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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quarto: “O Bagpipe” - Capítulo II : Gilliatt vai Entrando Passo a Passo no Desconhecido

Gilliatt ia todos os dias ver a casa de Lethierry. Não o fazia de propósito, mas encaminhava-se para esse lado. Acontecia então passar sempre pelo caminho que costeava o muro do jardim de Déruchette.

Estando um dia naquele caminho, ouviu a uma mulher do mercado, que falava a outra, e vinha da casa de Lethierry: Miss Lethierry gosta muito de sea kales .

Gilliatt fez no jardim da casa mal-assombrada uma fossa de sea kales. O sea kale é uma couve que tem o sabor de aspargo.

O muro do jardim da casa de Déruchette era baixinho; podia-se pular fácilmente. Esta idéia pareceu terrível a Gilliatt. Mas quem passava não podia deixar de ouvir as vozes das pessoas que falavam nos quartos ou no jardim. Gilliatt. não escutava, mas ouvia.

De uma vez ouviu disputar as duas criadas, Graça e Doce. Como o rumor vinha daquela casa, soou-lhe como se fosse música.

De outra vez, distinguiu uma voz que não era como as outras, e que lhe pareceu ser a voz de Déruchette. Deitou a correr.

As palavras que ouviu à moça ficaram para sempre gravadas no seu pensamento. Repetia-as a cada instante. Essas palavras eram: Faz favor de me dar a vassoura?

Gilliatt foi ousando a pouco e pouco. Já se atrevia a ficar parado.

Aconteceu uma vez que Déruchette, que não podia ser vista de fora, embora tivesse a janela aberta, estava ao piano e cantava.

Cantava a canção Bonny Dundee. Gilliatt empalideceu, mas levou a firmeza até ouvir a canção toda.

Chegou a primavera. Gilliatt teve uma visão: abriu-se o céu. Gilliatt viu Déruchette regando uns pés de alface.

Dai a pouco já ele fazia mais do que parar. Observava os hábitos da moça, notava as horas em que ela aparecia, e esperava.

Tinha cuidado de não ser visto por ela.

A pouco e pouco, ao tempo em que as noites se enchem de borboletas e de rosas, imóvel e mudo horas inteiras sem ser visto por ninguém, retendo a respiração, Gilliatt acostumou-se a ver Déruchette andar pelo jardim. É fácil acostumar-se ao veneno.

Do lugar em que se escondia, Gilliatt ouvia Déruchette conversar com Mess Lethierry, debaixo de um espesso caramanchão feito de caniço, dentro do qual havia um banco. As palavras chegavam-lhe distintamente aos ouvidos.

Quanto já não tinha andado! Chegou até a espiar e prestar ouvido.

Ali! o coração humano é um velho espião!

Havia outro banco visível e próximo, no fim de uma alameda.

Déruchette assentava-se ali algumas vezes.

Pelas flores que ele via Déruchette colher e cheirar, adivinhou as preferências da moça a respeito de perfumes.

A moça preferia antes de tudo a campânula, depois o cravo, depois a madressilva, depois o jasmim. A rosa estava em quinto lugar. Quanto aos lírios, olhava para eles, mas não os cheirava. A vista da escolha dos perfumes, Gilliatt compunha-a no seu pensamento.

Cada cheiro significava para ele uma perfeição. Só a idéia de falar a Déruchetie fazia-lhe arrepiar os cabelos. Uma boa velha que mascateava, e por esse motivo ia algumas vezes à rua que costeava o muro do jardim de Déruchette, veio a notar confusamente a assiduidade de Gilliatt junto daquele muro e a sua devoção por aquele lugar deserto. Ligaria ela a presença daquele homem à possibilidade de uma mulher que estivesse atrás do muro?

Descobriria esse vago fio invisível? Restava-lhe acaso, na sua decrepitute mendicante, um pouco de mocidade para lembrar-se de alguma coisa dos belos tempos, e saberia ela, já no inverno e na noite, que coisa é o alvor da madrugada? Ignoramo-lo, mas parece que, passando uma vez perto de Gilliatt, que estava de sentinela, dirigiu para o lado dele toda a quantidade de sorriso de que ainda era capaz e murmurou entre as gengivas: Aquece, aquece!

Gilliatt ouviu a palavra, que lhe fez impressão, e murmurou com um ponto de interrogação interior: Aquece? Que quer dizer a velha? Repetiu maquinalmente a palavra durante todo o dia, mas não chegou a compreende-la.

Estando um dia à janela da casa mal-assombrada, cinco ou seis raparigas de Ancresse foram banhar-se por pagode na angra de Houmet-Paradis. Brincavam ingenuamente na água, a cem passos dele. Gilliatt fechou violentamente a janela. Reparou então que uma mulher nua causava-lhe horror.

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domingo, maio 24, 2009 - 16:23

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