Schopenhauer e o Idealismo Alemão - Parte XI - A Arte

A princípio, pode parecer uma pergunta tola, mas, afinal, para que serve a Arte?
Muitos, certamente, responderão que serve para “elevar o espírito”. É uma resposta clássica e quase sempre oriunda da pura intuição, pois, a Arte efetiva, que não deve ser confundida com seus indigentes arremedos*, quase nunca está presente na vida do homem comum, fato indicativo de que a resposta não foi dada após alguma reflexão. Outros, com alguma cultura a mais, responderão que a sua serventia está em manter em nossa mente a lembrança do “Mundo das Ideias”, revelado por Platão, de onde viemos.
Mas, não obstante a origem que lhe seja atribuída, a Arte é um componente das sociedades humanas e pode-se afirmar que nela está aquilo que, realmente, pode nos qualificar como uma espécie superior, embora, como dissemos, a sua apreciação e difusão esteja restrita a poucos.
Para Schopenhauer a função da Arte é nos libertar da escravidão dos Desejos; do jugo inexorável da Vontade; do querer egoísta de bens materiais e do horror tenebroso do Tédio que advém da satisfação da tirana vontade.
Para ele, a contemplação da Verdade (da essência) que está incrustada em todo objeto artístico é a única coisa que nos liberta do Querer, pois só quando estamos admirando um quadro, uma escultura ou quando ouvimos uma sinfonia, um poema, um romance etc. é que nos cessa o Desejo e o Tédio.Apenas quando desfrutamos desses êxtases é que conseguimos voar para outras dimensões que sequer imaginávamos existir.
Podemos observar que o objetivo da Ciência é o especifico, o individual em suas múltiplas formas, enquanto que a Arte visa o universal que está oculto naquele individual. Observa-se, por exemplo, que um poema busca contar e cantar um sentimento que seja sentido de forma semelhante por todos, ainda que resguardadas as individualidades. Winckelmann disse a respeito: “Até mesmo o retrato deveria ser o Ideal do individuo”; ou seja, deveria retratar a Ideia, a essência do fotografado.
E vários outros Pensadores compartilharam dessa tese, pois, em uma gravura de animais, por exemplo, considera-se o mais bonito, justamente aquele que for o mais característico, porque é ele que representa toda a sua espécie. A obra de arte, na verdade, obtém mais sucesso quanto maior for a sua proximidade com a Universalidade ou Generalidade do elemento que expõe. Os grandes mestres ao retratarem um sujeito não visam reproduzi-lo fotograficamente, mas buscam mostrar, ao máximo possível, as características nele existentes, que sejam as mesmas do restante. O célebre sorriso da Monalisa de Leonardo da Vinci demonstra sobejamente essa constatação.
Por isso, para muitos, a Arte é superior à Ciência na medida em que esta progride através do acúmulo de informações intelectuais, enquanto que a Arte atinge a sua finalidade de modo direto e imediato por intermédio da Intuição, ou das Reminiscências que Platão afirmou.
Se para a Ciência basta o esforço e algum talento, para a Arte é imperioso que exista a genialidade, a qual, aliás, não fica restrita ao artista executor, sendo, também, um requisito indispensável para quem degusta o objeto artístico. O encontro entre o gênio que produz e o indivíduo genial que aprecia a obra artística é o que proporciona a beleza da mesma, seja ela avistada dentro de um palácio ou de um casebre. O prazer sentido provém dessa contemplação sem a influência da Vontade, do Desejo.
Para o artista que pinta a “Enseada de Botafogo” e para quem é capaz de apreciar a sua pintura, os acidentes geográficos ali desenhados são mais que simples acidentes materiais; são, na realidade, evocativos de uma beleza que dispensa posses para ser desfrutada.
E dentro desse contexto, até os acontecimentos trágicos ganham outra dimensão, como se observa, por exemplo, em “Guernica” do genial Pablo Picasso. Ante o horror da cidade bombardeada durante a Guerra Civil Espanhola, ergue-se a trágica beleza pintada pelo Mestre, como uma reafirmação de que nem toda a humanidade é composta por aquelas feras que se esfacelam. Levanta-se como um grito de que sempre haverá uma esperança.
De alguma maneira, a Arte suaviza a fealdade da vida e da servidão a que o homem é submetido, ao mostrar o que existe de Universal por trás da bestialidade individual. A propósito, disse Espinosa:
“Na medida em que a mente vê as coisas em seu aspecto eterno, participa da eternidade”.
Assim sendo, não é difícil aceitar a explicação de que por isso a Arte, em seu sentido efetivo, seja um privilegio para poucos, já que a Natureza produz apenas os poucos gênios que são necessários para o desenvolvimento da humanidade, que, ao cabo, é ela mesma. Para a Vontade, a essência do mundo e da vida, é necessária apenas a maioria da população, pois é nessa massa, sequiosa em se reproduzir, que está a sua garantia de vitória contra a morte.
E, segundo Schopenhauer, esse poder que a Arte possui está mais explícito na Música, já que ela não é como as outras expressões artísticas, que se constituem em cópias da Ideia (platônica). A Música, ao contrário, é cópia da própria Vontade, mostrando-a em seu eterno movimento, em sua luta perpétua, vagando sem nunca sossegar.
E ela também difere das demais porque não se refere às sombras, aos reflexos (também no sentido platônico), já que fala de si mesma; afetando diretamente os nossos sentimentos; e não através de ideias que precisamos construir a partir de um estímulo, como acontece, por exemplo, quando contemplamos um quadro, uma escultura, um texto etc. Sua mensagem ultrapassa o intelecto.
Na sequência veremos a proximidade que Schopenhauer encontrou entre o êxtase propiciado pela contemplação de obras de Arte e o êxtase religioso.
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.
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