Brincadeira de Criança
"A beleza salvará o mundo."
O Idiota - F. Dostoiévski
Dizem que este Universo não passa de uma brincadeira de criança,
Que com dedos frágeis e delicados
Pinta com tinta-guache as cores de todo mundo,
Enquanto ri de maneira gostosa, encantada com sua obra.
No coração desta criança habita todas as coisas,
Todas as cores e todas as formas,
Mas é sobre o papel que ela desabrocha
O infinito botão, pai de todas as flores.
Em mil cores então nascem múltiplos desenhos,
Que de tão belos até parecem perfumados,
Curioso são os temas criados,
Talvez impróprios para uma pequena criança.
No fundo de seus olhos aparece refletida toda a sua criação,
Como se cada cena e cada paisagem
Morasse num ponto longínquo
Bem no fundo de seu coração.
E para o viajante que por tais bandas se aventura,
Um infinito mundo corre abaixo de seus pés,
Um infinito céu se expande sobre sua cabeça,
E em cada esquina se reconhece o rastro daquela criança.
Criança sapeca e brincalhona,
Salta os montes e se esconde por trás dos arbustos,
Brinca conosco nos detalhes de sua própria criação,
Abrindo um sorriso doce e alegre para as pessoas que o encontram.
E então corre novamente,
Espírito livre voa para todos os recantos, para todas os lugares,
Desliza prazenteiro sobre o verde verdejante,
E se encolhe abraçando os joelhos no escuro amedrontador.
Mas não pensem que tal criança tem medo,
Ela brinca de o ter!
Brinca para darmos risada, brinca para contarmos histórias,
Enquanto ela dorme sossegada na caminha que ela mesma pintou.
Seus pais e seus familiares não entendem os seus desenhos,
Aquelas flores, aqueles riachos,
Ao lado daquele sangue e daquela guerra -
Preocupam-se com o futuro da criança.
No entanto, a criança apenas sorria diante de tais preocupações,
Desconhecendo se a razão para tal
Era a violência que nos desenhos existia
Ou a felicidade que em seu rosto transparecia.
Um dia, então, desenhou uma história para seus pais:
Contava que um rei muito mau e cruel
Certa vez se encontrou com uma fada
Em um de seus passeios no bosque.
Ficou tão fascinado e tão deslumbrado
Que a partir de então convidou todos os artistas do reino para a sua corte,
Queria que todos unissem os seus talentos
Para que pudessem reproduzir o encanto daquela fada.
Pintavam-na então nos quadros,
Descreviam-na em poemas,
Cantavam-na nas mais belas músicas,
Mas nada agradava ao insatisfeito rei.
Os médicos do reino ficaram preocupados,
Pois o rei havia abandonado os seus antigos hábitos,
Deixara de matar pessoas ao seu bel-prazer,
Deixara de querer possuir a primeira noite de todas as mulheres.
E, estranhamente, alguns súditos ficaram decepcionados,
Como se preferissem a antiga conduta do rei;
Até algumas mulheres se surpreenderam,
Entediadas por não terem mais nada o que temer.
O irmão mais novo do rei pediu-lhe então o comando do exército,
Ao que o rei lhe concedeu sem nenhuma tristeza.
O irmão, ao invés de se alegrar com a generosidade do rei,
Tomou-lhe como um idiota e arrancou-lhe o reino para si.
E muitos apreciaram tal ação, pois não cabia um rei tão fraco,
Que preferia desenhar fadas a agir como um rei.
Houve festa no dia do coroamento do irmão
E nesta noite três recém-casadas foram festejar em seus aposentos.
Ao antigo rei foi dado, por misericórdia, uma distante torre
No meio do bosque que o tornou insano,
Onde ele passou o resto de seus dias em sua solitária busca
A fim de captar e recriar a beleza da fada.
As pessoas zombavam do rei
E agora o culpavam de não impedir que o seu irmão,
Mais cruel e sanguinolento do que o rei jamais o fora,
Tomasse o poder e o reino para si.
Os artistas também o abandonaram,
Tirando um que se encantou com o fascínio nos olhos do rei,
Mais do que com a sua história contada,
E que acabou ficando com ele para desenhar as expressões do velho homem.
Um dia, depois de longo tempo, o rei voltou a ver a fada,
Seu rosto iluminou-se e todas as suas rugas se desfizeram;
A fada sorria-lhe como uma criança
Enquanto fechava os seus olhos.
Antes de morrer o rei contou ao artista
Que a fada estava em todos os lugares:
Nas cascatas, nas florestas,
No céu e nas estrelas.
Nas coisas grandes e nas pequenas,
No diamante e na madeira.
E que nada neste mundo valia mais
Do que vislumbrar tamanha beleza.
O artista, muito emocionado, derramou algumas lágrimas
E prometeu para o extático rei que dedicaria toda sua vida a desenhar tal fada,
Em todos os lugares e em todas as paisagens,
Houvesse sol ou houvesse chuva.
O rei morreu feliz,
Como uma criança que dorme após saborear um doce,
Ao passo que seu irmão, alguns anos antes,
Gritara de angústia por três noites seguidas.
Fora envenenado por seus conselheiros
No dia de seu aniversário,
Veneno que o comeu lenta e dolorosamente,
Tirando-lhe aos poucos toda a sua lucidez.
Os belos quadros do “artista da torre”
Espalharam-se pelos quatro cantos do reino;
Eram quadros tão profundos, tão tocantes,
Que faziam chorar de emoção todos os que os viam.
Desenhou a fada nos olhos das mães com seus filhos,
Nos olhos dos soldados com suas espadas,
Desenhou a fada em todos os lugares e situações
Como se pusesse em suas pinturas algum vago encantamento.
E aqueles que foram tocados por tais pinturas
Buscaram recriar tal encanto no que faziam,
Fossem arquitetos, poetas, sapateiros ou costureiras;
Fossem filósofos, alfaiates, ferreiros ou todos os demais artistas.
Até os dias de hoje se perguntam se aquela fada de fato existiu,
Apesar de um dia uma criança ter exclamado:
- Mas como pode tal fada não ter existido
Se tanto a história do reino ela modificou?!
Quando os pais viram tais desenhos,
Muito se impressionaram,
E sem saber o que fazer,
Emudeceram.
Não queriam que o seu filho se tornasse como aquele rei,
Pois ele era louco e insano,
E vivia atrás de uma fada
Como alguém que deseja tocar a lua no reflexo de um lago.
A criança ouviu toda essa conversa
Enquanto fingia que dormia,
Virou de lado entristecida
Pela primeira vez em sua vida.
Escreveu num papel no dia seguinte:
Se esta história é uma mentira,
Não se preocupem com o que aqui está,
Pois tudo isto não passa de uma brincadeira de criança.
E, sorrindo, voltou a fazer os seus desenhos,
Fazia-os às centenas e aos milhares,
Enquanto os espalhava em todos os recantos do mundo
Como uma surpresa no caminho dos solitários viajantes.
Contido no livro Poemas Místico-Filosóficos
http://poemasmisticofilosoficos.blogspot.com
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Comentarios
Re: Brincadeira de Criança
Esplêndido poema.
Parabéns.
Um abraço,
REF
Re: Brincadeira de Criança
Valeu, Roberto!! :-)
Fico feliz que você tnha gostado!
Abração! :-)
Re: Brincadeira de Criança
Que linda história, quanto mais se lê mais se quer aprofundar. Mais estou curiosa a saber o que de fato no papel o garoto tinha a escrever. Talvez deixei este facto passar.
Adorei a história o menino um reino e a fada que existe nos olhos de quem a ve.
abç
Re: Brincadeira de Criança
Oi Cecília!!
Pois é, este poema é tipo um conto de fadas-filosófico... Eu gosto bastante dele. Por isso o escolhi para pôr aqui! Talvez este seja o meu próprio mito pessoal - ou, pelo menos, um dos mais importantes!! (risos)
Beijão! :-)
Re: Brincadeira de Criança
Marcel, criança é assim não tem medo do desconhecido, não temem, não tem pré-ocupações por isso ainda são anjos sobre a terra. Muitolegal teu texto. Parabéns!!!
Re: Brincadeira de Criança
LINDA HISTORIA MARCEL FRUTO DE TUA IMAGINAÇÃO PRODIGIOSA E DE TEU SONHO DE QUE O MUNDO MUDE NÓS E NOSSA CRIANÇA INTERIOR PURA PUDEMOS CONTINUAR A FAZER OS LINDOS DESENHOS DA TUA CRIANÇA MÍSTICA E ESPALHÁ-LOS POR TODO O UNIVERSO ISSO VAI TOCAR CADA VEZ MAIS CORAÇÕES E CONTRIBUIR PARA UM AMANHÃ BEM MELHOR BJOS MILA
Re: Brincadeira de Criança
Olá querida amiga!! Sim, você pegou a pura essência do poema!! O desejo da Criança Mística de espalhar suas criações por todo o universo a fim de fazer as pessoas mais felizes e mais amorosas também!! Muito obrigado pelo seu comentário!! Um grande beijo!! :-)
Re: Brincadeira de Criança
Olá Gladys!!
Obrigado pelo comentário!! Realmente as crianças são anjos sobre a terra, apesar de que algumas são uns diabinhos mesmo!! (risos)
Beijos! :-)
Re: Brincadeira de Criança
Viajei neste teu texto, me teletransportei, metafórico, filosófico, delicioso de ler.
Parabéns seja bem vindo.
Grande abraço.
Re: Brincadeira de Criança
Olá Ana Lyra!! :-)
Muito obrigado pelas palavras!! Fico muito feliz!! :-)
E obrigado pelas boas-vindas também!!
Beijo grande!
Marcel