Todo mundo é ninguém (Carlos Drummond de Andrade)

(Auto da Lusitânia, de Gil Vicente)

Ninguém: Tu estás a fim de quê ?

Todo Mundo: A fim de coisas buscar
que não consigo topar.
Mas não desisto, porque
O cara tem de teimar.

Ninguém: Me diz teu nome primeiro.

Todo Mundo: Eu me chamo Todo Mundo

e passo o dia e o ano inteiro correndo atrás de dinheiro,

seja limpo ou seja imundo.

Belzebu: Vale a pena dar ciência
e anotar isto bem, por ser fato verdadeiro: Que Ninguém tem consciência
e Todo Mundo, dinheiro.

Ninguém: E o que mais procuras, hem?

Todo Mundo: Procuro poder e glória.

Ninguém: Eu cá não vou nessa história.
Só quero virtude...Amém.

Belzebu: Mas o pai não se ilude
e traça: Livro Segundo.
Busca o poder Todo Mundo
e Ninguém busca virtude.

Ninguém: Que desejas mais, sabido?

Todo Mundo: Minha ação elogiada
Em todo e qualquer sentido.

Ninguém: Prefiro ser repreendido
quando der uma mancada.

Belzebu: Aqui deixo por escrito
o que querem, lado a lado:
Todo Mundo ser louvado
e Ninguém levar um pito.

Ninguém: E que mais, amigo meu?

Todo Mundo: Mais a vida. A vida, olé!

Ninguém: A vida? Não sei o que é.
A morte, conheço eu.

Belzebu: Esta agora é muito forte
e guardo para ser lida:
Todo Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.

Todo Mundo: Também quero o Paraíso,
mas sem ter que me chatear.

Ninguém: E eu, suando pra pagar
minhas faltas de juízo!

Belzebu: Para que sirva de aviso,
mais uma transa se escreve:
Todo Mundo quer Paraíso
e Ninguém paga o que deve.

Todo Mundo: Eu sou vidrado em tapear,
e mentir nasceu comigo.

Ninguém: A verdade eu sempre digo
sem nunca chantagear.

Belzebu: Boto anúncio na cidade,
deste troço curioso:
Todo Mundo é mentiroso
e Ninguém fala a verdade.

Ninguém: Que mais, bicho?

Todo Mundo: Bajular

Ninguém: Eu cá não jogo confete.

Belzebu: Três mais quatro igual a sete.
O programa sai do ar.
Lero lero lero lero,
curro paco paco paco.
Todo Mundo é puxa-saco
e Ninguém quer ser sincero!
 

Submited by

Lunes, Mayo 16, 2011 - 02:08

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 5 años 48 semanas
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Intervención A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 6.347 07/03/2014 - 01:55 Portuguese
Poesia/Intervención Coração avariado 1 3.233 06/25/2014 - 02:09 Portuguese
Poesia/Fantasía Flores bonecas 2 2.310 06/24/2014 - 19:14 Portuguese
Poesia/Intervención Caminho de San Tiago 0 2.942 06/23/2014 - 23:31 Portuguese
Poesia/Soneto Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 3.386 06/20/2014 - 20:04 Portuguese
Poesia/Soneto Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 2.225 06/19/2014 - 22:27 Portuguese
Poesia/Meditación Sonhe (Clarice Lispector) 1 3.522 06/19/2014 - 22:00 Portuguese
Poesia/Intervención Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 3.014 06/19/2014 - 21:44 Portuguese
Poesia/Intervención Precisão (Clarice Lispector) 0 2.920 06/19/2014 - 21:35 Portuguese
Poesia/Meditación Pão dormido, choro contido 1 2.125 06/13/2014 - 03:02 Portuguese
Poesia/Fantasía A dívida 1 2.472 06/12/2014 - 03:52 Portuguese
Poesia/Intervención Eco das Ruas 1 1.642 06/12/2014 - 03:38 Portuguese
Poesia/Aforismo Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 2.569 06/11/2014 - 10:22 Portuguese
Poesia/Aforismo O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 3.385 06/11/2014 - 10:19 Portuguese
Poesia/Intervención Espera... (Florbela Espanca) 0 1.781 03/06/2014 - 10:42 Portuguese
Poesia/Intervención Interrogação (Florbela Espanca) 0 2.756 03/06/2014 - 10:36 Portuguese
Poesia/Intervención Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 1.659 03/06/2014 - 10:32 Portuguese
Poesia/Soneto Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 1.785 03/03/2014 - 12:16 Portuguese
Poesia/Dedicada Arte poética (Juan Gelman) 0 2.371 01/17/2014 - 22:32 Portuguese
Poesia/Dedicada A palavra em armas (Rubén Vela) 0 1.602 01/17/2014 - 22:01 Portuguese
Poesia/Fantasía A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 1.354 12/20/2013 - 11:00 Portuguese
Poesia/Dedicada Aqueles olhos sábios 0 2.219 10/27/2013 - 20:47 Portuguese
Poesia/Pensamientos Asteróides 0 1.821 10/27/2013 - 20:46 Portuguese
Poesia/Pensamientos O que se re-funda não se finda 0 2.151 10/27/2013 - 20:44 Portuguese
Poesia/Intervención Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 2.330 10/15/2013 - 23:14 Portuguese