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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Terceiro:Durande e Déruchette - Capítulo X : Narrativas de viagens de longo curso

Mess Lethierry, que se não acomodava de outro modo, vestia sempre a sua roupa de bordo, preferindo mesmo a japona de marinheiro à japona de piloto. Déruchette torcia o núiz por isso. Nada é tão belo como uma caretazinha da formosura em cólera.

Déruchette ralhava e ria: Bom paizinho, dizia ela, está cheirando a alcatrio. — E dava uma palmadinha na larga espádua do marinheiro.

Aquele velho herói do mar trouxe das suas viagens narrativas maravilhosas.

Viu em Madagáscar plumas de pássaro das quais bastavam três para cobrir uma casa. Viu na índia hastes de azedinhas de 9 pés de altura. Viu na Nova Holanda bandos de perus e de patos dirigidos e guardados por um cão de pastor, que naquela terra é um pássaro e chama-se galinha-silvestre. Viu cemitérios de elefantes. Viu na África uma espécie de homens-tigres de 7 pés de altura. Conhecia os costumes de todos os macacos, desde o macaco bravo até o macaco barbado. No Chile viu uma bugia comover os caçadores apresentando-lhes o filho.

Viu na Califórnia um tronco de árvore oco, no interior do qual um homem a cavalo podia andar 150 passos. Viu em Marrocos os mozabitas e os biskris baterem-se com matrah e barras de ferro, os biskris por terem sido tratados de kelb, que quer dizer cães, e os mozabitas por terem sido tratados de khamsi, que quer dizer gente da quinta seita. Viu na China cortarem em pedacinhos o pirata Chanh-thong-quan-harhQuoi, por ter assassinado o âp de uma aldeia. Em ThudanInot, viu um leão arrebatar uma mulher velha do meio do mercado da cidade. Assistiu à chegada da grande cobra mandada de Cantão a Saigon, para celebrar, no Pagode de ChoCen, a festa de Quan-riam, deusa dos navegantes. Contemplou na terra o grande Quan-Su.

No Rio de Janeiro, viu as senhoras brasileiras colocarem nos cabelos pequenas bolas de gaze contendo cada uma delas um vagalume, o que lhes fazia uma coifa de estrelas. Destruiu no Uruguai os formigueiros, e no Paraguai um certo bichinho, que ocupa com as patas um diâmetro de um terço de vara, e ataca o homem. por meio dos próprios pelos, que lhe atira em cima, e que se cravam na carne, produzindo pústulas. No rio Arinos, afluente do Tocantins, nas matas virgens do norte da Diamantina, verificou a existência do terrível povomorcego, os murcilagos, homens que nascem com os cabelos brancos e os olhos vermelhos, habitam os bosques sombrios, dorrúem de dia, acordam de noite e pescam e caçam nas trevas, vendo melhor de que quando há lua.

Perto de Beirute no acampamento de uma expedição de que fazia parte, foi roubado de uma tenda um pluviometro; então um feiticeiro vestido de duas ou três faixas de couro, assemelhando-se a um homem vestido com os próprios suspensórios, agitou tão furiosamente uma campainha na ponta de um chifre que apareceu logo uma hiena trazendo o pluviometro. A hiena é que o tinha roubado.

Estas histórias verdadeiras assemelhavam-se tanto a histórias da carochinha que divertiam Déruchette.

A boneca de Durande era o elo entre o vapor e a moça. Chama-se boneca nas ilhas normandas a figura talhada na proa, estátua de madeira mais ou menos esculpida. Daí vem que, para dizer navegar, a gente das ilhas usa desta locução: estar entre popa e boneca (poupe etpoupée).

A boneca de Durande tinha as predileções de Mess Lethierry. Ele encomendara ao carpinteiro que a fizesse parecida com Déruchette.

Parecia-se como obra feita a machado. Era uma acha de lenha esforçando-se por ser moça bonita.

Mas a coisa, embora disforme, iludia Mess Lethierry. Contemplava-a como um crente. Estava de boa fé diante daquela figura. Reconhecia nela a imagem de Déruchette. É mais ou menos assim que o dogma se parece com a verdade, e o ídolo com Deus Mess Lethierry tinha duas grandes alegrias por semana; uma na terça-feira e outra na sexta. Primeira alegria, ver partir Durande; segunda alegria, vê-la chegar. Encostava-se à janela, contemplava a sua obra, era feliz. Há alguma coisa assim no Genesis: Et vidit quod esset bonum.

Na sexta-feira, a presença de Mess Lethierry na janela era um sinal. Quem o via chegar à janela da casa de Bravees, acender o cachimbo, dizia logo: Ali! o vapor está a chegar. Uma fumaça anunciava a outra.

A Durande, — entrando no porto, atava amarra debaixo das janelas de Mess Lethierry, numa grande argola de ferro. Nessas noites Lethierry gozava um admirável sono na sua maca, sentindo de um lado Déruchette adormecida, do outro Durande amarrada.

O ancoradouro de Durande era perto do porto. Diante da casa de Lethierry havia um pequeno cais.

O cais, a casa, o jardim, as marinhas, orladas de sebes, a maior parte das casas vizinhas, nada existe hoje. A exploração do granito de Guernesey fez vender os terrenos todos. Aquele lugar está hoje ocupado por estâncias de quebradores de pedra.

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domingo, maio 24, 2009 - 16:16

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