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A Vitória e a Piedade

I

Eu nunca fiz soar meus pobres cantos

Nos paços dos senhores!

Eu jamais consagrei hino mentido

Da terra dos opressores.

Mal haja o trovador que vai sentar-se

À porta do abastado,

O qual com ouro paga a própria infâmia,

Louvor que foi comprado.

Desonra àquele, que ao poder e ao ouro

Prostitui o alaúde!

Deus à poesia deu por alvo a pátria,

Deu a glória e a virtude.

Feliz ou infeliz, triste ou contente,

Livre o poeta seja,

E em hino isento a inspiração transforme

Que na sua alma adeja.

II

No despontar da vida, do infortúnio

Murchou-me o sopro ardente;

E saudades curti em longes terras

Da minha terra ausente.

O solo do desterro, ai, quanto ingrato

É para o foragido,

E nevoado o céu, árido o prado,

O rio adormecido!

E lá chorei, na idade da esperança,

Da pátria a dura sorte;

Esta alma encaneceu; e antes de tempo

Ergueu hinos à morte;

Que a morte é para o mísero risonha,

Santa da campa a imagem

Ali é que se aferra o porto amigo,

Depois de árdua viagem.

III

Mas quando o pranto me sulcava as faces,

Pranto de atroz saudade,

Deus escutou do vagabundo as preces,

Dele teve piedade.

«Armas», bradaram no desterro os fortes,

Como bradar de um só:

Erguem-se, voam, cingem ferros; cinge-os

Indissolúvel nó.

Com seus irmãos as sacrossantas juras,

Beijando a cruz da espada,

Repetiu o poeta: «Eia, partamos!

Ao mar!» Partia a armada,

Pelas ondas azuis correndo afoutos,

As praias demandámos

Do velho Portugal, e o balção negro

Da guerra despregámos;

De guerra em que era infâmia o ser piedoso,

Nobreza o ser cruel,

E em que o golpe mortal descia envolto

Das maldições no fel.

IV

Fanatismo brutal, ódio fraterno,

De fogo céus toldados,

A fome, a peste, o mar avaro, as turbas

De inúmeros soldados;

Comprar com sangue pão, com sangue o lume

Em regelado Inverno;

Eis contra o que, por dias de amargura,

Nos fez lutar o Inferno.

Mas de fera vitória, enfim, colhemos

A c'roa de cipreste;

Que a fronte ao vencedor em ímpia luta

Só essa c'roa veste.

Como ela torvo, soltarei um hino

Depois do triunfar.

Oh, meus irmãos, da embriaguez da guerra

Bem triste é o acordar!

Nessa alta encosta sobranceira aos campos,

De sangue ainda impuros,

Onde o canhão troou por mais de um ano

Contra invencíveis muros,

Eu, tomando o alaúde, irei sentar-me,

Pedir inspirações

À noite queda, ao génio que me ensina

Segredos das canções.

V

Reina em silêncio a lua; o mar não brame,

Os ventos nem bafejam;

Rasas co'a terra, só nocturnas aves

Em giros mil adejam.

No plaino pardacento, junto ao marco

Tombado, ou rota sebe,

Aqui e ali, de ossadas insepultas

O alvejar se percebe.

É que essa veiga, tão festiva outrora,

Da paz tranquilo império,

Onde ao carvalho a vide se enlaçava,

É hoje um cemitério!

VI

Eis de esforçados mil inglórios restos,

Depois de brava lida;

De longo combater atroz memento

Em guerra fratricida.

Nenhum padrão recordará aos homens

Seus feitos derradeiros.

Nem dirá: – «Aqui dormem portugueses;

Aqui dormem guerreiros.»

Nenhum padrão, que peça aos que passarem

Reza fervente e pia,

E junto ao qual entes queridos vertam

O pranto da agonia!

Nem hasteada cruz, consolo ao morto;

Nem lájea que os proteja

Do ardente sol, da noite húmida e fria,

Que passa e que roreja!

Não! Lá hão-de jazer no esquecimento

De desonrada morte,

Enquanto, pelo tempo em pó desfeitos,

Não os dispersa o norte.

VII

Quem, pois, consolará gementes sombras,

Que ondeiam junto a mim?

Quem seu perdão da Pátria implorar ousa,

Seu perdão do Elohim?

Eu, o cristão, o trovador do exílio,

Contrário em guerra crua,

Mas que não sei verter o fel da afronta

Sobre uma ossada nua.

VIII

Lavradores, zagais, descem dos montes,

Deixando terras, gados,

Para as armas vestir, dos céus em nome,

Por fariseus chamados.

De um Deus de paz hipócritas ministros

Os tristes enganaram:

Foram eles, não nós, que estas caveiras

Aos vermes consagraram.

Maldito sejas tu, monstro do Inferno,

Que do Senhor no templo,

Junto da eterna Cruz, ao crime incitas,

Dás do furor o exemplo!

Sobre as cinzas da Pátria, ímpio, pensaste

Folgar de nosso mal,

E, entre as ruínas de cidade ilustre,

Soltar riso infernal.

Tu, no teu coração incipiente,

Disseste: – «Deus não há!»

Ele existe, malvado; e nós vencemos:

Treme; que tempo é já!

IX

Mas esses, cujos ossos espalhados

No campo da peleja

Jazem, exoram a piedade nossa;

Piedoso o livre seja!

Eu pedirei a paz dos inimigos,

Mortos coma valentes,

Ao Deus nosso juiz, ao que distingue

Culpados de inocentes.

X

Perdoou, expirando, o Filho do Homem

Aos seus perseguidores;

Perdão, também, às cinzas de infelizes;

Perdão, oh vencedores!

Não insulteis o morto. Ele há comprado

Bem caro o esquecimento,

Vencido adormecendo em morte ignóbil,

Sem dobre ou monumento.

C tempo d'olvidar ódios profundos

De guerra deplorável.

O forte é generoso, e deixa ao fraco

O ser inexorável.

Oh, perdão para aquele a quem a morte

No seio agasalhou!

Ele é mudo: pedi-lo já não pode;

O dá-lo a nós deixou.

Além do limiar da eternidade

Cl mundo não tem réus,

O que levou à terra o pó da terra

Julgá-lo cabe a Deus.

E vós, meus companheiros, que não vistes

Nossa triste vitória,

Não precisais do trovador o canto:

Vosso nome é da história.

XI

Assim, foi do infeliz sobre a jazida

Que um hino murmurei,

E, do vencido consolando a sombra,

Por vós eu perdoei.

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sábado, abril 11, 2009 - 23:27

Poesia Consagrada :

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