ASCETISMO - Filosofia Sem Mistérios - Dicionário Sintético

ASCETISMO – a figura do (a) Asceta é quase arquetípica: um homem idoso, magro, com longas barbas e cabelos (ou sem nenhum deles) e quase que completamente nu. Associá-lo a GHANDI (MAHA-ATMAN GHANDI) é mais que o resultado da influência que a figura do Grande Mestre causou e ainda causa na mente de bilhões de pessoas em todo Mundo. É, de certo modo, personificar esse estilo de vida. Aliás, é provável que o próprio GHANDI tenha se inspirado em outros Ascetas para viver frugalmente, o quê é característica desses Sábios que assim demonstram seu desapego à matéria porque vivem sonhos e realidades maiores e mais generosos que o árido cotidiano. GHANDI herdou de sua milenar cultura indiana essa tradição de conter os desejos mais brutais para atingir planos mais sutis. E certamente foi isso, aliado as suas outras virtudes, que o levou a ser idolatrado em seu País e até na Potência estrangeira que dominava sua terra. E como ele, todos (as) aqueles indivíduos que conseguem se desprender do Físico e do Material. Tem-se a impressão que o restante da Humanidade sabe que eles estão certos, que a matéria é pura ilusão, que os poderes são efêmeros etc. E que também sabe que não conseguirá fugir da escravidão que seus caracteres menores os condicionam e, por isso os veneram; afinal, eles não vivem como na lenda de SISIFO: condenado a rolar morro acima uma enorme pedra que ao atingir o topo caí ao solo exigindo um perpétuo recomeçar absolutamente sem Sentido. Tudo sempre igual. Todos os dias. Menos com os (as) Ascetas que ganham aura de heróis por terem vencido o pior inimigo de qualquer um: a si próprio e a mediocridade que nos condena a viver dentro da estreita rotina que comporta nossos sonhos. Conseguiram dominar-se e alçar vôos mais longos e produtivos, embora não necessariamente mais prazerosos. Mas, se atualmente essa plêiade fica menor a cada dia, tempo houve em que essa Arte de se Libertar freqüentou o cotidiano grego através de Tendências Filosóficas que propunham o ideal de rejeitar a opulência da matéria em beneficio de maior ganho espiritual. Porém, paradoxalmente, o termo ASCESE tinha inicialmente o significado de “Treinamento” e modo de vida dos Atletas. Ou seja, embora se referisse à renúncia essa seria dos prazeres mundanos em beneficio da conservação e ampliação dos dotes físicos dos Ginastas, Lutadores etc. Renunciavam às orgias, lautas mesas e bebedeiras para conservarem o bom estado físico. E essa idéia central, mudança em prol da evolução, só chegou ao aspecto Moral com a florescência dos PITAGÓRICOS, CINICOS e ESTÓICOS. Cada uma dessas Correntes tinha seus motivos para limitar (ou tentar) os desejos corporais visando à crescente liberdade da Alma. Foi a consolidação no Ocidente da antiga tradição hindu. E dessa consolidação desenvolveu-se a idéia extremada da Mortificação do Corpo. Durante a vigência da Escolástica, na Idade Média, esse conceito foi aprofundado e até se pode dizer que incensou Jesus Cristo como modelo de Asceta, embora a pudicícia da época o recobrisse com Mantos e Túnicas (vale refletir se o Calvário existiu de fato ou se não passou de encenação para reafirmar as Virtudes e o Despojamento daquele ícone religioso). Autoflagelações não eram raras e delas, ainda hoje, pode-se ter uma idéia vislumbrando-se, por exemplo, a obrigatoriedade de ser Casto (sacrifício do desejo) que algumas vertentes religiosas impõem aos seus Sacerdotes. Junto com a Castidade, outras mortificações ainda existem, mas é certo que em menor número e com menor poder ofensivo. A revolta contra esses sacrifícios e até mesmo contra o Ideal Ascético iniciou-se no Renascimento quando o Humanismo* recolocou o Homem no Centro do Universo com a conseqüente revalorização de seu corpo e dos prazeres corporais. Mas adiante, KANT separou o Ideal Ascético do Ideal (pseudo-ascético) Monástico (relativo a Monastérios, monges), sendo o primeiro o exercício firme, destemido da Virtude, enquanto que o Ideal Monástico seria apenas um temor supersticioso e/ou hipócrita que resulta num horror pelo próprio SER, levando o Indivíduo ao mórbido e masoquista hábito de mortificar o próprio corpo, mais pelo autodesprezo do que pelo desejo de se aprimorar em termos éticos. Prefere-se o autoflagelo ao invés de se arrepender dos erros e buscar o aprimoramento. Para SCHOPENHAUER, o Ascetismo tinha um significado “maior”, Metafísico; ou seja, além e acima da matéria, do corpo físico, da vida concreta e das Virtudes convencionadas pelos Homens. Para o filósofo tornava-se claro que quando o Homem compreendia horrorizado que o seu SER (manifestado no corpo físico) era um simples escravo dos desejos materiais, o Ascetismo teria que ser evocado para que através dele fosse possível aquietar ao máximo possível os desejos físicos e lhes ultrapassar; sendo esse é o único caminho a ser seguido para que se tenha um mínimo de alforria em relação às exigências materiais. Vencer e ultrapassar a Física, logo Metafísico. Porém, SCHOPENHAUER admite que essa medida sempre será paliativa e de certo modo inútil na medida em que não se consegue liquidar completamente o Instinto de Querer. Afinal, quando SE QUER (ter a Vontade de) exercer o Ascetismo, essa determinação (ou Vontade de fazer) já mostra claramente a impossibilidade de exterminar aquilo que é nossa Essência: a Vontade. Em outros termos: eu tenho VONTADE de ser asceta. Correntes ou Tendências filosóficas contrárias ao Ascetismo sempre existiram, é claro. Desde os antigos Hedonistas (e os atuais, pois é claro que o Consumismo e o Artificialismo de nossos dias não são originais, mas apenas cópias daquela antiga corrente.) e a própria Estética grega que sempre louvou a perfeição do corpo como se fosse um atributo divino, até sua figura máxima em termos de Alta Filosofia, NIETZSCHE. Todavia, mesmo sendo contrário ao Instinto básico e ao modo de vida da maioria absoluta da população, o Ascetismo continua a exercer fascínio entre os Homens. Afinal, ser um Asceta é vencer toda uma estrutura social e as necessidades pseudo-biológicas que, geralmente, nem existem por si, sendo apenas falácias desenvolvidas por questões econômicas (Crio uma necessidade e vendo o produto que a satisfará parcialmente, então crio outro produto, outra satisfação parcial ...). O Asceta continua a ser visto como um SER Superior; e sua despojada figura insiste em nos mostrar a efemeridade e futilidade de tudo que normalmente nos dá mais desgosto que prazer.

Submited by

Domingo, Octubre 18, 2009 - 21:20

Prosas :

Sin votos aún

fabiovillela

Imagen de fabiovillela
Desconectado
Título: Moderador Poesia
Last seen: Hace 8 años 19 semanas
Integró: 05/07/2009
Posts:
Points: 6158

Comentarios

Imagen de RobertoEstevesdaFonseca

Re: Filosofia Sem Mistérios - Dicionário Sintético

Houve um tempo em que cria-se que o ascetismo levava à evolução espiritual. Parece que hoje acredita-se no contrário.

Gostei muito!
Parabéns,
Um abraço

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of fabiovillela

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Prosas/Otros O "Coxinha", o "Mac-Calango", a Legalidade e a Legitimidade 0 3.537 10/28/2014 - 23:22 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte VIII - A Perseguição Política 0 2.683 10/25/2014 - 20:30 Portuguese
Poesia/General Asas, quem dera 0 1.839 10/24/2014 - 00:33 Portuguese
Prosas/Mistério Rousseau e o Romantismo - Parte VII - A Publicação de "Emílio", de "O Contrato Social", de "La Nouvelle Héloise" e outras 0 11.873 10/23/2014 - 13:56 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte VI - O rompimento com os Enciclopedistas 0 4.430 10/22/2014 - 13:29 Portuguese
Poesia/General Destino 0 2.372 10/16/2014 - 01:05 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte V- Os Enciclopedistas 0 4.287 10/15/2014 - 20:35 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte V - Notas Biográficas, continuação 0 3.290 10/14/2014 - 19:53 Portuguese
Prosas/Otros O FIM da FILOSOFIA e da SOCIOLOGIA no ENSINO MÉDIO 0 3.612 10/13/2014 - 19:23 Portuguese
Poesia/Amor O Voo da Vida 0 1.929 10/10/2014 - 14:22 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte III - Jean Jacques - Notas biográficas 0 5.191 10/09/2014 - 15:04 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte II - Jean Jacques Rousseau - Prefácio 0 1.553 10/08/2014 - 19:20 Portuguese
Prosas/Otros Rousseau e o Romantismo - Parte I - Preâmbulo 0 3.703 10/08/2014 - 00:16 Portuguese
Poesia/Amor Retornos 0 1.391 10/06/2014 - 15:17 Portuguese
Poesia/Tristeza A Mulher e as Fotos 0 2.247 10/03/2014 - 22:04 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte X - Considerações Finais 0 7.960 10/02/2014 - 19:59 Portuguese
Poesia/Dedicada Luz e Sombra 0 3.025 10/01/2014 - 00:19 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte IX - O Antagonismo entre Voltaire e Rousseau 0 2.742 09/29/2014 - 20:43 Portuguese
Poesia/Tristeza Canção de Sarajevo 0 1.697 09/28/2014 - 19:59 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VIII - O Tempo da Concessão e do Abrandamento 0 4.069 09/27/2014 - 00:27 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VII - O Tratado sobre a Tolerância 0 5.779 09/25/2014 - 14:41 Portuguese
Poesia/Tristeza Yumi do bordel 0 5.363 09/25/2014 - 13:17 Portuguese
Poesia/Tristeza Dragões 0 3.096 09/23/2014 - 20:17 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VII - Ecrasez L´infame 0 4.371 09/23/2014 - 20:02 Portuguese
Prosas/Otros Voltaire e o Iluminismo francês - Parte VI - Dicionário Filosófico (a Enciclopédia) 0 2.188 09/22/2014 - 14:18 Portuguese