ORLANDO FURIOSO, Vivaldi - Óperas, guia para iniciantes
Autoria – Vivaldi (Antonio – 1678-1741 – Itália).
Libreto – Grazio Braccioli
Personagens
Orlando (Roland, em francês) – cavaleiro cristão, sobrinho de Carlos Magno. Interpretado por uma Mezzo Soprano (papel/travesti).
Alcina – feiticeira e usurpadora da ilha de sua irmã Logistilla que é o símbolo da Verdade e da Razão. Magicamente, Alcina transfigura-se em jovem e bela e, assim, seduz os cavaleiros que chegam ao seu reino. Possuidora das cinzas do célebre Mago Merlin, detém, por isso, um imenso poder. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Angélica – filha de Galarone, rei de Cataio (antigo nome da China), é apaixonada por Medoro, embora seja noiva de Orlando que a raptou de sua casa. Interpretada por uma Soprano.
Medoro – jovem herói sarraceno, de humilde origem. É amado por Angélica e lhe corresponde o sentimento. Interpretado por um Tenor ou por um Contralto (castrato).
Astolfo – primo de Orlando e como ele, um Cavaleiro Cristão. Interpretado por um Baixo.
Ruggiero – Cavaleiro Cristão e considerado o fundador da famosa “Casa D´Este”, reinante na proto Itália, que na vida real foi homenageada por Leonardo Da Vinci que pintou o célebre retrato de Beatriz D´Este. Interpretado por um Barítono.
Bradamante – a grande heroína cristã, sobrinha de Carlos Magno e irmã do Cavaleiro Rinaldo. É apaixonada por Ruggiero e, segundo a tradição, foi o casamento de ambos o ponto inicial da citada “Casa D´Este”. Interpretada por um Contralto (castrato).
Época e Local
Nalgum ponto da Europa, durante a invasão moura ao continente.
Prefácio
Lodovico Ariosto (1474-1533 – Itália) o autor do poema que serve de base para a Ópera de Vivaldi inicia o seu épico com os seguintes versos: “Eu canto sobre as damas, os cavaleiros, as armas, os amores e os feitos audazes que tiveram lugar quando os mouros cruzaram os mares vindos da África e tanto mal fizeram à França. Ao mesmo tempo, falarei de Orlando, de algo jamais mencionado em prosa ou verso; de Orlando, que em sua fúria enlouqueceu de amor, um homem antes considerado sábio e sensato...”.
E, realmente, o delírio por amor que acomete o herói Orlando foi a faceta mais explorada por Vivaldi, que através desse artifício sublinhou o aspecto sentimental, tornando o grande herói cristão mais próximo do homem comum, sempre sujeito às artimanhas do Cupido. E ao lhe dar essa face mais humanizada, tornou-o mais amado pelo público, bem ao estilo do que se espera dos protagonistas de uma Ópera.
Outro ponto a ser observado é a manutenção do clima fabuloso, mítico, fantástico, onde os poderes metafísicos convivem pari passu com as idiossincrasias dos herois e dos vilões da época: cristãos versus pagãos.
É, em suma, um espetáculo que resgata a grandeza tipicamente humana e, simultaneamente, o mundo misterioso de bruxos, feiticeiras, sortilégios etc. e que, principalmente, coloca-se à altura o enorme talento de Vivaldi.
Enredo
Em cena apenas Orlando, que, entoando uma vigorosa ária, fala de sua paixão pelas glórias bélicas e de sua esperança de vencer as adversidades e encontrar a plena felicidade junto com Angélica, o seu grande amor.
Porém, logo a seguir, na segunda cena, num cenário que reproduz um jardim a beira-mar, Angélica entoa um triste lamento por ter sido separada de seu verdadeiro amor: o jovem mouro, Medoro.
É um cantar nostálgico, triste, comovente e que só é interrompido pelos esplêndidos efeitos teatrais que simulam ondas violentas e a chegada dos restos de um navio naufragado.
Atônita, Angélica assiste à chegada dos destroços e de alguns náufragos, dentre os quais reconhece o seu amado. Mas o que seria motivo de júbilo e contentamento, de chofre se transforma em pavor, quando ela percebe que ele está entre a vida e a morte. Enlouquecida, ela abandona qualquer cautela e implora desesperadamente por socorro.
Presto, acode-lhe Alcina, sua amiga e poderosa feiticeira, que graças aos seus poderes sobrenaturais reanima o combalido Medoro, que, então, relata as aventuras e desventuras que viveu até aquele momento.
Nesse ínterim, Orlando surge em cena e ao presenciar os cuidados que Angélica dispensa ao mouro, sente o ciúme dominar-lhe por inteiro e investe ferozmente contra o jovem com o claro objetivo de matá-lo.
Alcina, porém, pressentindo o perigo interpõe-se entre ambos e hábil e ardilosamente convence Orlando de que Medoro é irmão de Angélica.
Constrangido, o agressor pede desculpas a Angélica que, tão ardilosa e falsa quanto a Alcina, aceita-as, após fingir certa relutância, e lhe jura eterno amor. É a vez, então, de Medoro sentir-se enciumado, mas sem que o demonstre.
Na sequência, a cena passa a ser ocupada apenas pela feiticeira que assiste deslumbrada à chegada de um “cavalo voador”. E mais deslumbrada fica com o cavaleiro que o cavalga: o guapo Ruggiero.
Sem disfarçar o seu interesse, Alcina enfeitiça-o com a água das duas fontes do Jardim, que ele bebe sofregamente. Logo em seguida, acolhe-o nos braços, mas esse terno enlace é quebrado com a chegada de Bradamante, que se irrita ao ver o seu amado nos braços de outra mulher.
Ruggiero, por sua vez, foi de tal modo afetado pelo encantamento que sequer reconhece Bradamante e ela, para não agravar a situação, assume uma falsa identidade.
E assim termina o primeiro ato.
§§§
O segundo ato tem início com Bradamante quebrando o encantamento de Ruggiero, graças ao seu “Anel Mágico”. Contudo, ao invés do que se poderia esperar, o fato de ele ter agido mal apenas por estar sob a influência do feitiço de Alcina, não diminui a fúria de Bradamante, que o deixa dizendo palavras causticas e irônicas.
Sem compreender o motivo de ter sido o alvo daquela fúria, Ruggiero permite que o abatimento da alma transpareça em seu semblante e, por isso, o recém-chegado Orlando condoi-se de sua dor e tenta consolá-lo dizendo que “a bonança sempre sucede à tempestade”.
Na sequência, assiste-se à chegada de Astolfo e ao seu deslumbramento por Alcina, transfigurada em um jovem formosíssima, que ridiculariza a sua tentativa de seduzi-la.
Enquanto isso, na quarta cena, Bradamante e Ruggiero voltam a se encontrar e se reconciliam, entoando um belíssimo Dueto que exalta a felicidade que os domina.
Na cena seguinte, a quinta, Angélica expõe a Medoro o plano que engendrou para livrar-se de Orlando. Ele admira a sua sagacidade, mas reluta em atender ao seu pedido para agir sozinha, pois crê ser perigoso que ela enfrente tamanho desafio sem o seu auxílio. Todavia, Angélica insiste nesse ponto e termina por convencê-lo, após uma mutua e renovada jura de eterno amor.
Logo em seguida surge Orlando e ela começa a concretizar o macabro estratagema convencendo-o a escalar uma íngreme e perigosa montanha - dominada pela feiticeira Alcina – sob o falso pretexto de que há no cimo da mesma, guardada por um terrível dragão, a “Fonte da Juventude” que dará vida eterna a todos que dela beberem.
Ansioso para demonstrar a sua coragem e o amor que lhe devota, Orlando se dispõe a escalar o precipício e trazer-lhe a água milagrosa para que juntos possam viver eternamente jovens e felizes.
Ingênuo, sequer imagina que a sua amada possa estar traindo-lhe e com a máxima audácia inicia a escalada enquanto brada contínuos desafios ao dragão que acredita existir.
Todavia, ao chegar ao centro de uma caverna, uma enorme pedra cai e lhe veda a saída. A bruxaria de Alcina fê-lo prisioneiro, mas com o poder dos “Cavaleiros Sagrados”, Orlando despedaça a rocha e reconquista a liberdade, embora tenha perdido a lucidez, pois, num átimo, compreendeu a farsa de Angélica e o choque emocional levou-lhe a razão.
Possuído por imensa fúria, e apenas por instinto, jura vingar-se e os elementos da natureza parecem retrair-se ante a sua explosão de cólera e de dor.
Entrementes, Angélica e Medoro comemoram o suposto fim de Orlando, já que não podem crer que ele tenha conseguido escapar da prisão que lhe armaram. E, como parte da comemoração, celebram o próprio matrimônio, escrevendo seus nomes nas árvores e trocando mil caricias, sob as benções da feiticeira Alcina, que ainda se ressente do desaparecimento de seu amado Ruggiero.
Mas a tristeza da bruxa não é a única, pois ao chegar ao local das celebrações, Orlando vê que a perda de sua adorada Angélica está consumada.
Louco de ódio, amargura e ciúme, observa os nomes do casal inscritos nas árvores e não se contendo desnuda-se e destroça os velhos e sólidos pinheiros.
É o fim do segundo ato.
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O terceiro ato começa sob o signo da melancolia. Os primos e amigos de Orlando, Astolfo e Ruggiero, choram a sua suposta morte na montanha de Alcina e fazem planos para vingá-lo com o auxílio da boa fada Melissa.
A segunda cena mostra a réplica do frontispício do chamado “Templo Infernal”, onde Ruggiero e Bradamante, disfarçada como o cavaleiro Aldarico, esperam escondidos por Alcina, para atacá-la.
Pouco depois a feiticeira chega e sem notar a presença dos inimigos dirige-se aos “Deuses do Mal”, suplicando pela volta de seu amado Ruggiero.
Nisso, Bradamante, como Aldarico, aproxima-se e imediatamente lhe desperta o interesse e a admiração por sua bela e elegante estampa. Está colocado o momento da vingança.
Porém, antes que a revanche aconteça, Ruggiero e Bradamante, consternados, assistem a chegada do enlouquecido Orlando, que se dirige à feiticeira com frases desconexas e típicas da confusão mental em que vive.
Um quadro doloroso, pungente, que não raramente arranca suspiros e lágrimas do público.
E a cena se faz mais triste quando Angélica entra em cena e os insanos lamentos de Orlando a ela se voltam em uma patética (1) mescla de amor frustrado, saudades, mágoas e recriminações.
Para Bradamante e Ruggiero é o limite e sem poderem se conter, juntam-se ao Coro das recriminações à jovem e acusam-na de deslealdade e crueldade.
Acusações fortes, mas que ela não pode rebater, já que são verdadeiras. Dolorosamente reais. Resta-lhe, pois, chorar amargamente o seu remorso.
Na sequência, Orlando é deixado só e, completamente perturbado, ele vê na estatua do Mago Merlin, que domina a entrada do Templo, a figura de sua amada e com força inumana derruba-a do pedestal e deita-se, abraçado, com a mesma.
Um terrível sacrilégio para os adeptos do Mal e, por isso, o guardião Arontes o expulsa num primeiro momento; mas, ensandecido, Orlando volta à carga e após uma luta brutal consegue matá-lo e regressar para junto da figura que lhe representa o seu grande amor.
A queda da estátua, o seu amuleto mais poderoso, faz com que o “Templo do Mal” soçobre completamente, levando à ruína igual o “Centro de Magia” de Alcina, assim como, todos os seus feitiços e encantamentos.
E Alcina, há pouco retornada, demonstra sentir o peso de sua falência. Contudo, ao ver Orlando, as forças voltam-lhe imediatamente e impetuosamente ela saca um punhal e avança contra o causador de sua queda, mas antes que consiga vingar-se, a mão poderosa de Ruggiero a detém. E para aumentar-lhe o desgosto, Bradamante revela ser Aldarico, o homem que há pouco havia conquistado a sua admiração.
Proferindo mil impropérios, ela só pode lamentar que novamente o Bem triunfasse sobre o Mal.
Enquanto isso, Angélica e Medoro tentam aproveitar a confusão para escaparem, mas Bradamante os impede e torna a culpar a jovem pela insanidade de Orlando.
Enquanto isso, Astolfo chega, acompanhado pelos soldados de Logistilla, para selar o destino de Alcina e Orlando, recuperando milagrosamente a lucidez, compreende que o amor de Angélica e Medoro é puro e não nasceu para lhe afrontar, haja vista que os sentimentos independem da vontade.
Assim, estende-lhes a mão e abençoa a sua união. E desse modo termina a sua desdita.
É o fim da Ópera.
Histórico
Autor de verdadeiras joias como “Glória, o Dixit o Magnificat”; as “Quatro Estações (cuja ‘Primavera’ é especialmente querida no Brasil)” etc., ele não deixou de emprestar ao gênero operístico o seu talento imenso. Gênero, aliás, que lhe agradece a composição de cerca de cinquenta peças, embora ele afirmasse ter composto mais de noventa e três.
Mas, independentemente da divergente quantidade de óperas produzidas, o que é inquestionável é a superior qualidade de seu trabalho, em todas as searas em que laborou.
A presente Ópera, baseada no poema épico de Ariosto, publicado inicialmente em 1516 e revisado em 1532, estreou em 1727 na riquíssima Veneza, onde o patrocínio dos Doges reunia os talentos de Vivaldi, Albignoni, Tiziano, Veroneze e tantos outros mestres das Belas Artes.
Com o tempo, o esplendor de Vivaldi no terreno da música instrumental acabou superando a sua excelência no campo da Ópera, o que explica o fato de ele ser mais conhecido no primeiro que no segundo gênero; porém, todos que são apresentados ao magnífico “Orlando Furioso” não deixam de reconhecer que a sua genialidade foi equinamente repartida, para sorte de todos nós.
Nota do Autor – Patética (1) em seu sentido correto; isto é, “aquilo que comove” e não em sua equivocada versão atual que equipara o termo a “ridículo”.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.
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