No prato da sopa eu provo as lágrimas
Para a Paula que morreu de sida e de desprezo.
No prato da sopa eu provo as lágrimas
molho o pão na fome e saboreio esta solidão sem sal
este natal sem iluminação
este amor sem volta.
No prato da sopa
eu provo o caldo frio
mais frio que os olhos dos agarrados
mais amargo que o ódio das mulheres espancadas á porta das igrejas
dessas mulheres cujas lágrimas gelam no rosto
e que um dia os filhos serão assassinos ou poetas ou actores tristes
ou apenas almas esquecidas vagueando nos quartos vazios depois dos pulsos cortados ou das guitarras a soar acordes que não soam bem na vida.
No prato da sopa eu provo as lágrimas e corto o pão no destino dos que morrem antes de tentarem a esperança ou de se comprometerem com o amor.
No prato da sopa passam os turistas e as máquinas fotográficas
que engolem o anonimato dos marginais e dos funcionários públicos.
No prato da sopa passam os turistas e os velhos que pagam para morrer na companhia artificial de uma velha televisão.
No prato da sopa eu olho os teus olhos
mas não consigo cheirar o teu corpo
não consigo amar-te com todo esse veneno.
A morte vai dar-te a mão.
Eu provo o caldo frio, mais frio que os olhos dos agarrados
mais amargo que o ódio das mulheres espancadas á porta dos orfanatos e dos quartéis
que tentam levar uma flor para por nas mãos dos soldados que marcham na linha da frente.
Agora soube que morreste e não consigo ficar triste
que ficar triste é morrer por alguém e sorrir não vai fazer diferença á tua condenação.
Tu não amaste ninguém
ninguém fez um gesto para te amar.
Certas palavras reduziram-se ao efeito de negócio
cada beijo valia uns trocos
cada toque no teu corpo uma desculpa
quando se tinha pressa em sentir o prazer exclusivo do corpo
e o prazer egoísta de tudo colher e nada semear.
Para a Paula que morreu de sida e de desprezo.
LOBO 06
Submited by
Poesia :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 1083 reads
Add comment
other contents of lobo
Tema | Título | Respuestas | Lecturas | Último envío | Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/General | Intrigas | 0 | 1.560 | 04/09/2013 - 16:59 | Portuguese | |
Poesia/Amor | Não vai fazer frio | 0 | 923 | 04/09/2013 - 16:34 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Faz um doce | 0 | 1.598 | 04/09/2013 - 16:32 | Portuguese | |
Poesia/Amor | O amor não é isso | 1 | 1.010 | 04/09/2013 - 15:23 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Eu espero | 0 | 1.066 | 02/15/2013 - 11:38 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | fé | 0 | 1.318 | 01/28/2013 - 16:45 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Escandalizado os meus olhos | 0 | 1.070 | 01/16/2013 - 20:44 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Muda o passo | 0 | 1.002 | 12/25/2012 - 22:02 | Portuguese | |
Poesia/Pensamientos | Somos os pobres actores | 0 | 1.118 | 12/25/2012 - 19:43 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Agora falta uma verdadeira vida | 1 | 1.820 | 11/30/2012 - 16:40 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | A chuva que cai desacerta o relógio | 0 | 1.023 | 10/09/2012 - 19:38 | Portuguese | |
Poesia/General | Alguém tirou de dentro dos olhos a paisagem e | 0 | 785 | 08/08/2012 - 16:36 | Portuguese | |
Poesia/General | Quando o caminho se abre | 0 | 847 | 07/16/2012 - 02:09 | Portuguese | |
Poesia/Archivo de textos | Os loucos | 0 | 899 | 07/11/2012 - 11:40 | Portuguese | |
Poesia/Archivo de textos | Há quem escute as vozes dos mortos | 0 | 630 | 07/03/2012 - 15:28 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | Como se pode sentir | 0 | 646 | 06/23/2012 - 02:43 | Portuguese | |
Poesia/Pensamientos | Fazer o lado contrário | 3 | 1.189 | 06/20/2012 - 21:26 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Quem for por esse lugar | 0 | 1.156 | 06/13/2012 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | As canções são frias | 0 | 1.899 | 06/06/2012 - 21:30 | Portuguese | |
Poesia/Intervención | O coelho se candidatou | 1 | 683 | 06/06/2012 - 08:18 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Agora eu pratico | 0 | 1.020 | 06/03/2012 - 16:10 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | A força que temos | 0 | 792 | 05/26/2012 - 18:26 | Portuguese | |
Poesia/Amor | Se eu aprender a voar | 1 | 1.034 | 05/24/2012 - 03:22 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | A rua está deserta | 1 | 982 | 05/24/2012 - 03:20 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | corre até ao fim do filme | 1 | 1.238 | 05/21/2012 - 23:05 | Portuguese |
Comentarios
Re: No prato da sopa eu provo as lágrimas
Jose,
Já to tinha dito e não me canso de repetir: Escreves com muita paixão!
"Eu provo o caldo frio, mais frio que os olhos dos agarrados
mais amargo que o ódio das mulheres espancadas á porta dos orfanatos e dos quartéis
que tentam levar uma flor para por nas mãos dos soldados que marcham na linha da frente."
E no entanto, temperas o caldo com lágrimas salgadas...
Existem muitas Paulas neste mundo, que nos deixam um sabor amargo no caldo cada vez que o comemos, porque nos lembramos.
Beijinho
Carla