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FRAGMENTOS DRAMATICOS - O R I G I N A E S - I

AFFONSO HENRIQUES

ou

A CONQUISTA DE LISBOA

(DRAMA HISTORICO)

ACTORES

AFFONSO HENRIQUES, rei de Portugul. — GUILHERME, principe
inglez,— LIGEL, senhor flamengo. — EGAS MONIZ, fidalgo
portuguez e confidente d'Affonso.— ARNALDO, seu filho.—
ZAIDA, princeza moura captiva.— ZELINA, sua escrava.—
ALMANSOR, mouro. — Officiaes portuguezes e estrangeiros.
Soldados.

ACTO I

SCENA I

Affonso, Guilherme, Ligel, Moniz, o officiaes

AFFONSO

Famosos, destemidos companheiros,
Heroes, comigo affeitos á victoria.
Que o jugo sarraceno, o jugo infame
Ides com ferreas mãos anniquilando;
Tu, digno irmão do inglez monarcha,
Magnanimo Guilherme, e tu, brioso
Intrepido Ligel, de Flandres gloria;
Varões, que nos baixeis apparelhados
N. B. — Bocage esqueceu-lhe designar o logar da scena,
assim como no andamento do drama lhe esqueceram muitas
rubricas, que na leitura facilmente se dispensam, mas que lhe
eram essenciaes quando houvesse de o fazer representar ; porém
os leitores, n'estas poucas scenas que existem, claramente
acharão indicado que o logar de todas ellas era o acampamento
portuguez. — (Nota de Pato Moniz).
Contra o fero oppressor dos santos lares,
Da captiva Sião contra os tyrannos,
Por alta providencia aqui surgistes;
E, de um Deus abraçando a causa excelsa,
As palmas do Jordão colheis no Tejo:
Amigo do teu.rei, da patria tua,
Insigne portuguez, Moniz preclaro,
A quem o antigo esforço as cans não murcham;
A quem da trabalhosa, e crespa edade
Vivo ardor marcial derrete o gelo;
Heróe, que de outro heróe te vês herdado;
Que ao filho transmittiste o raro talento,
E no mancebo Arnaldo a fama estendes
Do gran tronco, de que és egregio ramo:
Chefes invictos, fervidos soldados,
Em vão do mouro adusto a resistencia
A' nossa grande empreza o fim retarda:
Debalde tem sustido há cinco luas
O rapido furor das nossas armas;
Tenaz opposição dobra o triumpho;
Na lida, no suor se nutre a gloria;
Lisboa cederá, verão seus muros
De um assalto geral o effeito illustre:
Esses templos sacrilegos, aonde
Adorando-se um Deus, um Deus se insulta,
Hoje, por dignas mãos purificados
Do culto, dos incensos da impostura,
Serão dos nossos votos sacro asylo,
Do Deus de nossos paes estancia augusta.
Não, para vos dispôr ao feito heroico,
A' façaha christã não necessito
De excitar, socios meus, na idéa a imagem
Do que vistes heróes, do que fizestes
Nos marcios campos do espantoso Ourique:
Duros netos de Agar além bramindo,
Immensa multidão enchia os valles,
Cubria as serras, esgotava as fontes;
O truculento Ismar dos seus na frente,
De quatro escravos reis obedecido,
Amotinando os céos com grita horrenda,
De olhos fitos em nós, como os emprega
Esfaimado leão na facil preza:
Nós d'aquem, turba escassa, mas terrivel,
Confiados no céo, na fé seguros,
De um Deus na protecção, na gloria accesos,
Com fero encontro os impios arrostando,
Abrindo, e desfazendo escudos, malhas,
Dando tostadas victimas á morte,
D'espiritos brutaes o inferno enchendo,
Sentindo rebentar aos nossos golpes,
E ir pela rubra terra o sangue em ondas;
Os barbaros pendões do chão dispersos;
O estrondo, a confusão, o horror, o estrago
Por aqui, por ali; montões de mortos;
Anjo exterminador, nuncio do Eterno,
Sobre as frentes dos profugos troando,
Sobpezado na mão raio invisivel,
Com formidavel impeto espargindo
Por entre os infleis total derrota !
Este quadro, esta idéa, altos guerreiros
Necessaria não é para incitar-vos:
Temos o mesmo esforço, as mesmas armas;
O Deus, que nos valeu, nos vale ainda;
O que fostes sereis: Lisboa é nossa.
GUILHEME

Affonso nos commanda, e do triumpho
E' decisivo annuncio a voz de Affonso:
Calcaremos aos pés o orgulho insano
Do agareno infiel; n'aquelles muros
Nossos pendões, senhor, verás alçados,
Inda a luz da manhã não doura os ares:
Antes que raie a aurora, e se effeitue
O vigoroso assalto, que apparelhas,
Nós veremos talvez o afouto Arnaldo,
O meu prezado amigo apparecer-nos,
Volver aos arraiaes com palma insigne:
O barbaro tropel, que em seu auxilio
Chama o duro oppressor da gran Lisboa,
Talvez, egregio rei, já tenha sido
Do braço portuguez servil despojo.
De Arnaldo a condição fogosa, e prompta
Só se contenta em rapidas victorias;
Demoras no vencer lhe são desdouros:
Sabido o seu valor, e o seu caracter
Voluntario cedi ao caro amigo
O que a ninguem cedera, o mando honroso
Da generosa em preza, a que é tão proprio:
Meus votos, meus desejos o acceleram,
E como que já sinto o som guerreiro
Nuncio do meu pezar, da gloria sua.
Apenas entre nós o moço illustre
Do sublime esplendor brilhar c'roado,
Fadigas a fadigas aggregando,
Então, grande monarcha, aos inimigos
Levemos o terror, a chamma, o ferro.

MONIZ

Na demora, senhor, se apura, e cresce
O fogo marcial de teus soldados;
Seus olhos devorando aquelles muros,
Ha muito de assaltal-os, de invadil-os
O momento, o signal com ancia pedem:
Mas eu, subdito, e pae, bem que anteponho
A gloria do meu rei á de meu filho,
Conciliar dous titulos quizera
Para o meu coração de tanta estima:
Quizera merecer ao meu benigno
Greneroso monarcha a complacencia
De retardar o assalto alguns momentos,
Para que o filho amado, em quem reflecte
Meu zelo, meu fervor, minha lealdade,
Associar-se possa em nova empreza
A seu rei, e a seu pae; não sinta Arnaldo
O pejo, o dissabor de vêr-se inutil
Na mais brilhante acção, que os céos nos guardam.
As vezes, prolongando-se-lhe o termo,
Projectos dos heróes se desconcertam;
Bem sei, mas são d'heróes, que só se estribam
No rapido valor, na mente astuta;
Não d'heróes, como tu, do céo validos,
Em que é fado o triumpho, herança a gloria.
Verificado está quanto profiro
Na celeste visão, que honrou teus olhos,
Lá quando a divindade o véo despindo,
Esse véo sacro-sancto, impenetravel
Que a recata de nós, á face tua
No lenho redemptor se fez patente;
E, travando comtigo alta alliança,
As insignias te deu, te deu o imperio.
O teu jus a vencer quem ha que o vede,
Depois de o conferir o Omnipotente?
Alguns momentos mais, que a furia prendam,
A furia dobrarão depois de solta.

AFFONSO

De solidas razões ceder ao pezo
E justiça, é dever; é recompensa
Do generoso ardor de um pae, de um filho
Tão uteis ao seu rei, tão dignos d'elle:
No que sou moralmente, o fructo vejo
Da tua educação, dos teus desvelos:
Meus passos dirigiste á gloria, ao throno;
Vive esta ideia em mim; sou rei, sou grato...
A gratidão n'um rei tambem se encontra.
Suspenso fique embora alguns espaços
O assalto estragador do mouro infando;
Esperemos Arnaldo, Arnaldo augmente
Nos duros torreões o duro embate,
E no sangue infiel de novo ensope
A cortadora espada irresistivel;
Góse... mas que rumor não bem distincto
Resôa em meus ouvidos!... Não me engano,
Sinto que se approxima a cada instante...
Talvez... Parte, Ligel, inquire a causa
Do subito ruido; este alvoroço
Que me revolve o peito, e que me inflamma,
È presagio feliz.

LIGEL

Corro a servir-te. l
1 Vae-se.

MONIZ

Paterno coração, como palpitas !
Não mentes, não me illudes: eis meu filho.
Ah ! Permitte, senhor, que eu...

GUILHERME

Não: detem-te,
Cede á minha amisade o grato exame;
Eu vou... porém que vejo? Arnaldo? Oh gloria!

Moniz

Filho... 1

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domingo, outubro 25, 2009 - 17:14

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