A apelação
Numa noite, após um dia de rotinas guardado para o nunca mais, aquela pessoa passou pela porta e, com a voz doce que habita meu ouvido mental, disse-me: - Amor, quando foi que deixamos de lado a nossa razão da existência, pondo-nos distantes do mundo que somos na pretensão de povoarmos o mundo que o outro é? Quando foi que deixamos de sorrir para nós mesmos, sorrindo, ao invés, para um ser diferente de quem realmente somos?
Eu, bom de raciocínio, não pude responder a ela naquele mesmo momento pois, uma espécie de fundição ocorreu no meu cérebro - não esperava um fim tão duro e tampouco acreditei naquelas perguntas usadas como disparos de baioneta, que só são úteis quando não há esperança do chumbo percorrendo o ar a caminho do coração; foi um corte cuja marca permaneceu até o fim dos meus tempos naquele quarto escuro, cheirando a nós dois... Aquela demonstração de fúria desmoronou o castelo que montara a minha amada, nos silêncios noturnos, na cama desengonçada, quase encostada numa das quatro paredes que exalavam humidade e propiciavam a populações de fungos uma felicidade que encantava meu olhar morimbundo. Tornei-me doente por ela: tossia e expulsava gotículas de nossa saliva; a vermelhidão das minhas costas tinha a assinatura de suas unhas e as dores musculares e nas articulações eram a prova cabal do meu esforço em agradecê-la com nosso prazer. Foi um instante de mudez eterna.
No dia seguinte à noite em que o nada habitou o meu tudo, saí de casa, passei a chave na porta que, anteriormente iludiu-me com seu melódico ranger e já estava na rua, em frente ao prédio em que morava. Meu desejo era vê-la, abraçá-la, beijá-la e dizer meu sentimento por ela - gritei. O primeiro pensamento que me veio ao viajar meus olhos naquelas folhas bem desenhadas foi o de recordação do nosso canto desajeitado; com as lascas apodrecidas e mal distribuídas vi-me apanhando nossas roupas, enquanto ela dormia de modo profundo na nossa cama de solteiro. Insetos a cercar a árvore de minha estada, o tempo a virar e a persistência do nada em prevalecer ante meu tudo.
Aquela inquiriçao não havia partido de mim. Enquanto o vento gelado vinha a refrescar minha face, eu encolhia meus olhos, mantendo-os entreabertos e xingava em mais um silêncio a atitude não-programada da pessoa que amei. Pois, eu a amei de um jeito em que as palavras faltam no momento mais decisivo da vida. De meus pensamentos, agora, brotavam exortações imaduras do tipo: "cresça; aprenda a amar por amar! Não te prendas a mim se não queres sofrer!". Tudo o que devia dizer horas antes mas, por indolência, preferi o choro, logo depois de ela bater a porta a fugir para nunca mais.
Os primeiros pingos começam a atingir a rua, fixando-se no asfalto e formando as primeiras poças de água. O cheiro do ar muda. As pessoas começam a correr, protegendo a cabeça com a baliza repleta de documentos imprescíndiveis ao progresso da nação: contratos, demonstrativos bancários, propostas de compra e venda. Pela folhagem da paineira os minúsculos rios escorrem , encontram-se com outros rios de tamanhos diversos e criam gotas gigantescas. os insetos pousados pelo tronco da árvore precenciam a queda de oceanos à terra e, eu fico inquieto, trocando a espectativa de reencontro pela desilusão; meus olhos transbordam dor. Numa tentativa irracional, volto meus olhos ao alto, na direção daquela varanda: a placa escrita "vende-se" continua lá, presa com arames no cercado, no anti-penúltimo andar daquele conjunto de três andares. Alguns metros são percorridos por mim até a entrada, onde existira um funcionário de conversa agradável e, com o qual dividia algumas xícaras de café durante o expediente do mesmo. Entro, subo os dois degraus que dá para o hall, subo outro lance de escada, divida por um patamar, retiro de um dos bolsos da calça as chaves do meu desalento, abro a porta. Meses antes, o cheiro sentido ao escancarar a entrada de meu paraíso era de perfume feminino. Direciono o olhar para a varanda, a janela aberta, o ruído provocado pelo vento surrando a placa de madeira barata, envolta por pedaços de arame nas suas quatro extremidades... Repasso a chave na porta do meu quarto, encosto a porta, troco de roupas. A cama forrada com um lençol retorcido convida meu corpo a deitar.. As horas passam... Adormeço. A porta abre, dispertando-me pelo seu rangido. Levanto-me devagar, vou em direção a porta do meu quarto escuro, olho pra varanda, a janela aberta, o vento forte... E ela, há muito se foi.
Submited by
Prosas :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 1132 reads
other contents of robsondesouza
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Meditación | Os sons | 1 | 674 | 06/26/2010 - 18:15 | Portuguese | |
Poesia/Aforismo | Momento e palavras | 1 | 820 | 06/22/2010 - 14:53 | Portuguese | |
Poesia/General | Uma dose de esperança | 0 | 646 | 06/21/2010 - 20:18 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | CRISE | 3 | 789 | 06/08/2010 - 00:05 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Beijo lançado ao ar | 0 | 713 | 05/28/2010 - 19:07 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | O barco e o mar | 0 | 743 | 05/26/2010 - 18:19 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Quando a solidão insiste em ficar ao lado | 1 | 572 | 04/26/2010 - 01:50 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | E quando falta a inspiração, o que fazer? | 3 | 611 | 04/24/2010 - 12:04 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Rapidíssimo | 2 | 579 | 04/19/2010 - 14:25 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Poesia Autodestrutiva (Última parte) | 1 | 645 | 04/14/2010 - 03:53 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Poesia Autodestrutiva (2 ª parte) | 1 | 752 | 04/13/2010 - 19:46 | Portuguese | |
Poesia/General | Reverberações | 2 | 506 | 04/12/2010 - 16:24 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Poesia Autodestrutiva (1 ª parte) | 0 | 884 | 04/12/2010 - 15:52 | Portuguese | |
Poesia/Dedicada | Voa vento na virada da vida | 5 | 605 | 04/12/2010 - 15:11 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Renovando os votos com a poesia | 1 | 589 | 04/10/2010 - 09:37 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Ataque de autocontrole | 4 | 624 | 04/06/2010 - 16:37 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Existe no meu caderno uma folha escrita em branco | 3 | 841 | 04/05/2010 - 17:30 | Portuguese | |
Poesia/General | Desapercebi | 7 | 756 | 04/01/2010 - 17:46 | Portuguese | |
Poesia/Meditación | Não estou a dizer insignificâncias | 1 | 732 | 03/29/2010 - 16:10 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Certeza de um momento igual a outro qualquer | 3 | 769 | 03/28/2010 - 02:02 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Segredos a ti | 2 | 792 | 03/27/2010 - 17:13 | Portuguese | |
Poesia/General | Espécie extinguida à continuidade | 2 | 713 | 03/27/2010 - 09:58 | Portuguese | |
Poesia/General | Serenata cantada na entrada de fora do amor | 2 | 477 | 03/26/2010 - 08:48 | Portuguese | |
Poesia/Tristeza | Corpo atirado ao mar do desprezo | 9 | 869 | 03/24/2010 - 23:53 | Portuguese | |
Poesia/Desilusión | Resta esta lembrança | 4 | 625 | 03/23/2010 - 15:20 | Portuguese |
- « primera
- ‹ anterior
- 1
- 2
- 3
- 4
- 5
- 6
- 7
- siguiente ›
- última »
Add comment