O Ciúme

Agora, que ninguém vos interrompe,
Lágrimas tristes, inundai-me o rosto,
Mais do que nunca assim o quer meu Fado.
Enquanto o gume de mortal desgosto
Me não retalha os amargosos dias,
Debaixo destas árvores sombrias
Grite meu coração desesperado,

Meu coração cativo,
Que só tem nos seus ais seu lenitivo.
Alterosas, frutíferas palmeiras,
Vós, que na glória equivaleis aos louros,
Vós, que sois dos heróis mais cobiçadas
Que áureos diademas, que reais tesouros,
Escutai meus tormentos, meus queixumes,
Meus venerosos, infernais ciúmes,
Ouvi mil penas, por Amor forjadas,
Mil suspiros, mais tristes
Que todos esses, que até'qui me ouvistes.

Aqueles campos, aprazíveis campos,
Que além verdejam, de meu mal souberam
A desgraçada mas suave origem;
Ali de uns olhos os meus ais nasceram,
Ali de um meigo, encantador sorriso,
Que arremeda o sereno paraíso,
Brotaram mil infernos, que me afligem,
Que as entranhas me abrasam,
Que meus olhos de lágrimas arrasam;

Ali de uns lábios, onde as Graças brincam,
Ouvi suspiros, granjeei favores,
Ali me disse Anarda o que eu não digo;
Ali, volvendo os ninhos dos Amores,
Cravou nesta alma, para sempre acesa,
As perigosas frechas da beleza;
Ali do próprio mal me fez amigo,
Ali banhou meu rosto
Parte do coração, desfeita em gosto,

Novas campinas testemunhas foram
De nova glória, de maior ventura,
Tal, que julguei, logrando-a, que sonhava.
Entre as doces prisões da formosura,
Entre os cândidos braços deleitosos,
Meus crestados desejos amorosos
No alvo rosto, que o pejo afogueava,
No néctar... Ah! Que eu morro,
Se em vós, furtivos êxtases, discorro.

Amor! Amor! Teus júbilos excedem
Da loira abelha os engenhosos favos,
Mais gratos são, que as flores, teus sorrisos.
Gostei todos os bens que aos teus escravos
Fazem tão leve a rígida cadeia,
Tão doce a chama, que no peito ondeia;
Mas oh! Cruéis teus dons, cruéis teus risos,
Princípio do tormento,
Que já me tem delido o sofrimento.

Miserável de mim! Qual o piloto,
Que lera nos azuis, filtrados ares
Indícios de uma sólida bonança,
E eis que vê de repente inchar os mares,
Vestir-se o céu de nuvens, donde chove
O fogo vingador, que vibra Jove,
Tal eu, quando supus mais segurança
No meu contentamento,
O vi fugir nas asas de um momento.

Anarda, Anarda pérfida, teus olhos,
Onde Amor traz escrita a minha Sorte,
Teus mimos por mim só não são gozados!
Oh desesperação, pior que a morte!
Oh danados espíritos funestos,
De hórridos vultos, de terríveis gestos,
Moderai vossa queixa, e vossos brados,
Que as penas do profundo
Também, também se encontram cá no mundo.

Ver outro disputar-me o caro objecto,
Em cujas lindas mãos pus alma e vida,
Não me arranca suspiros: o tormento,
Que no peito me faz mortal ferida,
O maior dos tormentos, ó perjura,
É ver que de outrem sofres a ternura,
É ver que dás calor, que dás alento
A seus mimos e amores
C'um riso, percursor de mil favores.

Tu não foges de mim, tu não te esquivas
Destes olhos, que em ti cativos andam;
Delícias, onde pasma o pensamento,
Doces instantes meu ciúme abrandam;
Mas ah! Não é só minha esta ventura,
Meu vaidoso rival a tem segura.
Que indigna variedade! Em um momento
Teus olhos inconstantes
Acarinham sem pejo a dois amantes.

Honra, virtude, agravo e desengano
Me gritam n'alma que sacuda os laços,
Que tanto sofrimento é já vileza.
Oiço-os, protesto desdenhar teus braços,
Protesto, ingrata, converter meus cultos
Em mil desprezos, irrisões e insultos;
Mas ah protestos vãos! Baldada empresa!
Sou a amar-te obrigado:
Não é loucura o meu amor, é Fado.

Canção, vai suspirar de Anarda aos Lares;
Mas se não lhe firmares
O instável coração, deixa a perjura,
E iremos sossegar na sepultura.

Bocage

Submited by

Viernes, Abril 10, 2009 - 00:30

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

Bocage

Imagen de Bocage
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 13 años 46 semanas
Integró: 10/12/2008
Posts:
Points: 1162

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of Bocage

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia Consagrada/General GLOSAS LIII 0 420 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS LIV 0 1.208 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXX 0 2.690 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXI 0 503 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXII 0 984 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXIII 0 796 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXIV 0 882 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXV 0 917 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXVI 0 992 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXVII 0 863 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXVIII 0 492 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXXIX 0 988 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XL 0 1.177 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLI 0 770 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XLII 0 1.497 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XVI 0 1.263 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XVII 0 1.243 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XVIII 0 961 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XIX 0 1.072 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XX 0 834 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXI 0 765 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXII 0 827 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXIII 0 1.079 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXIV 0 831 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General GLOSAS XXV 0 724 11/19/2010 - 16:55 Portuguese