CONVERSANDO COM UMA AMIGA

Diz-me... amiga!
Como pode a expressividade e a luminosidade de um olhar outrora apaixonado, ser amarrotada repentinamente por uma frieza gélida?
Diz-me... amiga!
Como é possível que o mesmo coração que nos serviu de abrigo, onde nos refugiamos, primeiro… como se habitássemos ainda o útero materno, depois… transformados em crianças de berço, nos esconda inexplicavelmente o luar intenso pintado no coração com a leveza da esperança? Essa espécie de horizonte imenso, onde tantas vezes flutuamos transformados em balões coloridos a rasgar os céus, com um destino indeterminado? Transformados invariavelmente em andorinhas mensageiras de uma Primavera eterna?
Tu, querida amiga, que também és uma poeta, que esculpes as palavras com a prata lírica da tua alma sonhadora, perguntas-me tudo isso à laia de reflexão, por outras palavras que eu agora interpreto assim… para depois transformada em vento ciclónico, rematares.
- Diz-me… porque é o amor, por vezes, tão cruel e injusto?
- Oh… se eu tivesse as respostas certas, juro que tas dava como quem oferece rosas brancas. Mas não tenho. Juro que não…!
Essas inúmeras perguntas que me atiras de rajada, à laia de pássaro assustado saltitando nervosamente de ramo em ramo, como se procurasse razões para a existência, deixa-me esta amarga sensação de impotência. É nestes momentos que temos a percepção perfidamente exacta, que nada somos, que nada sabemos…por mais que tentemos explicações para as nossas eternas duvidas.
Enquanto desabafas entre lágrimas não chego a compreender se pensas alto ou se me diriges essas perguntas.
Ouço-te, entendo-te, consolo-te com algumas palavras dispersas e inúteis. Sei que procuras nesse momento não respostas, mas sim ouvir uma voz amiga. Será que esse conforto te chegou à alma? Então porque choras ainda, amiga?
O tremor da tua voz chega a ser confrangedor. Fico emocionada contigo e talvez por isso me refugie momentaneamente num silêncio de lacrau desesperado. Ouvir alguém chorar, é definitivamente para mim, o mesmo que me espetarem uma lança na alma!
- Vá lá… não chores, querida!
Depois limito-me a ouvir-te num atordoamento de naufrago, numa espécie de embate que me paralisa por completo.
- Vá… lá… não chores, repito, como se fosse um disco riscado,
Fico sempre espantada com todos aqueles que me abrem a alma e me confidenciam os seus dilemas. Sempre…!
De tal forma que ao longo da vida em que essa cena se foi repetindo com exaustiva frequência, ainda dou por mim, agora uma mulher madura, a perguntar-me muita vez… porquê?
Porque vêem em mim uma espécie de cabo da boa esperança se eu mais não tenho do que palavras para dar, uma alma imensa que mais parece um oceano órfão? Pouco mais do que nada?
Ah… amizade e coração tenho sim… mas isso é pouco mais do que nada, percebes? Nos tempos que correm isso é quase lixo, ou será que estou a estupidificar com a descrença que me corroí a alma à laia de doença maligna?
Será que te ajudei? Como se não consegui secar-te as lágrimas?
Ah… mas se a minha voz amiga que te escuta do outro lado da linha ajudou, então… valerá sempre a pena ver-te com os olhos da alma, e tentar serenar o teu desassossego!
Apetecia-me pegar-te nesse momento ao colo, mas separam-nos cerca de 300 Kms. É através de uma linha de telefone, que se opera o milagre de uma aproximação impessoal. Preferia milhões de vezes olhar-te nos olhos, pegar-te nas mãos enquanto desabafas e depois, com a minha eterna fuga para o lado humorístico que me salva das minhas próprias depressões, dizer-te…
Não chores, querida. O homem da tua vida, será aquele que de facto for merecedor desse amor imenso, e dessa alma de diamante por lapidar. Não chores por quem não te merece. Faz do teu coração um barco de papel e põe-no num qualquer riacho a zarpar. Troca-o. Faz um transplante. Se colocam mamas artificiais, se esticam a pele até a elasticidade desfazer as rugas, porque raio não havemos de trocar de coração quando ele é de manteiga que derrete?
Pensa nisso… sei que parece uma parvoíce mas a ciência e a esquizofrenia colectiva para aí caminha, asseguro-te!

Quase que podias ser mina filha. Falta o quase...
Apetecia-me mesmo pegar-te ao colo mas a maldita distância apenas permite que te sussurre palavras apaziguadoras e algum sarcasmo que se entope com o meu crónico sentido de humor.
Insistentemente ordeno-te , numa voz solícita.
– Vá lá… não chores…!
Mas tu continuas a chorar, dolente, como se fosses uma criança perdida no meio de uma floresta densa, como se pressentisses o perigo iminente. A do teu coração desiludido.
- Não chores… vá lá… - insisto.
- Se ele acabou tudo contigo é preferível interiorizares no teu coração que ainda não foi desta vez que encontraste a tua alma gémea. Balbucio, sem convicção alguma.
- Alma gémea…? Sorris tristemente, como se chorasses à beira de um precipício, com vontade de te atirares para o abismo.
Pensei que era esta a minha alma gémea e vê no que deu…
Ouço-te chorar mansamente do outro do lado da linha, como se me pedisses desculpas por essas lágrimas, e eu… transformada repentinamente em menina debruçada sobre os seus próprios joelhos, amedrontada por mais uma discussão entre os meus pais, enfeito de silêncio as minhas respostas e apenas te peço como quem reza. Acredita no amor… não desistas dos teus sonhos. Ouviste miúda?

Quando pressinto uma maior serenidade no teu coração, desligo o telefone, exausta com a minha impotência.
Encaminho-me para o computador e começo a conversar contigo por E-mail, rendida a estes modernismo de alcofa, que nos aproxima por vezes traiçoeiramente de alguns, outras, de uma forma absolutamente extraordinária.
Começo com uma pergunta, como se de repente os papeis se tivessem invertido.
- Porque se abate tão cruelmente em determinados momentos sobre os nossos corações uma tempestade de granizo, que entope as nossas esperanças e as destrói ingloriamente?
Porque morre a paixão e nos apagam como se fôssemos letra morta escrita a giz num quadro negro, numa fria sala, cheirando a mofo…?

Ah… não chores, amiga…! Vá lá…

(VÓNY FERREIRA)

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Viernes, Noviembre 27, 2009 - 14:28

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Comentarios

Imagen de Lopez

Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

Tão lindo...é como ler sua alma.Levo levando, rs!
Beijo querida

Imagen de deborabenvenuti

Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

Consolar um coração partido,quando se vai o amor que se julga eterno,é como lançar uma flecha na ferida aberta,porque ela por si só um dia irá cicatrizar. Por mais que tentemos diminuir essa sensação de perda,só o tempo irá apaziguar e diminuir as dores desse momento tão sofrido. E nada podemos fazer. As palavras nesses momento parecem não surtir efeito algum.O tempo,esse sim,irá secar as lágrimas e mostrar que nem tudo está perdido,que o sol irá aquecer novamente esse coração e fará florir novos amores,quando for novamente...primavera.
Beijo

Imagen de ÔNIX

Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

Olá Vony

Deduzo que foi mais uma carta de afago e apoio a alguém que poderia estar ou está a passar por uma fase difícil

Como sempre consegues sempre arranjar as palavras certas num momento e lugar onde são mais precisas

Gostei do texto

Bjs

Imagen de Anonymous

Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

Roberto, obrigada pelas palavras.

Ônix, foi uma carta escrita por e-mail, curiosamente.
também... a uma amiga do tempo do hi5.
Esta carta já tem um tempinho.
Beijinho

Imagen de RobertoEstevesdaFonseca

Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

A máquina está nos esfriando, desumanizando.

Parabéns, adorei.

Um grande abraço,
REF

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Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

Simplesmente genial

É só...e tanto

Bjos

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Re: CONVERSANDO COM UMA AMIGA

És um querido.
Muito obrigada!
Beijinho
Vóny Ferreira

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