O ÚLTIMO DEMÔNIO DE LISBOA
Tudo começou há muito, muito tempo atrás. Meu nome é Joaquim, filho de Manuel o Coveiro, pelo menos era assim que o chamavam, meu pai era coveiro em Lisboa do cemitério de Algarves, era o ano de nosso Senhor de 1808 , tempos difíceis a Portugal , tempo de escassez de comida e água, em nossa Lisboa, o conturbado estado político de nosso país junto com a desconfiança do povo e a falta de informação sobre o avanço das tropas napoleônicas eram um estopim de um enorme barril de pólvora que se tornou Portugal naqueles anos.
No começo daquele ano meu pai enterrara a um sobrinho da prima da condessa de Pombal, era um jovem quase de minha idade que falecera por conta de uma virose desconhecida, e meu pai ao preparar o corpo para enterro deparou-se com seu titulo de nobreza, que estava em um bolso de seu paletó, não conseguindo a se conter, afanou ao titulo e o escondeu em nossa casa, alguns meses depois por fonte de meu tio que era soldado da marinha portuguesa soubemos da debandada da corte portuguesa ao Brasil, e a aproximação das tropas napoleônicas ao litoral de nosso país.
Meu pai diante da eminente catástrofe, entregou-me o titulo roubado e arrumou com meu tio a embarcar-me junto a uma das Nau que partiram com a nobreza portuguesa rumo Brasil.
Foi uma longa viagem através de alem mar, muitas e muitas noites e dias, inertes a imensidão do mar atravessando ao mar bravio, em busca do tal eldorado dos trópicos a tão falada terra de índiginas que chamavam de Brasil.
Após quase três meses de árdua viagem, desembarcamos no Rio de Janeiro, realmente fora uma das mais belas visões que eu tive em meu existir, terra ainda um tanto bravia com pouquíssima infra-estrutura, mas de beleza sem igual, com suas praias paradisíacas, e seu povo estranho mas hospitaleiro.
Com o meu titulo de Marques de Pombal em punho rumei as terras destinadas a esta família, foram três dias de viagem de carroça ate chegar a terra dos Pombal, lá chegando apresentei-me como sobrinho da condessa de Pombal dona Leopoldina, lá fui com festa recebido por toda a família do falecido, pobres tolos que nem de longe desconfiaram de minha procedência. Após larga festança conduziram-me a um confortável aposento na ala leste do casarão.
Nos dias que se seguiram fui a me introduzindo aos negócios da família como se fossem meus, os Pombal tinham um entreposto de açúcar, muitas terras com plantação de cana e cerca de duzentos escravos, eram razoavelmente bem de vida, com certeza eram os mais ricos daquela região.
Numa manhã uns dois meses depois de minha chegada avistei minha condenação, uma escrava, rude um tanto maltrapilha mas encantei-me ao vê-la, ela uma mulata de bom porte, corpo escultural talhado pelo trabalho pesado que exercia, com penetrantes olhos negros que a mim dilaceravam a alma em luxuria e pecado, nunca antes havia por alguém sentido tanto desejo em meu existir.
Desatinado a minha lascívia, mandei que enviassem a meus aposentos a tal escrava naquela noite, eram tempos de corte o senhor tinha todo o direito sobre o seus escravos que não passavam de mercadoria como gado ou ovelhas, mesmo ainda não muito a contento deste modo de agir fui cegado pelo desejo de ter, de possuir aquela escrava ao meu bel prazer.
A noite ela apresentou-se aos meus aposentos, tinha um olhar forte e viril, senti sua raiva por mim e pelo que iríamos a fazer, mandei-la despir-se, ela acatando a ordem deixou com que o seu vestido cai-se lentamente ao chão, foi uma visão que jamais esquecerei, ela era perfeita com seus seios volumosos e firmes seu corpo torneado ao duro labutar que exercia, mesmo suas mãos ásperas e as marcas das chibatadas em suas costas não diminuíam ao esplendor de sua beleza.
Aproximei-me dela a acolhi em meus braços, ela desferiu-me uma praga em uma língua que eu desconhecera, disse ser ela a sacerdotisa de seu povo os Lhava, que se eu a possui-se teria minha alma condenada por toda a eternidade a vagar no limbo espectral como demônio inerte as sombras. Tomei-me de fúria e a esbofeteei na hora não levei a serio as palavras da bruxa, a possui como a nem uma outra jamais tinha o feito, ela não resistiu apenas de seus negros olhos escorreram algumas poucas lágrimas, pela manhã ao acordar a escrava não mais lá estava, a procurei por toda a residência e na senzala das mulheres, daquele dia em diante nunca mais a vi.
Passaram-se aos anos, a guerra acabou, voltei a minha querida Lisboa agora como Conde, era bom ser um Lorde, infelizmente meu pai falecera na invasão napoleônica em uma lúgubre madrugada de dor e devassidão donde Lisboa ardeu em chamas, pouco depois fui acometido por uma infecção desconhecida, que não demorou muito a debilitar-me e logo depois acabei por falecer. Lembro bem deste dia foi como dormir, ao acordar achara que tinha sido apenas um sonho mas infelizmente não, ainda não tinha sido enterrado era noite o coveiro estava preparando as minhas vestes para o enterro, levantei-me da mesa donde estava o pobre homem morreu de susto ao ver-me foi um ataque cardíaco fulminante, pena parecia ser um bom senhor, eu me sentia um tanto estranho demorei a perceber minha condição, estava completamente mudado ouvia bem melhor que antes, enxergava muito mais que outrora, meu olfato era como de um cachorro, me sentia mais vivo que nunca, mais forte, mais veloz, mas sabia que algo estava errado.
Ao amanhecer não consegui olhar para o sol, os primeiros raios da manhã quase cegaram-me e corroeram minha pele, resguardei-me em uma cripta a espera do crepúsculo daquele dia, com o passar dos dias foi em mim crescendo a sede por sangue, vaguei pelos arredores do cemitério por meses, comendo do lixo, vivendo de restos, ate que em uma noite fui tomado pela besta que em mim desde minha morte passou a habitar, ataquei a um grupo de jovens que estavam fazendo um ritual creio que satânico ou algo parecido naquela noite ao leste do cemitério de Algarves, os dilacerei como se fora realmente um animal selvagem, enojei-me de mim mesmo lembro que pela manhã vomitei bastante estava perplexo por aquilo em que eu havia a me transformado.
Lembrei da praga da bruxa africana, recolhi a minhas economias e rumei ao Brasil, em busca de respostas, e também em Lisboa já não podia mesmo a mais ficar a policia já estava ao meu encalço a procura da tal besta que estava a dilacerar jovens nas noites de Lisboa.
Nas terras de minha família, pelo menos a família que adotei por comodismo assim dizendo conversei com os antigos escravos, ate que encontrei a filha da tal bruxa esta agora era a nova Xamã daqueles homens.
Conversamos durante toda a madrugada e em troca de libertar o seu povo, ela contou-me a historia de sua família e de como poderia libertar-me daquela maldição.
Disse a Sacerdotisa:
“Meu povo descende dos antigos Lhavas, povo nômade do leste que viera das brancas montanhas alem dos desertos, minha tribo sempre teve inúmeros Xamãs, e curandeiros que passaram o dom da cura e do mal, da vida e da morte de geração em geração através das eras, fomos um povo pacifico, que não guerreou por muitas e muitas luas ate que o povo branco com seus demônios do mar atracou a nossa costa exterminando a nossas aldeias, matando nossas crianças levando nossos guerreiros e nossas mulheres, os antigos Xamãs de nossa terra antes da invasão de vós demônios do oeste passaram as sacerdotisas todo o ensinamento sobre as maldições, sobre o poder da vida e da morte, e minha mãe foi a escolhida a ser a Xamã de meu povo após a destruição de nossa aldeia e a nossa viagem de alem mar.
Vós oh, demônio, só podes sua alma a ser liberta por um Xamã Lhava, a única esperança de libertar sua alma é obter o perdão do Grande Xamã, o deus Pai desta tribo nômade, não sei onde vós podes a encontrar-lhes com certeza mas após a invasão do homem branco a nossas terras os Lhavas rumaram rumam ao deserto em busca das lendárias montanhas brancas de seus ancestrais.”
Anotei a tudo que a menina havia por me dito, libertei como prometido ao seu povo, e estudei por dias as suas palavras, deduzi que o deserto que ela mencionara só poderia ser ao do Egito, e as montanhas brancas deveriam ser as da Ásia, provavelmente do Tibet, rumei ao norte egípcio, por meses procurei o rastro destes tais Lhavas, ate que em uma manhã um garoto em troca de algumas moedas vendeu-me um mapa que seria da localização do templo dos Lhavas, ao oeste da Mongólia. Já um tanto desgastado pelos anos de procura mas ainda esperançoso lancei-me a Mongólia em busca do Templo dos Lhavas, foram meses de caminhada e escaladas passando por inúmeras aldeias, até chegar a tal montanha dos Deuses.
Foi um grande desafio escalar tão íngreme montanha em tão inóspito ambiente, o ar era rarefeito o frio descomunal, mas nada me deteve, ao chegar aos portais do Templo Lhava não avistei sentinelas, vi apenas a portal principal do templo de forma entre aberta, então adentrei ao templo era magnânimo, esplendoroso mas estava, completamente abandonado, revistei a cada cômodo daquele palácio apenas alguns poucos corpos dilacerados foi o que encontrara, claro sinal que ali houvera tido um descomunal embate, uma sangrenta luta que por fim determinou a extinção dos Lhavas, após tantos anos de peregrinação fiquei um tanto chateado, diria desnorteado ao acontecido. Vaguei pelo oeste da Ásia e o leste da Europa por muito tempo ate que voltei ao meu querido Portugal, aqui em Lisboa vendi meu feudo resignado ao meu destino aceitei a minha pena fui morar em um cortiço próximo do porto, quase dois séculos haviam se passado desde que fora proferida a maldição a mim pela bruxa africana, infelizmente fui por minha sede de sangue a ficar um tanto descuidado e com o passar dos anos fui acumulando diversas vitimas, cada vez mais foi se tornando difícil fugir da Policia portuguesa e dos Templários, acredite mesmo tanto tempo depois da malfadada Inquisição, ainda estes em Portugal atuam de forma viserosa a caçar aos considerados impuros e implólitos como eu.
Em uma destas noites de caçada minha e dos Templários, descuidei-me ao atacar uma jovem aqui mesmo perto ao porto de Lisboa era por volta de 23:30Hs ela estava a carregar alguns livros provavelmente vinha de alguma escola noturna, a dominei e a arrastei para trás de um contêiner no porto ela gritou provavelmente algum dos sentinelas do porto escutaram aos seus gritos, fui desleixado continuei a dilacerar seu corpo e beber ao seu sangue fui surpreendido por uma leva de policiais com alguns caçadores Templários, fora uma batalha sangrenta eles eram em numero de doze, matei cinco deles, feri mais quatro de forma bastante grave não sei se sobreviveram, consegui a escapar do grupo e atirar-me ao mar, pela manhã voltei ao cortiço donde estava a abitar, eu havia sido atingido por algo cortante uma espada ou algo parecido mas não regenerei-me como era de costume o aço daquela lamina era diferente de tudo que eu já houvera a enfrentado, definhei de forma abissal ao torpor dos dias que se seguiram, sentia a chegada hora do não ser de meu demoníaco legado, ate que enfim como demônio vim a falecer dias depois, condenado herege e por tantas vitimas terrenas que nas costas vinha a carregar fui julgado como impuro a redenção, e condenado a vagar eternamente ente as sombras e o limbo, sendo o fantasma guardião do cemitério de Algarves, daqui ate o final dos tempos, conduzindo a alma dos que lá forem enterrados ao julgamento do altíssimo.
Felix Ribas
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