Nem Santo, Nem Demônio

O olhar não pôde ser desviado. Por mais que ele quisesse seus olhos não conseguia olhar em outra direção. E, por causa do olhar, sua mente começou a trabalhar. Insistia para que o pensamento não focasse naquele ponto, mais isso pareceu impossível naquele momento. Tinha ouvido, na noite anterior, um sermão sobre a concupiscência do olhar. Tinha refletido sobre o sermão a soberba da vida. Na madrugada ele levantou e dobrou os seus joelhos falando com o que ele acreditava ser o seu Deus. Não me deixe cair em tentação era sua oração naquela manhã.
Não sabia por que, mas alguma coisa o antecipava de que aquele dia a tentação seria grande. Após algumas horas em oração e leitura do livro sagrado que gostava muito de ler, sentou-se por um longo período na cama. Sentia a alma leve e serena. Uma fagulha de luz o enchia de felicidade. Parece que o fardo havia saído de suas costas.
Caminhou lentamente até a janela do quarto e, ao abri-la, ainda pensando em como era bom visualizar a luz do sol a cada manhã, agradecendo por não ser cego.
A luz ofuscante do sol da manhã aos poucos foi se dissipando e seus olhos foram se acostumando com o clarão do dia. Foi nesse instante que ele visualizou a tentação. Não foi possível desviar o olhar. Parece que um imã o atraia. A visão era terrivelmente assustadora.
Uma blusa transparente molhada cobria o corpo da mulher. Um short curto realçava suas grandes coxas. Era uma jovem garota que, no seu quintal, encostada em um tanque de lavar roupas, esfregava algumas peças de roupas não importando com o mundo a sua volta. Cantava e assobiava enquanto estendia as roupas no varal e caminhava pelo quintal como se fosse a um desfile.
Por um instante ele pensou na concupiscência dos olhos. Tentou se afastar da janela que fazia divisa com o quintal da moça. Não conseguiu. A cada passo daquela mulher um brilho mais ofuscante que o sol o perturbava. Suas convicções de religiosidade caíram por terra. O que adiantou as horas de dedicação e reflexão se os seus olhos não puderam ser evitados de contemplar tamanha tentação?
Durante alguns minutos ele viu coisas que o perseguiram por longos dias. Não conseguia contemplar outra coisa na sua mente. Um desejo terrível apossou do seu coração e, por mais que ele resistisse não foi capaz de suportar. No dia seguinte relutou bastante para poder abrir a janela. Não queria abrir. Relutou mais um pouco. Tentou orar, mas quando fechava os olhos via somente o corpo daquela mulher. Não conseguiu. Caminhou até a janela e abriu-a. Foi nesse instante que aconteceu.
Ao ouvir o barulho da janela se abrindo, a menina olhou. Seus olhos se cruzaram. Durou questão de segundos, mas que pareceu uma eternidade.
Aos poucos ela retomou o seu trabalho. Cantando e assoviando ela esfregava roupas. Seu corpo remexia de forma sedutora. Ali estava a perdição para aquele jovem dedicado. Um abismo chama outro abismo. Suas convicções tão arraigadas pareceram não fazer mais sentidos. Sentiu-se o mais indigno dos homens e perdeu a fé. Dias antes se sentia um santo agora não passava de um demônio.
Dias depois voltava da pescaria no rio próximo a vila. Seus amigos resolveram vir pela estrada normal e ele escolheu um atalho. Já passava das duas horas da tarde quando, ao passar por uma clareira no meio do mato ele a viu. Por um instante ele parou. O que essa garota faz num lugar desses? Perguntou a si mesmo.
_ Meu tio tem um sitio aqui perto - Disse ela - Vim pegar umas goiabas. Quer me ajudar?
Ajudar aquela beldade pegar goiaba? Isso lhe pareceu à coisa mais difícil do mundo. Hesitou por um instante enquanto ela continuava a olhar-lhe.
_ Como é, você vem ou não vem? Caminhou em direção aos pés de goiabeiras.

Submited by

Miércoles, Agosto 26, 2009 - 02:52

Prosas :

Sin votos aún

Odairjsilva

Imagen de Odairjsilva
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 1 día 19 horas
Integró: 04/07/2009
Posts:
Points: 18182

Comentarios

Imagen de ÔNIX

Re: Nem Santo, Nem Demônio

Gostei de ler.
Um texto bem escrito e que me parece fazer parte de um conjunto muito interessante

Beijos

Dolores

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Odairjsilva

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Amor Lugar seguro 7 919 01/23/2025 - 12:53 Portuguese
Poesia/Canción Mantenha o ritmo 7 1.076 01/22/2025 - 19:17 Portuguese
Poesia/Meditación Tolo 7 1.134 01/21/2025 - 17:36 Portuguese
Poesia/Amor Imperceptível 7 490 01/20/2025 - 17:49 Portuguese
Poesia/Desilusión O peso do adeus 7 886 01/19/2025 - 13:40 Portuguese
Poesia/Pensamientos Estranhas divagações 7 1.173 01/18/2025 - 13:23 Portuguese
Poesia/Intervención Peões de um jogo calculado 7 679 01/17/2025 - 18:08 Portuguese
Poesia/Intervención Falta de caráter 7 323 01/16/2025 - 12:31 Portuguese
Poesia/Intervención Acerto de contas 7 1.541 01/15/2025 - 12:56 Portuguese
Poesia/Desilusión Direção oposta 7 462 01/14/2025 - 13:52 Portuguese
Poesia/Meditación Além do horizonte 7 608 01/13/2025 - 13:06 Portuguese
Poesia/Pasión Difícil disfarçar 7 1.691 01/11/2025 - 13:38 Portuguese
Poesia/Desilusión Nunca mais verá o meu sorriso 7 369 01/10/2025 - 17:47 Portuguese
Poesia/Amor Amor de verão 7 212 01/09/2025 - 17:23 Portuguese
Poesia/Amor Não desisto do amor 7 316 01/08/2025 - 12:40 Portuguese
Poesia/Dedicada Leitor(a) 7 655 01/07/2025 - 13:14 Portuguese
Poesia/Alegria Abraço o vento que me guia 7 1.265 01/05/2025 - 13:34 Portuguese
Poesia/Pensamientos O grito secreto dos deuses 7 1.529 01/04/2025 - 13:35 Portuguese
Poesia/Tristeza Exílio 7 1.032 01/03/2025 - 18:04 Portuguese
Poesia/Meditación Nada é tão estranho 7 623 01/03/2025 - 18:04 Portuguese
Poesia/Amor Na penumbra do silêncio 7 1.375 01/03/2025 - 18:02 Portuguese
Poesia/Alegria Mais um ano se encerra 6 538 12/31/2024 - 12:43 Portuguese
Poesia/Amor A chave do coração 6 710 12/29/2024 - 13:33 Portuguese
Poesia/Pensamientos Nas salas de justiça 6 1.363 12/28/2024 - 13:02 Portuguese
Poesia/Amor Você mudou o meu viver 6 762 12/26/2024 - 13:12 Portuguese