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EPISODIOS TRADUZIDOS VIII

O Templo do Amor

Traduzido do Canto IX da «Henriada»

Sobre o campo feliz da antiga Idalia,
Lá no principio d'Asia, e fim de Europa,
Alto edificio magestoso assoma,
Do tempo assolador vedado aos damnos.
Lançou-lhe a Natureza os alicerces,
E tu, Arte subtil, depois brincando
A simples, moderada architectura,
Lidáste, e transcendeste a Natureza.
Ali de verdes myrtos povoadas
As circumstantes selvas, inda ignoram
Os insultos do inverno enregelado;
Ali por toda. a parte amadurecem,
Por toda a parte ali formosos nascem
Os fructos de Pomona, os dons de Flora;
Ali para outorgar ampla colheita
Nunca esperas, oh terra, oh mãe fecunda,
Nem pelas estações, nem pelos votos
Do tostado cultor; ali parece
Que os niortaes n'um egual, sereno estado
Gosam tudo o que dava a Natureza
Lá na ditosa infancia do universo:
Aturado socego, alegres dias,
A doçura, os prazeres da abundancia,
Os bens, os gostos da primeira edade,
Menos a mansa, e limpida innocencia.
Nenhum, nenhum rumor alli se escuta
Senão dôce harmonia encantadora,
Molle harmonia, que amollece o peito;
Vozes do amante, canticos da amada,
Que a deshonra, os delirios, as fraquezas
Em verso adulador lhe vae dourando.
Vê-se turba amorosa a cada instante,
Toucada de odoriferas boninas,
As graças implorar do deus, que adora,
Concorrer sequiosa a seus altares,
E n'elles á porfia ir-se ensaiando
No methodo suave, e perigoso
De attrair corações, ligar vontades.
A risonha Esperança a mão lhe off'rece,
E os guia dous, e dous ás aras de ouro;
As tres lindas irmãs, as brandas Graças,
Fagueira, quasi núas, e defronte
Das francas portas do soberbo alcaçar,
Unem veloz coréa a som divino.
A preguiçosa, a placida Molleza,
* A socia dos amantes, encostada
Sobre a relva subtil, e as tenras flôres,
Ali de vêr, e ouvir se apraz, e enleva.
* Dorme a par d'ella o tacito Mysterio,
Jazem-lhe em roda os magicos Sorrisos,
O pontual Desvelo, a Complacencia,
Jaz o Prazer, e os sofregos Desejos,
Inda mais que o Prazer encantadores.
Tal é na entrada o templo sumptuoso;
Mas quando além das portas, e debaixo
Da rutilante abobada sagrada
Passo audaz se encaminha ao sanctuario,
Que espectaculo horrendo ateirra os olhos !
* Ali não resplandece, ali não vôa
* Nitido enxame de louçãos Prazeres;
* A celeste Harmonia ali não ousa,
* As azas transparentes meneando,
* Nos tristes corações insinuar-se.
* Queixas, Tormentos, Desvarios, Sustos
* Em densa multidão, tropel confuso
* Choram, blasphemam, desatinam, tremem,
* Geram n'este logar o horror do inferno.
O carrancudo, o livido Ciume
Segue n'um passo trémulo a Suspeita;
Odio, Raiva, entornando o seu veneno,
Armados de punhaes, lhe vão na frente.
Malicia, tu os vês, e satisfeita
Co'um sorriso traidor a insania approvas:
Eis o Arrependimento os vai seguindo,
E em seus ais condemnando-lhe a fereza,
De lagrimas inunda os olhos baixos.
Em meio d'esta chusma pavorosa,
Companheira fatal dos vãos Prazeres,
Tem conservado Amor seu domicilio
* Desde que lá no azul, no ethereo vácuo
* Cahiu das mãos de Jove o sol recente.
Da terra os Fados tem na tenra dextra
O cruel, tentador, gentil menino:
Dá co'um sorriso a paz, com outro a guerra,
Seu nectar derramando em toda a parte,
Seu nectar, que depois torna em peçonha,
E' alma do universo, e vive em tudo.
* Do throno, em que dá leis á Natureza,
Contemplando a seus pés milhões de escravos,
Orgulhosas cabeças piza, esmaga;
Mais pago do rigor que da piedade,
Dos males que produz se desvanece.
* Mortaes, tristes mortaes, que horrivel quadro !
* Mas os males de Amor têm recompensa,
* Têm dôce galardão: Mortaes, amemos.

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domingo, novembro 1, 2009 - 18:56

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Bocage

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