OS GÉMEOS - 18
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(continuação)
— Por esta mulher tenho um amor doce, quase que diria desinteressado, mas isso não explica nada... Tenho adoração por ela... Tanta adoração que não sei o que me vai acontecer se ela ficar cega. Se houvesse alguém identificável, que eu pudesse considerar culpado, garanto-te que fazia justiça com as minhas próprias mãos.
— Estas coisas acontecem.
— Não podia ter acontecido com ela, Willy! Não por ser minha mulher, não por eu a amar... mas por ela mesma, por ser linda, por ter um olhos inesquecíveis, por ter um coração profundamente bom... Por gostar de mim serenamente, também.
— Madeleine vai superar este momento de desgraça, vais ver. Não te atormentes. Temos de dar algum crédito ao saber do Dr. Brent. Se ele aponta cinquenta por cento de probabilidades de recuperação... Haja esperança!
— Tens razão... Haja esperança. A minha desolação nada pode remediar. E ainda há a hipótese de transplante... Terás de suportar a dor, se eu lhe oferecer um dos meus olhos...
— Está calado, não digas tolices! Olha lá, que tem sido feito de ti? Ao tempo que espero notícias! Entretanto o Projecto Arroz Gigante teve de avançar. Sei lá se estás de acordo com aquilo... Não é altura agora, mas precisaremos de discutir isso.
— A Louise trata daquilo. Depois conversaremos. Também não chegaste a conhecer a Céline, pois não? A Céline foi uma paixão! Enquanto Madeleine é o amor...
— Não conheci, não. Lembro-me da Marte...
— Oh! Isso era uma relação de substância animal. Bela mulher que era, en!
— Era... Nessa matéria tens gostos, e arte, que podem despertar inveja a qualquer homem.
— Já a Louise...
— Também a Louise! Não! Decerto não estamos a falar da mesma pessoa.
— É ela, é. Hei-de contar-te. É uma história a que vais achar graça... espero.
— Começa então pelo princípio. Céline...
— ... de improviso, cruzou-se no meu caminho, e virou de pernas para o ar a minha faceta de revolucionário. O caso INTER... Ela baralhou-se-me no meio daquilo, deixando-me apaixonado; mais tarde, acho que por determinação do destino, juntamo-nos, eu abandonei a actividade política, fui instalar-me na Riviera, que é a minha residência agora, dediquei-me lá a negócios claros, e muito lucrativos, mas ela não acreditava nisso e não aguentou a pressão... Tive jeito para ir enriquecendo e ela cada vez mais temia tudo, sem fundamento, tornou-se neurótica e impossível, como a nossa paixão era abrasadora fanou-se ao cabo de uns meses de mútua instabilidade emocional, e ela fugiu para os braços do marido, de quem não chegou a separar-se, talvez por premonição. Em traços largos, é tudo o que posso contar-te. No fundo, Céline era ainda para mim o resto simbólico do idealismo que encantou a minha juventude, e que tu, com o teu brilhante espírito científico, não é ironia não, dissecaste com ar sobranceiro: “— Ainda me hás-de dar razão. Hipoteca a tua liberdade e vais ver...”. Enfim, passado... Foi brutal este acidente de Madeleine! Estás a sentir a minha aflição? O Dr. Brent tem de ser capaz de a salvar...
— E vai ser capaz. Confia!
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O seu trabalho estava parado há tempo de mais. Agora já não era preciso ali. A microcirurgia a que fora submetida resgatara os cristalinos de Madeleine, o que queria dizer, restabelecera-lhe a visão... e a vida. E assim permitira também que ele pudesse ser bafejado pelo olhar azul e tranquilo dela. As cicatrizes da operação plástica em breve não seriam notadas, garantia o Dr. Brent. Era pois uma questão de paciência e de cuidada reabilitação psíquica para ela resolver o trauma de ter estado à beira do precipício, a cegueira a embotar-lhe a resistência, o caos anímico a ameaçar-lhe a vontade de sobreviver. Esse trabalho, Jimmy faria bem. Devia portanto retirar-se agora. Por todos os motivos. Até o de sempre recear feri-la com olhares fugidios, que não eram de compaixão ante a deprimente fealdade que ela por enquanto tinha de exibir, mas porque entre eles houvera um momento de promessa e instantes tão íntimos de estranha aproximação emocional — apenas frutos da circunstância? — que era forçoso serem votados ao esquecimento.
— Como te está a correr a vida?
— Não vai mal. Caí na realidade. Creio ter amadurecido quanto baste para optar por ser um pacato investidor financeiro. A vida não dura nada. Não podemos dar-nos ao desperdício de sofrer patetamente por razões de idealismo, não beneficiando de tanto esforço com que o homem tem lutado para dispor de segurança e comodidade que amenizem a sua fugaz existência.
— Admirável! Continuas o mesmo, mas agora estás do outro lado da retórica!
— O quê?! Tu, que sempre estiveste desse lado, agora criticas-me?
— Não, nem critico nem aplaudo. O que quero dizer é que não me parece que te tenhas modificado muito... Terá sido o tal caso de “estares no lugar certo no momento certo”?
— Talvez. Tu, também não mudaste nada. Excepto o corte do cabelo e o aparecimento do jeito para grande empresário! Estive ontem ao telefone com Louise, e inteirei-me da tentacular expansão da ECLG! Quanto à RICE pouco me soube informar, mas no conjunto acho que o Projecto Arroz Gigante está a produzir resultados de topo. Estás um gestor exemplar!
— É a altura de tu intervires... a exploração cerealífera e o grupo de empreendimentos adjacentes escapou-me das mãos. Em boa verdade, tirando a ideia original, o mérito de tudo o mais é de Louise. Acho que deves ir lá ajudar aquela ingente mulher, e pegares também na RICE. Eu atingi o limite da minha capacidade de trabalho. Preciso de quem prossiga, ainda que sob minha orientação, sobretudo no campo experimental, as inúmeras investigações que tenho em curso. Encontrei aspectos científicos sobre os quais quero debruçar-me em particular, e tal implica muito estudo e dedicação exclusiva, o que significa disponibilidade pessoal, exactamente o que me escasseia.
— Ir lá, não, não vou. Não quero profanar o teu santuário científico.. Mas concordo que é necessário apoiar-vos. Com a cerealífera não te preocupes, faz de conta que apenas sabes que existe e que por acaso a directora é tua amiga íntima... Aliás, se não é íntima é porque tu quererás assim, e portanto está certo... Para a RICE, contrata uma investigadora competente. Estás às voltas com alguma ideia inovadora na área da Biologia Celular? Há dias li um artigo numa revista, que me deixou a cismar... Então há plantas que têm a capacidade de mudar de sexo?! Isso não te diz nada?
— Diz imensas coisas. Há espécies, e não são apenas de algumas plantas, que têm de facto a capacidade de mudar de sexo, e até em ambos os sentidos. E por acaso é mesmo esse um dos assuntos que eu desejo agora aprofundar.
Escrito de acordo com a Antiga Ortografia
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