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Victor Hugo: Os trabalhadores do Mar – Primeira Parte: O Senhor Clubin : Livro Quinto : O Revólver - Capítulo IX : Informação últil às pessoas que esperam ou receiam cartas de além-mar

Nessa noite, o Sr. Clubin recolheu-se tarde.
Uma das causas da sua demora é que antes de recolher-se foi ele até a porta Dinan, onde havia tavernas. Tinha comprado em uma dessas tavernas, onde não era conhecido, uma garrafa de aguardente que pos em uma larga algibeira da japona como se quisesse esconde-la; depois, devendo a Durande sair no dia seguinte de manhã, foi a bordo para ver se tudo estava em ordem.
Quando o Sr. Clubin entrou na Pousada João, já não havia na sala baixa senão o velho capitão de longo curso, Gertrais Gaboureau, bebendo e fumando cachimbo.

O Capitão Gertrais-Gaboureau cumprimentou o Sr. Clubin entre um gole e uma baforada.
- Good-bye, Capitão Clubin.
- Boa noite, Capitão Gertrais.
- Com que então, lá se foi o Tamaufipas.
- Ah! - disse Clubin -, não reparei.
O Capitão Gertrais-Gaboureau cuspiu e disse:
- Raspou-se o Zuela.
- Quando?
- Esta noite.
- Onde vai?
- Vai ao diabo.
- Sim, mas onde?
- A Arequipa.
- Não sabia - disse Clubin.
Acrescentou: - Vou dormir.
Acendeu a vela, caminhou para a porta e voltou.
- Já foi a Arequipa, Capitão Gertrais?
- Sim. Há anos.
- Onde se costuma a arribar?
- Em diversos portos. Mas o Tamaulipas não arribará em parte alguma.
O Sr. Gertrais-Gaboureau deitou na borda de um prato a cinza do cachimbo e continuou: - Conhece o Cheval-de-Troie e o Trentemousin, que foram a Cardiff.
Não opinei a favor da partida por causa do tempo. Voltaram em belo estado. Chevai-de-Troie levava terebintina e abriu água, e fazendo trabalhar as bombas perdeu no meio da água todo o carregamento.
Quanto ao Trentemousin, ficou bem estragado; quebrou-se-lhe o cepo da âncora, o botalós, ovéns; não sofreu o mastro de mesena, mas teve um forte abalo. Caiu o ferro dogurupés, que aliás não só ficou machucado, mas completamentenu. Veja o que resulta de não ouvir conselhos.
Clubin tinha posto a vela na mesa, e pos-se a pregar de novo uma porção de alf inetes que tinha na japona.
Disse:

- Não dizia, capitão, que o Tamaulipas não arriba em porto algum?
- Não. Vai direito ao Chile.
- Neste caso não pode mandar notícia alguma em caminho
- Perdão, Capitão Clubin. Primeiramente pode entregar despachos
a todos os navios que encontrar em caminho para a Europa.
- É justo.
- Depois, tem a caixa de cartas do mar.
- A que chama o senhor caixa de cartas do mar?
- Não sabe, Capitão Clubin?
- Não.
- É quando se passa pelo estreito de Magalhães.
- Que há então?
- Neva em toda a parte, temporal sempre, ruins ventos, mar de trezentos diabos.
- Depois?
- Quando se dobra o cabo Monmouth.
- Bem. Depois?
- Depois, dobra-se o cabo Valentin.
- E depois?
- Depois dobra-se o cabo Isidoro.
- E depois?
- Dobra-se a ponta Ana.
- Bem. Mas o que é que chama caixa das cartas do mar?
- Chegamos à caixa. Montanhas à direita, montanhas à esquerda.
De todos os lados aves marinhas. Terrível sítio! Ah! com um milhão de diabos! que clitisma e que matinada! A borrasca ali não precisa de auxílio. Toca a vigiar a cinta da popa! toca a diminuir as velas! Da vela grande passava ao juanete! Lufada sobre lufada! Quatro, cinco, seis dias de capa. Quantas vezes de um velame novinho em rolha não nos fica senão o fio. Que dança! furacões capazes de fazer saltar uma galera como fosse uma pulga. Já vi num brigue inglês, o True Blue, um grumete ocupado com o pau da giba ser levado por um milheiro de ventos, com pau e tudo. Anda-se no ar como borboletas! Vi o contramestre da Revenue ser arrancado do navio e morrer: A cinta do meu navio quebrou-se, e todas as peças de madeira do convés ficaram despedaçadas. A gente sai dali com as velas comidas, até fragatas de cinqüenta fazem água como se rossem cestos. E a endiabrada costa! É o que há de mais danado. Rochedos retalhados como por criancice. Aproxima-se a gente de Porto Fome. Aí é pior que pior. São as lâminas mais agudas que tenho visto. Paragens do inferno. De repente veem-se estas duas palavras escritas com tinta vermelha: Post-Office.
- Que quer dizer, Capitão Gertrais?
- Quero dizer, Capitão Clubin, que logo depois de dobrar o cabo Ana vê-se em uma pedra de 100 pés de altura um grande pau. É um poste com uma barrica no alto. Essa barrica é a caixa das cartas. Os inglêses escreveram em cima: Post-Office.
Por que se meteram eles nisto? Aquilo é o correio do oceano; não pertence a esse honrado gentieman, o rei da Inglaterra. A caixa das cartas é comum. Pertence a todas as bandeiras. Post-Office, há nada mais chines! Parece uma xícara de chá que o diabo oferece em pleno oceano. Eis como se faz o serviço. Todos os navios que passam expedem ao poste um escaler com os seus despachos. O navio que vem do Atlântico envia cartas para a Europa, e o navio que vem do Pacífico manda cartas para a América. O oficial que comanda o escaler põe na barrica o maço de cartas e tira o maço que lá encontra. Toma-se conta dessas à espera que o próximo navio tome conta das cartas que se deixam. Como se navega em sentido contrário, o continente donde o senhor vem é aquele para onde eu vou. Levo as suas cartas, o senhor leva as minhas. A barrica está presa ao poste por uma corrente de ferro. E chove! E neva! Mar dos diabos! O Tamaulipas ficará aí. A barrica tem uma tampa mas sem fechadura nem cadeado. Bem vê que se pode escrever aos amigos. As cartas chegam ao seu destino.
- É esquisito - murmurou Clubin, pensativo.
O Capitão Gertrais-Gaboureau voltou-se para a bebida.
- Suponhamos que o brejeiro do Zuela me escreva, meta as suas garatujas na barrica de Magalhães, e dentro de quatro meses tenho as cartas do patife. Diga-me lá, Capitão Clubin, sai amanhã? Clubin, absorto em uma espécie de sonambulismo, não ouviu. O Capitão Gertrais repetiu a pergunta.
Clubin despertou.
- Sem dúvida, Capitão Gertrais. É o dia marcado. Devo sair amanhã de manhã.
- Pois olhe, eu não saía. Capitão Clubin, os cães tem o pelo molhado.
As aves marinhas andam há duas noites à roda do farol. Mau sinal. Estamos no segundo quarto da lua; é o máximo da umidade.
Vi há pouco pimpinelas que fechavam as rolhas e um campo de trevo cujas hastes estavam retesadas. Os vermes saem do chão, as moscas mordem, as abelhas não se afastam dos cortiços, os pardais consultam-se. Ouve-se o som dos sinos de longe. Eu ouvi hoje o sino de Saint-Lunaire dar ave-marias. E ao por do sol havia muitas nuvens no horizonte. Amanhã há de haver grande nevoeiro. Não lhe digo que parta. Receio mais o nevoeiro que o furacão.
Grande sonso o nevoeiro.

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domingo, maio 24, 2009 - 15:46

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