CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Amor por Anexins - Cena III

CENA III

ISAÍAS e INÊS

INÊS (Vem pronta para sair, ao ver Isaías assusta-se e quer fugir.) — Ai!

ISAÍAS (Embargando-lhe a passagem.) — Ninguém deve correr sem ver de quê.

INÊS — Que quer o senhor aqui?

ISAÍAS — Vim em pessoa saber da resposta de minha carta: quem quer vai e quem não quer manda; quem nunca arriscou nunca perdeu nem ganhou; cautela e caldo de galinha...

INÊS (Interrompendo-o.) — Não tenho resposta alguma que dar! Saia, senhor!

ISAÍAS — Não há carta sem resposta...

INÊS (Correndo à talha e trazendo um púcaro cheio d’água.) — Saia, quando não...

ISAÍAS (Impassível.) — Se me molhar, mais tempo passarei a seu lado; não hei de sair molhado à rua. Eh! eh! Foi buscar lã e saiu tosquiada!...

INÊS — Eu grito!

ISAÍAS — Não faça tal! Não seja tola, que quem o é para si, pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue! Não exponha a sua boa reputação! Veja que sou um rapaz; a um rapaz nada fica mal...

INÊS — O senhor, um rapaz?! O senhor é um velho muito idiota e muito impertinente!

ISAÍAS — O diabo não é tão feio como se pinta...

INÊS — É feio, é!...

ISAÍAS — Quem o feio ama bonito lhe parece.

INÊS — Amá-lo, eu?!... Nunca!...

ISAÍAS — Ninguém diga: desta água não beberei...

INÊS — É abominável! Irra!

ISAÍAS — Água mole em pedra dura, tanto dá...

INÊS — Repugnante!

ISAÍAS — Quem espera sempre alcança.

INÊS — Desengane-se!

ISAÍAS — O futuro a Deus pertence!

INÊS — Há alguém que me estima deveras...

ISAÍAS — Esse alguém (Naturalmente.) sou eu.

INÊS — Era o que faltava! (Suspirando.) Esse alguém...

ISAÍAS — Quem conta um conto acrescenta um ponto...

INÊS — Esse alguém é um moço tão bonito... de tão boas qualidades...

ISAÍAS — Quem elogia a noiva...

INÊS — O senhor forma com ele um verdadeiro contraste.

ISAÍAS — Quem desdenha quer comprar...

INÊS — Comprar! Um homem tão feio!...

ISAÍAS — Feio no corpo, bonito na alma.

INÊS (Sentando-se.) Deus me livre de semelhante marido!

ISAÍAS — Presunção e água benta cada qual toma a que quer... (Senta-se também.)

INÊS (Erguendo-se.) — Ah, o senhor senta-se? Dispõe-se a ficar!

Meu Deus, isto foi um mal que me entrou pela porta!

ISAÍAS (Sempre impassível.) — Há males que vêm para bem.

INÊS — Temo-la travada.

ISAÍAS — Venha sentar-se a meu lado. (Vendo que Inês senta-se longe dele.) Se não quiser, vou eu... (Dispõe-se a aproximar a cadeira.)

INÊS — Pois sim! Não se incomode! (Faz-lhe a vontade.) Não há remédio!

ISAÍAS (Chegando mais a cadeira.) — O que não tem remédio, remediado está.

INÊS (Afastando a sua.) — O que mais deseja?

ISAÍAS — Diga-me cá: o seu noivo?... (Faz-lhe uma cara.)

INÊS — Não entendo.

ISAÍAS — Para bom entendedor meia palavra basta...

INÊS — Mas o senhor nem meia palavra disse!

ISAÍAS — Pergunto se... fala francês...

INÊS — Como?

ISAÍAS — Ora, bolas! Quem é surdo não conversa!

INÊS — Mas a que vem essa pergunta?

ISAÍAS (Naturalmente.) — Quem pergunta quer saber.

INÊS — Ora!

ISAÍAS (Sentencioso.) — Dois sacos vazios não se podem ter de pé.

INÊS — Essa teoria parece-se muito com o senhor.

ISAÍAS — Por quê?

INÊS — Porque já caducou também.

ISAÍAS (Formalizado.) — Então eu já caduquei, menina? Isso é mentira.

INÊS — É verdade.

ISAÍAS — Não é.

INÊS — É.

ISAÍAS — Pois se é, nem todas as verdades se dizem. (Ergue-se e passeia.)

INÊS — Ah! o senhor zanga-se? É porque quer; não me viesse dizer tolices! (Ergue-se.)

ISAÍAS (Interrompendo o seu passeio, solenemente.) — Na casa em que não há pão, todos ralham, ninguém tem razão.

INÊS — Ora! somos ainda muito moços!

ISAÍAS — Quem? nós?

INÊS — (De mau humor.) — Não falo do senhor: falo dele...

ISAÍAS — Ah! fala dele...

INÊS — Havemos de trabalhar um para o outro...

ISAÍAS — É bom, é: Deus ajuda a quem trabalha.

Canto

INÊS — Sem desgosto viveremos,
Seremos ricos, talvez;
Muitos morgados teremos...

ISAÍAS — Mas um só de cada vez...
(Zangado.) A faceira
Talvez convidar-me queira
Para padrinho de algum!

INÊS — E não suponha que, apesar de pobre, não me faça bonitos presentes o meu noivo.

ISAÍAS — É! Quem cabras não tem e cabritos...

INÊS — Insulta-o?

ISAÍAS — Cão danado, todos a ele! Pois eu havia de insultá-lo, senhora?

INÊS — Se estivesse calado...

ISAÍAS — Sim, senhora: em boca fechada não entram mosquitos... mas é que o seu futurozinho me interessa...

INÊS — Muito obrigada. (Senta-se.)

ISAÍAS — Não há de quê. Se bem que eu não seja nenhum Matusalém, estou no caso de lhe dar conselhos. Ouça-me: quem me avisa meu amigo é; quem à boa árvore se chega boa sombra o cobre.

INÊS — Mesmo por já estar no caso de me dar conselhos, é que o não quero para marido.

ISAÍAS — Se eu fosse jovem, não me havia de aceitar, por estar no caso de os receber. Preso por ter cão e preso por não ter!...

INÊS — Não desejo enviuvar de novo...

ISAÍAS — Vaso ruim não quebra...

INÊS — Desengane-se, senhor: não são os seus ditados que me hão de fazer mudar de resolução (Passeia.) Oh! ISAÍAS — (Acompanhando-a.) — Talvez façam, talvez!... Devagar se vai ao longe... muito tolo é quem se cansa... (Inês volta-se, param defronte um do outro.) Menina, antes só do que mal acompanhado... Olhe que o pior cego é aquele que não quer ver...

INÊS (À parte.) — Vou pregar-lhe uma peta. (Alto.) Mas se me faltasse este noivo, outros rapazes há que me têm feito pé-de-alferes.

ISAÍAS — Águas passadas não movem moinhos!

INÊS — E entre eles...

ISAÍAS — O passado, passado!

INÊS — Não me interrompa!... E entre eles há um ricaço que em outro tempo...

ISAÍAS — O tempo que vai não volta!

INÊS — Não me interrompa, já disse! E entre eles há um ricaço que noutro tempo se esqueceu da promessa...

ISAÍAS — O prometido é devido!

INÊS — Ai, mau!... se esqueceu da promessa que me havia feito; mas que está outra vez pelo beicinho...

ISAÍAS — Cesteiro que faz um cesto, faz um cento... (Movimento de Inês. Com força.) Se tiver verga e tempo! E quem é esse... ricaço?

INÊS — É segredo.

ISAÍAS — Segredo em boca de mulher é manteiga em nariz... (A um gesto de Inês.) de homem! Mas faz bem, faz bem: o segredo é a alma do negócio...

INÊS — O senhor tem na cabeça um moinho de adágios! Passa!...

ISAÍAS — O que abunda não prejudica.

INÊS — Bem! Para maçadas basta. Mude-se!

ISAÍAS — Os incomodados é que se mudam.

INÊS — Mas eu estou em minha casa, senhor!

ISAÍAS — Descobriu mel de pau!

INÊS — Irra! Que homem sem-vergonha!

ISAÍAS (Examinando cinicamente a costura.) — Quem não tem vergonha todo o mundo é seu.

INÊS — Se o meu noivo o visse aqui! Ele, que jurou dar cabo do primeiro rival que...

ISAÍAS — Cão que ladra não morde... E eu sou homem!... tenho força... E contra a força não há resistência!...

INÊS (Irônica.) — Ora, por quem é, não faça mal ao pobre moço, sim?

ISAÍAS — Faço!... Quem o seu inimigo poupa às mãos lhe morre. Julga que não estou falando sério? Uma coisa é ver e outra...

INÊS (No mesmo.) — Ora, não faça tal.

ISAÍAS — Faço! isto tão certo como dois e três serem cinco. São favas contadas. Quem não quiser ser lobo não lhe vista a pele!

INÊS — Mas sabe que ele é valente?

ISAÍAS — Também eu sou! Cá e lá más fadas há! Duro com duro não faz bom muro, e dois bicudos não se beijam!

INÊS — Ponha-se ao fresco, preciso sair; tenho que fazer lá fora.

ISAÍAS — E eu tenho que fazer cá dentro. Um dia bom mete-se em casa. (Pausa.) Olhe, senhora, olhe bem para mim, acha-me feio: não acha?

INÊS — Ai, ai, ai!...

ISAÍAS — Eu também acho, e feliz é o doente que se conhece. Mas muitas vezes as aparências enganam e o hábito não faz o monge.

Experimente e verá. (Suplicante.) Case comigo.

INÊS — Gentes!

ISAÍAS — Ah! se fôssemos casadinhos, outro galo cantaria! Por exemplo: em vez de sair agora à rua, com este sol de matar passarinho, mandava-me a mim, ao seu maridinho...

INÊS (Arremedando-o.) — Ao seu maridinho... (À parte.) Oh! que idéia! Vou me ver livre dele. (Alto.) Então, sem sermos casados, não pode prestar-me um pequeno serviço?

ISAÍAS — Conforme o serviço: ponha os pontos nos ii.

INÊS — Se me fosse comprar três metros de escumilha. Olhe... aqui tem a amostra... No armarinho do Godinho... Sabe onde é?

ISAÍAS — Sei; mas quando não soubesse? Quem tem boca vai a Roma.

INÊS — Está contrariado?

ISAÍAS — O que vai por gosto regala a vida.

INÊS — Tome o dinheiro.

ISAÍAS — Nada... não é preciso... (Vai saindo e estaca.) Diabo! não me lembra um ditado a propósito! (Sai.)

Submited by

quinta-feira, abril 16, 2009 - 01:06

Poesia Consagrada :

No votes yet

ArturdeAzevedo

imagem de ArturdeAzevedo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 23 semanas
Membro desde: 04/15/2009
Conteúdos:
Pontos: 450

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of ArturdeAzevedo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia Consagrada/Soneto Eterna Dor 1 1.879 10/20/2020 - 20:06 Português
Fotos/ - Artur de Azevedo 0 1.604 11/24/2010 - 00:37 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Intodução 0 1.704 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena I 0 2.091 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena II 0 1.838 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena III 0 2.060 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena IV 0 1.749 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena V 0 1.941 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena VI 0 1.747 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro Amor por Anexins - Cena VII 0 1.961 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Segundo - Cena VI 0 925 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Segundo - Cena VII 0 891 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Segundo - Cena VIII 0 1.442 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Segundo - Cena IX 0 967 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena I 0 1.648 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena II 0 1.599 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena III 0 1.447 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena IV 0 1.406 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena V 0 1.562 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena VI 0 1.746 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena VII 0 1.455 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena VIII 0 1.578 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Terceiro - Cena IX 0 1.404 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Primeiro - Cena II 0 1.003 11/19/2010 - 16:53 Português
Poesia Consagrada/Teatro A Jóia - Ato Primeiro - Cena III 0 943 11/19/2010 - 16:53 Português