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O VISIONÁRIO OU SOM E COR
O VISIONÁRIO OU SOM E COR
1
Eu tenho ouvido as sinfonias das plantas.
Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,
passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
enquanto o mar produz o monstro azulejado
e Deus, em cima, faz as verdes primaveras.
Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
e erro como estrangeiro ou homem doutras eras,
talvez por um contrato irónico lavrado
que fiz e já não sei noutras subtis esferas.
A espada da Teoria, o austero Pensamento,
não mataram em mim o antigo sentimento,
embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...
E obedecendo ainda a meus velhos amores,
procuro em toda a parte a música das cores,
– e nas tintas da flor achei a Melodia.
2
O vermelho deve ser como o som duma trombeta
(Um cego)
Alucina-me a cor! – A rosa é como a Lira,
a Lira pelo tempo há muito engrinaldada,
e é já velha a união, a núpcia sagrada,
entre a cor que nos prende e a nota que suspira.
Se a terra, às vezes, brota a flor, que não inspira,
a teatral camélia, a branca enfastiada,
muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada
como a perdida cor dalguma flor que expira...
Há plantas ideais de um cântico divino,
irmãs do oboé, gémeas do violino,
há gemidos no azul, gritos no carmesim...
A magnólia é uma harpa etérea e perfumada,
e o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,
– tem notas marciais, soa como um clarim.
António Gomes Leal
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