CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Viagens na Minha Terra - VIII

Saída do Cartaxo.— A charneca. Perigo iminente em que o A. se acha de dar em poeta e fazer versos.— Última revista do imperador D. Pedro ao exército liberal. – Batalha de Almoster.— Waterloo.— Declara o A. solenemente que não é filósofo e chega à ponte da Asseca.

Eram dadas cinco da tarde, a calma declinava, montamos a cavalo, e cortamos por entre os viçosos pâmpanos que são a glória e a beleza do Cartaxo; as mulinhas tinham refrescado e tomado ânimo; breve, nos achamos em plena charneca.

Bela e vasta planície! Desafogada dos raios do Sol, como ela se desenha aí no horizonte tão suavemente! que delicioso aroma selvagem que exalam estas plantas, acres e tenazes de vida, que a cobrem, e que resistem verdes e viçosas a um sol português de julho! A doçura que mete na alma a vista refrigerante de uma jovem seara do Ribatejo nos primeiros dias de abril, ondulando lascivamente com a brisa temperada da Primavera, — a amenidade bucólica de um campo minhoto de milho, à hora da rega, por meados de agosto, a ver-se-lhe pular os caules com a água que lhe anda por pé, e à roda as carvalheiras classicamente desposadas com a vide coberta de racimos pretos — são ambos esses quadros de uma poesia tão graciosa e cheia de mimo, que nunca a dei por bem traduzida nos melhores versos de Teócrito ou de Virgílio, nas melhores prosas de Gessner ou de Rodrigues Lobo.

A majestade sombria e solene de um bosque antigo e copado, o silêncio e escuridão de suas moitas mais fechadas, o abrigo solitário de suas clareiras, tudo é grandioso, sublime, inspirador de elevados pensamentos. Medita-se ali por força; isola-se a alma dos sentidos pelo suave adormecimento em que eles caem... e Deus, a eternidade — as primitivas e inatas idéias do homem – ficam únicas no seu pensamento...

É assim. Mas um rochedo em que me eu sente ao pôr do sol na gandra erma e selvagem, vestida apenas de pastio bravo, baixo e tosquiado rente pela boca do gado — diz-me coisas da terra e do céu que nenhum outro espetáculo me diz na natureza. Há um vago, um indeciso, um vaporoso naquele quadro que não tem nenhum outro.

Não é o sublime da montanha, nem o augusto do bosque, nem o ameno do vale. Não há aí nada que se determine bem, que se possa definir positivamente. Há a solidão que é uma idéia negativa...

Eu amo a charneca.

E não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser — ao menos, o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra. Ora a charneca dentre Cartaxo e Santarém, àquela hora que a passamos, começava a ter esse tom, e a achar-lhe eu esse encanto indefinível.

Sentia-me disposto a fazer versos... a quê? Não sei.

Felizmente que não estava só; e escapei de mais essa caturrice. Mas foi como se os fizesse, os versos, como se os estivesse fazendo, porque me deixei cair num verdadeiro estado poético de distração, de mudez — cessou-me a vida toda de relação, e não sentia existir senão por dentro.

De repente acordou-me do letargo uma voz que bradou: — "Foi aqui!... aqui é que foi, não há dúvida."

— Foi aqui o quê?

— A última revista do imperador.

— A última revista! Como assim a última revista! Quando? Pois?...

Então caí completamente em mim, e recordei-me, com amargura e desconsolação, dos tremendos sacrifícios a que foi condenada esta geração, Deus sabe para quê — Deus sabe se para expiar as faltas de nossos passados, se para comprar a felicidade de nossos vindouros...

O certo é que ali com efeito passara o imperador D. Pedro a sua última revista ao exército liberal. Foi depois da batalha de Almoster, uma das mais lidadas e das mais ensangüentadas daquela triste guerra.

Toda a guerra civil é triste.

E é difícil dizer para quem mais triste, se para o vencedor ou para o vencido.

Ponham de parte questões individuais, e examinem de boa fé: verão que, na totalidade de cada facção em que a Nação se dividiu, os ganhos, se os houve para quem venceu, não balançam os padecimentos, os sacrifícios do passado, e menos que tudo, a responsabilidade pelo futuro...

Eu não sou filósofo. Aos olhos do filósofo, a guerra civil e a guerra estrangeira, tudo são guerras que ele condena — e não mais uma do que a outra... a não ser Hobbes o dito filósofo, o que é coisa muito diferente.

Mas não sou filósofo, eu: estive no campo de Waterloo, sentei-me ao pé do Leão de bronze sobre aquele monte de terra amassado com o sangue de tantos mil, vi – e eram passados vinte anos – vi luzir ainda pela campina os ossos brancos das vítimas que ali se imolaram a não sei quê... Os povos disseram que à liberdade, os reis que à realeza... Nenhuma delas ganhou muito, nem para muito tempo com a tal vitória...

Mas deixemos isso. Estive ali, e senti bater-me o coração com essas recordações, com essas memórias dos grandes feitos e gentilezas que ali se obraram.

Porque será que aqui não sinto senão tristeza?

Porque lutas fratricidas não podem inspirar outro sentimento e porque...

Eu moía comigo só estas amargas reflexões, e toda a beleza da charneca desapareceu diante de mim.

Nesta desagradável disposição de ânimo chegamos à ponte da Asseca.

Submited by

sábado, abril 11, 2009 - 18:00

Poesia Consagrada :

No votes yet

AlmeidaGarrett

imagem de AlmeidaGarrett
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 14 anos 18 semanas
Membro desde: 04/11/2009
Conteúdos:
Pontos: 279

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AlmeidaGarrett

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia Consagrada/Geral Ave, Maria 0 562 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Os exilados 0 567 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral No lumiar 0 410 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Preito 0 632 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral A um amigo 0 487 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - I 0 562 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Anjo és 0 516 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Víbora 0 529 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Barca Bela 0 562 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral A Coroa 0 1.028 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Sina 0 480 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Ai, Helena! 0 449 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral The rose — A sight 0 551 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral A Rosa — Um suspiro 0 678 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Retrato 0 572 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Lucinda 0 622 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral As duas rosas 0 605 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Voz e aroma 0 422 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Seus olhos 0 386 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Destino 0 417 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Gozo e dor 0 542 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Perfume da rosa 0 439 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Rosa sem espinhos 0 471 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Rosa pálida 0 464 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Geral Flor de ventura 0 480 11/19/2010 - 15:52 Português