Ópera, guia para iniciantes - Parte III - Apêndice "O estilo Kunqu"
A Ópera Kunqu foi um dos vários estilos que se abrigaram na denominação “Ópera de Variedades” e a sua grande aceitação pelo povo embasou a moderna Ópera Nacional.
Segundo registros confiáveis, foi criada no século XIV por Gu Jian, habitante das montanhas de Kun, na atual Qian Deng, que desde a primeira infância havia sido educado pela tia, na arte do Canto.
Gu Jian (ou Feng Yue Sanren seu nome artístico) escreveu uma obra com oito atos que é considerada a primeira do gênero.
Para compor a sua obra, ele utilizou o padrão vocal do sul e o estilo Chuanqi (com vários atores, muitos músicos e fartos recursos cenográficos), que contava longas histórias, as quais, às vezes, demandavam vários dias de apresentação, com muitas histórias, melodias, declamações, encenações etc.
Um estilo dispendioso e que contrastava com o modelo que fora criado no norte do país, durante as Dinastias Song (960-1279) e Yuan (1279-1368), cujas características principais eram o feitio em apenas quatro atos e com um único cantor, que apresentava de modo conciso e sóbrio apenas uma história. E devido a esse custo elevado, não demorou a que o estilo Chuanqi fosse desmembrado, sendo pinçadas partes estanques de um enredo para apresentações mais leves e despojadas.
Graças a essa simplificação, o povo mais humilde pôde aproximar-se dessa forma de Arte e isso a tornou uma forma de lazer e de aprendizado muito identificada com os valores tradicionais da Sociedade chinesa.
Mas a popularização da Ópera não a deixou menos atraente para a Elite, que passou a admirar-lhe cada vez mais. Dessa sorte, já em meados do século XIV, no tempo da Dinastia Ming, os extratos mais influentes da Sociedade passaram a estudar-lhe e a introduzir-lhe modificações com o objetivo de refinar a sonoridade, a representação, a cenografia e a própria literatura que a embasava. De certo modo, foi uma volta ao estilo Chuanqi, embora com mais parcimônia.
Dentre os nobres que se envolveram no processo de refinamento, destacaram-se Wei Lianfu (1489-1566) e Liang Chenyu (c.1521-1594) que contribuíram enormemente para que a Ópera atingisse elevados patamares artísticos. Todavia, foi apenas durante o reinado do Imperador Jiajing (1522-1566) que a “Ópera Kunqu” atingiu o seu mais alto grau, graças à reforma no padrão tonal “kun”.
Então, com a sua qualidade já reconhecida, a Ópera Kunqu espalhou-se rapidamente e fomentou a criação de novos grupos operísticos, bem como o surgimento de novas histórias, enredos etc. E essa expansão levou-a a Corte Imperial em Pequim, por ocasião das celebrações do aniversário do Imperador Qianlong (1735-1795). Para a efeméride vários grupos de todo o país haviam sido convocados e essa reunião de artistas propiciou o câmbio de influências, do qual resultou a incorporação de elementos das óperas Anhui e Hubei ao estilo Kunqu, originando-se a chamada “Ópera de Pequim”.
A partir de então e até o reinado do Imperador Jiaqing (1796-1820), na contemporaneidade, o estilo Kunqu tornou-se hegemônico, sendo-lhe introduzidos novos e melhores poemas, músicas, danças, encenações, figurinos etc.
Um aprimoramento constante que além de lhe solidificar como expressão nacional, também fez com que se tornasse a matriz de outras formas de óperas, como, por exemplo, a* que surgiu no século XVIII e que se voltava mais para o homem mais humilde e menos dotado intelectual e culturalmente.
Atualmente, o prestígio da chamada “Mãe da Ópera Chinesa” pode ser conferido pelo seu vasto repertório com mais de quatrocentas peças e pelo grande público que assiste às suas apresentações, as quais, geralmente, são compostas por três personagens e por um cenário simples, se comparado com o esplendor de seus iguais no Ocidente.
Foi, como se viu, uma longa marcha a que percorreu o estilo Kunqu, cabendo aos seus protagonistas e seguidores o mérito de terem dado ao homem essa magnífica expressão artística. Um retrato maravilhoso da grandeza da alma humana.
Brasília, 16 de janeiro de 2015.
Nota do Autor* - essa Ópera passou por um longo período de declínio e só ressurgiu em 1921, no século passado, graças à abertura de uma escola para o ensino de Kunju, na localidade de Suzhou, que iniciou o vitorio processo de restauração da mesma. Posteriormente, por volta de 1956, alguns de seus mestres formaram o “Grupo Kunju” de Zhejiang que obteve enorme sucesso com a apresentação de peças como “Quinze cordas de dinheiro”, que se reaproximavam do antigo classicismo Kunqu.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Verão de 2015.
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