FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - II
AFFONSO HENRIQUES
Ou
A CONQUISTA DE LISBOA
(DRAMA HISTORICO)
SCENA II
Ligel, Arnaldo e os precedentes
ARNALDO
Meu rei, vencemos!... Foi teu nome
Principio do triumpho portentoso,
E a nossa intrepidez foi seu remate:
O mouro usurpador, cedendo o campo,
Fiou dos leves pés um debil resto
Do exercito feroz, que jaz por terra.
Com que prazer, senhor, com que transporte
Teus guerreiros magnanimos travaram
O conflicto mortal, que os fez eternos !
Fervor de antecipar-te o ledo aviso
Fez com que eu precedesse a marcha sua;
Mas em breve os verás: em breve ás plantas
Do nosso digno rei virão depôr-se
As bandeiras ao barbaro arrancados,
As armas, os trophéos, os prisioneiros.
(Tu murmuras, amor ! Ah ! Soffre, e cala).
1 Nada mais achei pertencente a esta primeira scena. —
(Nota de Pato Moniz).
AFFONSO
Tuas claras acções, mancebo illustre,
Já te vão franqueando a eternidade;
Na classe dos heroes logar te assignam.
A modestia gentil de que te adornas
Supprime a narração da gloria tua;
Mas o teu rei, que te ama, e que te admira,
Da tua. voz exige as circumstancias
Do feito denodado em que luziste:
Falia pois, o triumpho se renove
Pela bocca do heróe, que o fez completo.
Dignamente de ti fallar tu pódes:
Tem direito a louvar-se o que é louvavel.
ARNALDO
Mais por obedecer no teu preceito
Que para me exaltar, para exprimir-te
A justa execução de meus deveres,
Te figuro, senhor, o atroz combate.
A dar prompto soccorro áquelles muros
Torrados esquadrões se arremessavam
Com bruto ardor, com horrido alarido:
Eis em longa planicie os avistamos
Por entre o denso pó, que vae subindo
Do chão revolto; e subito inflammados
Os teus, em cuja frente me abalanço,
Ao signal, que lhes dou, vozeam, correm;
Com fervoroso espirito proferem
Em terrivel clamor:—«Affonso ! Affouso !»
E aos barbaros se arrojam n'um momento:
Levanta a chusma vil mais altos gritos;
E, com desprezo o numero notando
Tantas vezes menor, que se lhe arrosta,
Já divide entre si nossos despojos;
Mas a imaginação decáe no effeito:
Ao principio, senhor, d'um lado, e d'outro
A victoria pendeu como indecisa:
Mas, crescendo o furor na resistencia,
Depressa o portuguez arrebatado
A causa decidiu, desfez o enleio;
Espadanas de sangue a terra ensopam;
Voam braços, cabeças, fervem mortes;
N'um theatro de horror se torna o campo;
Parece transferir-se ali o inferno !
Em fim terror geral, geral destroço
Na fuga aqui, e ali semêa, espalha
As reliquias do exercito nefando:
Algum tempo implacaveis o acoçamos,
Unindo em muitos peitos morte, e medo;
Mas, fartos de matar sem resistencia,
Vendo que só no risco existe a gloria,
A furia suspendemos; e voltando
Aos nossos arraiaes com mil despojos,
Buscámos, conseguimos, gran monarcha.
No teu contentamento o premio nosso.
AFFONSO
O meu prazer não só, tambem meus braços
Devem ser galardão do que te escuto,
A teus nobres extremos costumado
Meu coração previu teu lustre novo:
Venturoso de um pae, que em ti prolonga
A moral duração melhor que a vida !
E' jubilo sem par vêrmos que brilham
Mais que nossos avós os filhos nossos.
A Moniz este jubilo compete,
O heroismo, que herdou, por ti se apura.
MONIZ
Dos braços do teu rei já foste honrado,
Está já satisfeita a gloria tua;
Satisfaze tambem o amor paterno:
Vem, abraça teu pae, banha este rosto,
Banha estas cãs de lagrimas suaves,
Lagrimas da alegria, e da ternura.
Seus fructos produziu minha esperança,
Qual vêr-te desejei te vêm meus olhos:
Ferreo somno da morte embora os cerre,
Em ti deixo um heróe, comtigo ficam
Meu sangue, meu fervor, meus sentimentos,
E um braço mais funesto aos inimigos,
Mais prestadio á patria. Amado filho,
Fallece a voz, o coração não póde
Com tão novo prazer; e, a ti correndo,
Nas lagrimas, que verto, se derrete.
ARNALDO
Doctrinado por ti, de ti nascido,
Que menos pela patria ousar podéra?
Graças envio aos céos por vêr-me digno
Da tua educação, dos teus extremos,
Do heroe, do pae, que ao longe imito apenas.
Mas permitte, senhor, que se dividam
Tambem pela amisade os meus affectos;
Que do excelso varão, que me honra tanto,
O bem da gratidão nos braços goste.
GUILHERME
Heroe, fructo d'heroes, eu te esperava
Como sempre te vi, qual és, qual foste.
Une a mão vencedora á mão do amigo,
Que não menos que tu teus louros gosa.
AFFONSO
As bellicas trombetas perto sôam:
Logremos e espectaculo pomposo
Dos guerreiros christãos, em quem revive
Da antiga Lusitania o bravo esforço.
No adequado louvor comece o premio
Das illustres fadigas, que os affamam:
Multiplica os heróes louvor, e exemplo.
MONIZ
Eis, senhor, teus intrepidos soldados,
Que, affeitos a vencer, trazem no rosto
Para os triumphos seus desdem sublime:
Vê como nas guerreiras, crespas frontes
Da gloria do seu rei brilha o reflexo. 1
AFFONSO 2
Redemptores da patria, ah ! Vinde, vinde
Em nossos corações dobrar o alento,
O alento executor d'altas façanhas.
Vossos terriveis braços, despedindo
Inevitaveis golpes, vos grangeam
Memoria perduravel, fama eterna:.
Aos estragos do tempo, ás leis da morte
Imperio não consentem vossos nomes:
Quaes vos vejo brilhar, quaes sois agora
Ireis luzir nos seculos vindouros:
O clarão das acções, que a terra espantam,
Rompendo a nevoa da remota edade,
Aos tardos, animosos descendentes
De heroica emulação será fomento;
Unido ao vosso exemplo o sangue vosso
Heróes produzirá, que heróes produzam;
Serie pasmosa de varões sublimes
Dareis ao mundo; morrerão com elle:
Acceza a phantasia o diz, o augura:
Nada menos que vós de vós se espera.
Ide em curto repouso apparelhar-vos
Para novo esplendor, fadigas novas.
Tu, Moniz, me acompanha: os meus projectos
Pela exp'riencia tua aperfeiçôo.
Tu, principe, depois que saciado
Houveres da amisade os sentimentos,
Livremente abraçando o caro amigo,
Teus guerreiros fieis dispõe, e ordena
Para o férvido assalto.
1 Vão passando os soldados.
2 Saindo eom os officiaes ao campo a encontral-os.
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