CRÔNICA DA INFÂNCIA: A RUA DO CORREIO¹

         Nasci em Pernambuco, no sertão do Rio Pajeú, no município de Serra Talhada; cidade nascida de um Povoado chamado Vila Bela, terra de Lampião, batizado com o nome de Virgulino Ferreira da Silva: o “Rei do Cangaço”. Lá, de verde, na época seca, só o mandacaru, xique - xique, coroa – de – frade e avelóz. Um mundo perdido e cinzento de poeira, árvores sem folhas e terras secas, esturricadas e sem água.
           Mas não é disso que me reporto agora, mas da Rua do Correio, a rua mais importante do mundo, porque era a nossa rua. Na Rua do Correio, tinha de tudo. Tinha os amigos de infância: o sábio Bartinha - exímio desenhista e escritor de peças de teatro, fundador do TAST – Teatro de Amadores de Serra Talhada e do grupo dos Escoteiros Mirins que tinha como guia o Manual dos Escoteiros Mirins de Walt Disney -; o Don Juan Nequinho de Fia – namorador das meninas mais bonitas da cidade e que perdeu um baile de carnaval por causa de uma esporada de um galo –; o sentimental Ninho – cientista e inventor mirim que morava numa rua transversal à nossa -, bem como os colegas; porque existem amigos e colegas; “colegas são aqueles que procuramos para matar o tempo, e amigos são aqueles que procuramos com horas para viver²”.
           Na Rua do Correio tinha as brincadeiras: Garrafão, Rouba Bandeira, Bolas de Gude, Pião – os piões da marca Santa – Catarina, que pintávamos com listras de várias cores usando lápis de cera -, futebol de rua, e muitas outras. Tudo isso tinha na Rua do Correio, a rua mais importante do mundo, porque era a nossa rua.
          Na Rua do Correio também tinha artistas como: Assisão – cantor de forró que ficou famoso e gravou disco -, Ivan – hoje artista famoso do programa “A Praça é Nossa”, que faz o papel de “Batoré,” e que morava no beco do rio, contíguo à nossa rua -, sem contar com o colega Antonio Mocinha, que não virou artista, mas era um grande violonista, o qual acompanhávamos, às vezes, pela madrugada, fazendo serenata na porta das meninas da cidade, comendo farofa de piaba pescada no Rio Pajeú e bebendo Montila com Coca - Cola – a bebida da moda na época.
           Na Rua do Correio também andavam amigos, que não moravam na nossa rua, mas eram amigos, como o exótico Antonio Galinha – comedor de flores inveterado e grande mágico dos espetáculos mirins. Tinha a USE – União Serra - Talhadense de Estudantes - um casarão antigo onde na parede constava uma pintura preta com a silhueta dos Beatles; e nós que éramos pequenos, não podíamos dançar ainda, ficávamos nas janelas observando os estudantes que vinham de Recife nas férias dançar ao som das músicas de The Fevers, Renato e Seus Blue Caps e os Incríveis – lá era clube de jogos e lazer para os estudantes daquela época. Tinha a Igreja Nossa Senhora do Rosário – com a Praça da Igrejinha -, onde depois foi construído o novo Cine Arte, um dos dois cinemas da cidade. Tinha a casa de seu Lourinho – dono do Cine Plaza, o outro cinema da cidade -, a casa de João Berilo – O colega que virava urso fantasiado no carnaval -, tinha de tudo na Rua do Correio, a rua mais importante do mundo, porque era a nossa rua.
           A Rua do Correio tinha o Correio – é claro -; o Batalhão da Polícia Militar; a Escolinha de Dona Zuleide, onde, alguns de nós, cursamos a série primária; o Clube dos Velhos; e muitas outras coisas importantes. Tinha figuras exóticas que lá passavam como Badé, um crioulo que passava sempre bem vestido com sapatos que faziam barulho como ferraduras, e que respondia quando perguntavam como era o seu nome: Badé Barbosa de Barros. Contam, também, que lá passou Vilmar Gaia, na sua bicicleta, pistoleiro famoso, que segundo alguns matou mais de 23 pessoas – como sempre por vingança, como era de costume na época.
           Na Rua do Correio havia muita união, as pessoas sentavam nas calçadas em cadeiras de balanço para conversar com os vizinhos, eram solidárias umas com as outras, havia um instinto familiar entre os moradores da rua, coisas que não existem mais hoje em dia nas cidades pequenas do interior. Tinha as festas de aniversários, os batizados, os casamentos, os velórios – que eram tristes mais tinha -, havia um espírito fraternal entre as pessoas da Rua do Correio, a rua mais importante do mundo, porque era a nossa rua.
           Na Rua do Correio tinha, também, os garotos valentões: Elizinho, filho de Coronel Lourinho, os filhos de Luiz de Cecília, que todos se pelavam de medo quando passavam. Tinha as brincadeiras dentro das casas -, além das brincadeiras de rua -, como: cineminha com caixa de madeira usando uma lâmpada queimada vazia com água e outra acesa, ligada na tomada, onde era projetada na parede uma tela com fitas desenhadas em papel manteiga, pelo nosso desenhista e amigo Bartinha; trem fantasma e circo na casa de Tia Carminha; e várias outras. Tinha os gibis que eram trocados nas portas dos cinemas: Tio Patinhas, Pato Donald, Zé Carioca, Bolinha e os Super – Heróis: Fantasma, Batman, Thor, Super – Homem, Tex e muitos outros. Como era bom morar na Rua do Correio, a rua mais importante do mundo, porque era a nossa rua.
           “Oh! que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!³” –, ai que saudades que eu sinto da Rua do Correio, a rua mais importante do mundo, porque era a nossa rua.
 


_________________
¹Trata - se da Rua Coronel Cornélio Soares, no município de Serra Talhada – PE.
² Frase baseada no livro: “O Profeta”, no capítulo “Sobre a Amizade” do escritor Khalil Gibran.
³Trecho do Poema: “Meus Oito Anos”, do poeta Casimiro de Abreu.
 


 

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Miércoles, Marzo 9, 2011 - 21:51

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