me um toque de poderoso glamour. Desde que chegáramos que eu sentira com prazer, constantemente, uma sensação de carícia de muitos olhares masculinos e em algumas ocasiões experimentara também, indiferente, o despeito em olhares femininos.
Qualquer coincidência
com factos e pessoas da vida real
é precisamente coincidência.
Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
.
Submited by
Prosas :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 1684 reads
other contents of Nuno Lago
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Poetrix | Por vezes nossas estradas se cruzam… | 0 | 1.341 | 02/01/2013 - 15:37 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Eu não… | 0 | 1.160 | 02/01/2013 - 15:32 | Portuguese | |
Poesia/Fantasía | Coisas que não esqueço! | 0 | 1.208 | 01/31/2013 - 13:18 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | O fruto e a flor | 0 | 1.646 | 01/31/2013 - 13:13 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Os teus azuis | 0 | 1.206 | 01/31/2013 - 13:03 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Não sei onde estou! | 1 | 917 | 01/30/2013 - 20:29 | Portuguese | |
Poesia/Pensamientos | O amor é assim... | 0 | 950 | 01/30/2013 - 13:20 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | ADEUS! . . . . . . . . Duplix | 0 | 1.824 | 01/30/2013 - 13:10 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Não sabes? | 0 | 1.260 | 01/29/2013 - 13:06 | Portuguese | |
Poesia/Fantasía | Canta bem de mais… | 0 | 941 | 01/29/2013 - 12:59 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Assim sem nada… | 0 | 3.260 | 01/29/2013 - 12:52 | Portuguese | |
Poesia/Erótico | Frágil véu | 2 | 1.683 | 01/28/2013 - 16:24 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Encanto | 0 | 1.222 | 01/28/2013 - 16:12 | Portuguese | |
Poesia/Erótico | Que julgas ver no espelho? | 0 | 1.069 | 01/28/2013 - 16:00 | Portuguese | |
Poesia/Amor | Teu Perfil | 0 | 1.455 | 01/28/2013 - 15:56 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | AQUI… | 1 | 1.348 | 01/27/2013 - 23:08 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Ainda dói | 0 | 2.755 | 01/27/2013 - 16:29 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Contrastes | 0 | 1.193 | 01/26/2013 - 13:07 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Impudica? | 0 | 1.392 | 01/26/2013 - 12:59 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Não sei, não… | 0 | 2.809 | 01/26/2013 - 12:55 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | No meu mundo… | 1 | 870 | 01/26/2013 - 04:02 | Portuguese | |
Poesia/Erótico | … Um poema! | 0 | 1.155 | 01/25/2013 - 16:02 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | SEDUÇÃO | 0 | 1.096 | 01/25/2013 - 15:53 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | A beleza … | 0 | 1.268 | 01/24/2013 - 13:15 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Ter-te… | 0 | 1.616 | 01/24/2013 - 13:04 | Portuguese |
Add comment