sete dias de bicicleta pelo caminho de Santiago francês
(sete dias de bicicleta em duas etapas, 1.077 km pelo Caminho de Santiago Francês)
Quase esquecera a negra representação do peregrino com mazelas sentado no banco da praça central de Burgos e as ruas de grandes lajes soltas que rodeavam a grandiosa Catedral; estava de novo no caminho que tinha largado um ano antes, era de madrugada e não via claramente a paisagem iluminada pela lua em quarto crescente mas parecia-lhe plana, inóspita e silenciosa, como as caladas corujas a darem-lhe as boas-vindas quando iniciou o caminho em direcção a Finisterra, sentia uma sensação de solidão e fragilidade perante a noite e o desconhecido que parecia repudiar mas, por contrario o atraía, tal qual uma mariposa perante uma candeeiro aceso, também ele não sabia que poderia queimar as asas no voar.
Parecia ter decorrido uma eternidade desde que o comboio “sud’express”…o mesmo, velho e acabado trem que o deixou agora em Burgos e há um ano atrás o apeou em Irun/Hendaye, daí pedalou por colinas de pedras, montes de ervas verdes e vales fundos em manhãs insofismáveis e vinhedos de uma Rioja inflamada por sóis que queimavam a pele e ressuscitavam almas de Lázaros e peregrinos. Cruzou no País basco o “coast to coast” outro caminho que estava realizando do Atlântico ao Mediterrâneo e nesse ano de 2010 não tinha corrido pelo melhor com um pé torcido e um regresso antecipado, esperava o ano seguinte para fazer melhor e tentar chegar o mais depressa que pudesse a Cap de creus, perto de Girona .
Chegou a Leon de noite tendo percorrido um planalto semi-deserto e quente com poucas sombras. A estrada romana rectilínea ainda se conservava em bom estado nalguns troços ,enquanto noutros as pedras soltas dificultavam a normal posição de sentado na bicicleta, teve de fazer quase cem quilómetros protegendo-se da trepidação, foi difícil mas sabia que depois de passar por este sofrimento chegaria rapidamente ao fim.
O Albergue municipal de Leon era num acinzentado edifício da revolução industrial, uma reabilitação recente transformara-o num dormitório moderno embora sem o admirável cheiro a bafio e ranço característico de tantos outros lugares medievos e com estórias tamanhas para contar como por exemplo o de Roncesvalles, um antigo estábulo de cavalos convertido em dormitório.
As portas da Galiza empinaram-se subitamente e substancialmente antes de piedrafita de Cebreiro,não consegue superar esta parte antes do fim do dia ,a noite é passada num albergue na aldeia de Ruitelén de Herrerías , denominado “o pequeno Potala” gerido por um ANTONY QUINN que fazia lembrar o Grande Zorba Grego, com voz de trovão, o acordar aqui fez-se pelas 5 da manhã com árias de Maria Callas e Montserrat Caballé ,foi um despertar glorioso como convinha, para o terceiro e ultimo dia até Santiago de Compostela .
Sentia-se muito animado com o sucesso das últimas etapas (estava escrito a amarelo “ânimo” em muitos muros) faltava apenas um último dia de esforço e depois a continuação para Finisterra (81 km)
Foi um sobe e desce escalonado, rápido e rotineiro, contou os metros ganhos hora a hora e a custo no meio de floresta mais ou menos densa e caminhos curvados, jogou o corpo na aposta de chegar.
O saldo do sofrido sacerdócio final sentiu-o na emoção de ver o Mar da costa da Morte em Finisterra e não era de forma alguma comparável á chegada a Santiago, tinha atravessado um caminho de migração milenar desde o cantábrico em Irun ao Atlântico e a recompensa estava ali naquele cabo, rodeado completamente pelo nevoeiro, fez as últimas pedaladas sob uma chuva miúda que contrastou com o calor rutilante da meseta central Espanhola.
Voltava para casa com o sonho de iniciar outra aventura mais distante “a rota da seda” de Beijin a Istambul por desertos e guerras, 12.000 km em muitas etapas mas estava decidido a fazê-lo a todo o custo.
Jorge Santos (Setembro 2010)
http://namastibetpoems.blogspot.com
Submited by
Prosas :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 3016 reads
other contents of Joel
Tema | Título | Respuestas | Lecturas | Último envío | Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Ministério da Poesia/General | Atrás de mim Gigantes | 200 | 2.887 | 05/16/2019 - 11:16 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Qual viagem… | 390 | 3.339 | 05/11/2019 - 16:37 | Portuguese | |
Poesia/General | Morto vivo eu já sou … | 496 | 3.714 | 05/09/2019 - 11:06 | Portuguese | |
Poesia/General | Tesoureiros da luz, | 677 | 11.475 | 05/09/2019 - 10:59 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Na extrema qu’esta minh’alma possui. | 156 | 2.158 | 04/24/2019 - 20:03 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Como rei deposto numa nação de rosas ... | 266 | 6.965 | 04/23/2019 - 09:37 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Por amor ao meu país… | 230 | 4.023 | 04/23/2019 - 09:05 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Posso soltar as asas… | 330 | 3.215 | 04/14/2019 - 19:58 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Frágil | 353 | 5.111 | 04/14/2019 - 19:53 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | O Cavaleiro da Dinamarca. | 780 | 3.801 | 04/14/2019 - 19:52 | Portuguese | |
Poesia/General | (Vive la France) | 465 | 4.378 | 04/14/2019 - 19:48 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Calmo | 332 | 3.038 | 04/14/2019 - 19:46 | Portuguese | |
Poesia/General | A ilusão do Salmão ... | 544 | 3.581 | 04/14/2019 - 19:45 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Sofro por não ter falta , | 612 | 4.979 | 04/13/2019 - 11:39 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Ridículo q.b. | 509 | 3.860 | 04/12/2019 - 16:22 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | À dimensão do horto … | 347 | 6.875 | 04/11/2019 - 09:45 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Trago em mim dentro | 771 | 4.949 | 04/10/2019 - 10:53 | Portuguese | |
Poesia/General | Último Poema | 435 | 3.820 | 04/10/2019 - 10:50 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Colossal o Oceano, | 434 | 3.757 | 04/10/2019 - 10:49 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | O Gebo e o Sonho. | 404 | 3.931 | 04/10/2019 - 10:48 | Portuguese | |
Ministério da Poesia/General | Convenço, convencei, convençai… | 491 | 3.615 | 04/09/2019 - 12:00 | Portuguese | |
Poesia/General | Certidão de procedência | 406 | 3.145 | 04/09/2019 - 11:58 | Portuguese | |
Poesia/General | - Papoila é nome de guerra - | 359 | 36.159 | 04/09/2019 - 11:56 | Portuguese | |
Poesia/General | Como terra me quero, descalço e baixo ... | 480 | 2.123 | 04/09/2019 - 11:52 | Portuguese | |
Poesia/General | O erro de Descartes | 479 | 2.820 | 04/09/2019 - 11:49 | Portuguese |
Add comment