Por Ti Seguirei... (8º episódio)

(continuação de http://galgacourelas.blogs.sapo.pt/36591.html)

...
Um pouco antes de raiar o dia, já a maioria dos indivíduos se erguera e o acampamento estava praticamente desmantelado.
Ainda pairavam no ar os fumos e as folias e as risadas da noite anterior. A tensão escorrera tão rápido como a cerveja e o hidromel e, na nova alvorada, os olhares estavam descontraídos, embora algo toldados e doridos, por força dos excessos.
Rubínia quase esbarrou em Zímio quando saia do abrigo improvisado. Na verdade, o lacaio acompanhara o círculo total da Lua no céu da noite, enquanto zelava pela segurança da sua senhora. A paz parecia próspera, mas nunca se poderia ter a certeza… Dormitaria mais tarde no dorso do cavalo, assim que alcançassem planície aberta.
Decorrido algum tempo, o necessário para terminar a preparação da viagem, a toma de algum alimento e o ensaio de alguns gestos – raros – de higiene, Alépio convocou os ilustres para planearem a etapa seguinte.
Resolveu reuni-los junto a um grande monumento, construído por gentes de tempos longínquos. Pareciam mesas imponentes. Feitas por gigantes, certamente. Para lá dos Montes Pirenaicos chamavam-lhes dólmenes e diziam que marcavam locais sagradas. Queria assim, Alépio, impregnar o momento, de memória dos acontecimentos ocorridos na noite anterior e de decisão sobre os dias que se seguiriam, com o halo divino e dar-lhe um cunho cerimonial.
Foram lestos a responder ao chamado do líder da expedição. Gurri, acompanhado por Urtize, deu por finda a espera e o início da assembleia. Dirigiu-se de imediato aos presentes: - “Agora que estou pela vossa causa, enviei dois emissários ao chefe supremo do meu povo. Irão testemunhar as façanhas aqui vividas e comunicar a razão dos meus votos e obediência a Rubínia, a partir de hoje. Comigo, seguem também os meus homens, cumprindo a tradição da partilha das sortes.” Sentou-se num marrão de granito, com travesseiro de musgo.
- “Não te tenho por súbdito, Gurri”, disse Rubínia, com um leve sorriso. - “És - como sempre foste – livre. Um guerreiro morre se lhe suprimirem a liberdade. E é nisso que quero que me ajudes: não deixarei que Tongídio continue preso pelos miseráveis Romanos. Morrerá pela simples sujeição, morrerá pela condição de cativo. Revela-nos agora o que sabes sobre o grupo do meu marido”.
- “Muito bem, assim o farei. Dei a minha palavra. E não só vos darei notícia do que se passou após a emboscada, como irei convosco até ao local onde os têm enclausurados. Mas teremos de ser rápidos… Podem partir a qualquer momento.
Após o assalto traiçoeiro dos Romanos ao corpo expedicionário de Aníbal, os Cartagineses e aliados que sobreviveram fugiram e dispersaram para a Ibéria, pelo sopé dos Montes Pirenaicos. Os algozes que os perseguiram pretendiam dar um golpe fatal ao General, porém não o conseguiram alcançar e viram escapar muitos dos seus guerreiros para Sul. Com isso, perderam a época própria para atravessar a montanha, de regresso aos domínios de Roma. A solução foi construir alguns campos fortificados para passarem o Inverno.
Para desgraça das nossas pátrias, os Arévacos, falsos com os do seu sangue e aduladores com o inimigo, viram uma oportunidade de riqueza e expansão na amizade com o Romanos, tornando-se seus aliados. Os de Roma, astutos, aproveitaram-se da ingenuidade dos Arévacos para assentar bases de povoamento mais duradoiras e ficaram em permanência em solo peninsular. Assim, em vez de partirem os itálicos que por aqui estavam à espera do degelo, a Primavera acabou por trazer ainda mais Romanos pela rota Pirenaica. As terras que estamos prestes a trilhar estão, por estes dias, pejadas de colónias romanas, constituídas por gentes de todas as artes. Prósperas e que se fixaram rapidamente como raízes de silva, propagando-se pelo terreno como praga daninha.
Não é minha a decisão, mas se mantiverdes os planos, ireis ao encontro do vosso fim. Os Arévacos aguardam-vos, com os Romanos novamente emboscados”.
- “Malditos! Preparam-se para nova ignomínia!” – vociferou Alépio. - “Desta vez não vão ter o sacrifício dos incautos, por Larauco! Eles é que serão espezinhados, como baratas entre mós de farinha… E a ti o devemos, Gurri. Obrigado, serás credor da nossa amizade e esforço, sempre que necessário”.
- “E… sobre Tongídio?” – perguntou Rubínia, em timbre cortado, pálida e apreensiva com tudo o que ouvira.
O Vacceu olhou para a interlocutora: - “Pois, Tongídio e os restantes… É por isso que temos de ser céleres. Sabemos que pretendem levá-los para Roma, como escravos destinados às tarefas mais árduas e exigentes: as galeras e as lutas de gladiadores.
Como têm receio das trirremes de Cartago, não ousam fazer-se ao Mediterrâneo. Vão efectuar a viagem por terra. Assim que acumulem tropas suficientes do lado de cá, parte um grupo com os prisioneiros para Roma”.
- “E sabes o local exacto onde estão, Gurri”.
- “Sim, Rubínia. Temos laços de parentesco com os Arévacos. Alguns dos meus familiares que com eles vivem relataram com grande precisão a localização e as condições do cárcere desses prisioneiros. Reuniram-nos num campo entrincheirado e bem guardado, próximo da entrada nos Montes Pirenaicos. Têm uma forte guarnição, porém estão por sua conta própria: o campo romano mais próximo fica a 2 dias de marcha”.
Alépio tomou a palavra: - “Julgo ser de bom senso considerarmos que, face à actual situação, o movimento de um grande número de soldados pelo território inimigo será instigador de reacção dos Romanos. Temos de os manter na expectativa da nossa chegada à sua armadilha, contorná-los por Sul e aproveitar essa sua distracção para libertar os prisioneiros, na sua retaguarda. Como poderemos concretizá-lo? Bem julgo que temos de ser ainda mais ardilosos e intrépidos do que os legionários”. – Disse com olhar matreiro …E passou à explicação do seu plano.
Alépio decidiu que encaminharia o grosso da hoste ao encontro de Aníbal, em Nova Cartago. Ele e algumas dezenas de homens do seu clã, apoiados pelo grupo de Vacceus, iriam acercar-se do campo romano onde retinham os prisioneiros, procurando resgatá-los. Lá chegados e conhecedores das circunstâncias, pensariam na melhor forma de o realizarem.
Gurri sugeriu enviar alguns dos seus homens junto dos Arávacos, como vanguarda. Desta forma, garantiam ao inimigo que as tropas de Aníbal seguiriam, ingénuos, direitos ao engodo. Contudo, os Vacceus informariam que estavam atrasados por razão de serem mal liderados, tremendamente desorganizados, porquanto se debatiam com disputas internas. Dariam uma imagem de serem uma presa fácil, iludindo-os no esforço da cilada ou mesmo na iniciativa de ataque e afastando-os dos acontecimentos que se iriam passar a Nascente.
Todos aprovaram a ideia.
Foi em vão que Alépio tentou persuadir Rubínia a acompanhar o grosso da força até Nova Cartago.
- “Pelos deuses se não estarei no local certo quando Tongídio reencontrar a liberdade! Partamos o quanto antes, para aproveitar bem a luz do dia. Quero estar com o meu marido daqui a 10 luas! ”
Irredutível, Rubínia saltou para a garupa do cavalo e colocou-se em posição de marcha. Zímio secundou-a. Alépio e os presentes, inclusive o sisudo Gurri, deixaram escapar uma leve risada.
Com os preparativos para a jornada terminados, fizeram-se ao caminho já a manhã se aproximava do seu meio-termo. Seguiram para Sul, com excepção dos Vacceus que foram directos ao inimigo, para Leste. Urtize conduzia este pequeno grupo.
A coluna traçou a direcção mais curta para Nova Cartago. Continuaram todos juntos durante dois dias. Já na meseta central da Ibéria, Alépio entendeu que estavam a Sul o suficiente para que os Arévacos e os Romanos não dessem pela sua passagem.
O contingente seleccionado dirigiu-se então direito aos Montes Pirenaicos e ao destino que tinha por missão. A coluna principal continuou para Sul, liderada por Frojo, braço direito de Alépio.
Ao fim de mais três dias, surgiram aos longe uns cabeços sombrios no horizonte. Eram os topos dos Montes Pirenaicos. Em breve chegariam à sua base. Nessa noite, o acampamento já estaria bordejado pela montanha íngreme.
Enquanto tomavam uma refeição frugal, para evitar acender fogueiras, começaram a comentar o que se seguiria. Um luar brilhante substituía o fogo, como iluminação.
- “Pela informação do pastor com quem cruzamos durante a tarde, o campo fortificado romano localiza-se a meio dia de marcha deste ponto. Proponho que o alcancemos já amanhã, pelo zénite do Sol. Lá chegados, observaremos as redondezas e o aparelho militar. Se for possível, arranjaremos maneira de nos esgueirarmos lá para dentro, para recolhermos o máximo de informação possível”, assegurou Alépio, acolhendo a aprovação de todos.
E as conversas ficaram por ali. Cada qual remeteu-se ao silêncio e adormeceu a imaginar todas as possíveis variantes da aventura do dia seguinte.

(continua...)

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Viernes, Julio 30, 2010 - 13:52

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