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Montanyes de Llum 3
As etapas seguintes tiveram lugar em trilhos apertados
Num sobe e desce ritmado, sempre evitando gentes e os cornos dos pesados iaques carregados com sal junto a precipícios de cortar o fôlego.
A terra poeirenta de tantas passagens desfazia-se sob os seus pés, arrastando-o com ela por algumas dezenas de metros para baixo em direcção ao vazio, no esforço por se manter estável agarrava-se as pedras e arbustos.
A travessia dos muitos rios , eram feitas preso a peles de cabras , cheias de ar ao sabor da corrente ou puxado com cordas da outra margem, tornava-se difícil progredir mas algo lhe dizia que teria de chegar antes do Inverno a Lhasa.
Os sons dos animais , misturados com o “Om mani padme hum” dos peregrinos que se prostravam sucessivamente no pó , ecoavam pelas estreitas e labirínticas curvas do rio.
A zona de Thisha Tsang para onde se dirigia assemelhava-se a um organismo vivo, vales viçosos estendiam-se como tentáculos irrigados por canais cada vez mais estreitos ,onde cresciam rododendros, azáleas, magnólias e árvores de fruto , rodeadas por searas de centeio , no fundo de montanhas áridas.
Tinha passado a fronteira com o Tibete há já vários dias, evitando os principais acessos e as autoridades ocupantes chinesas, misteriosamente entendia bem todos os dialectos reconhecia locais, conhecia caminhos e pessoas que nunca tinha visto.
-Muntanyes de Llum
Disse-lhe em catalão um sujeito de tez ocidental apesar de muito queimado pelo sol, curvado e com vestes de monge cor de vinho e açafrão,.
Apontou jo e as distantes montanhas luminosas já além do planalto Tibetano; caminhou decidido ao seu encontro mas continuou sem mais nada dizer
chamava-se Pepe, sabia-o ainda antes de o encontrar, sob o braço levava o mantras que iria recitar vezes e vezes sem conta nalgum retiro solitário.
Jo ficou parado admirando o maravilhoso panorama de montanhas cobertas de neve , como alvos lençóis enrugados ao sol.
Próximo e dissimulado na paisagem, sobre uma colina coberta de tsi-tog, (flor endémica do planalto tibetano) um convidativo mosteiro, parecia adormecido por séculos de austera contemplação, para aí se dirigiu orientado por sons monocórdios de vozes humanas rezando misturadas com o som estridente de símbalos, tambores e tubas.
Sobre uma grande porta vermelha com adornos dourados estava escrito Mosteiro de Samye e Trono do venerado Pachen Lama, sede bem-vindos.
Entrou e foi como se sempre aí tivesse estado, a sensação era sentida também pelos monges que o esperavam e o receberam com grandes demonstrações de carinho e amizade.
Deixaram-no descansar da jornada numa cela previamente preparada, deram-lhe vestes limpas de monge para substituir a chuba (veste tradicional tibetana com grandes mangas) rasgada e suja que vestia desde que chegara ao planalto, disseram-lhe que o esperavam no grande átrio do mosteiro que estava magnificamente decorado com bandeiras de oração, tapeçarias pesadas e paredes pintadas com bodhisattvas e budhas.
Já reconfortado , sentou-se nos pesados bancos de madeira junto a quatro monges gelugpas que estavam comendo tsampa (manteiga de yac com farinha e cha ) e momos de vegetais, bebendo Bö-cha (chá tibetano com manteiga de yac) enquanto no chão um mandala muito colorido era executado em sua honra.
Um dos homens, Tsharing day (vida longa ) serviu-lhe , com grande destreza ,dada a falta dos dedos das mãos, um copo gigantesco de chang ou cerveja tibetana e contou-lhe enquanto bebiam devagar como tinha subido os catorze picos das montanhas de luz, que sentia profundamente a falta de dois amigos que tinha deixado para trás nessas montanhas sagradas.
Tinha sofrido queimaduras também na cara e no nariz mas disse-lhe não se importar devido ao amor que sentia pelo mundo, à fé inabalável no Ser Humano, todo o sofrimento seria recompensado, seria o seu tributo.
Os dias no mosteiro seguiram-se pacíficos e rituais, aprendeu (cham) dança ritual tibetana com Dyhana, simpática monja do mosteiro e o magro e temperamental egípcio Jan ,dançavam ao som de longas trombetas , tambores , címbalos e durava dias até entrarem em transe , encarnando espíritos malévolos e entidades protectoras.
Nadava frequentemente no lago turquesa de Manasovar-tso com Pepe, bom nadador apesar de gordo e pachorrento.Retirado numa pequena gruta ouvia os pensamentos ao som de cascatas e dos inúmeros pássaros.
Lembrou-se do velho manuscrito , retirou-o da mochila, conseguia agora decifrar facilmente tudo apesar de ser em sânscrito .
Era espantosa a facilidade com que lia e interpretava aquela escrita que via pela primeira vez.
contava a viagem que tinha feito, a continuação da mesma , o próximo encontro com o sábio Milarepa em shang-ri-la, nas montanhas luminosas de Kailsash .
A chegada a Lhasa ,onde o esperava Shri Devi (protector do Tibet ) ,estava tudo descrito, até os seus pensamentos mais profundos, como podia alguém há muitos e muitos séculos , tudo saber sobre ele e a sua demanda .
Diariamente aumentava o seu poder de decifrar escritas, compreender línguas e dialectos, ouvir pensamentos ou ver entidades cavalgando no vento e animando a natureza, como Tara nos 21 diferentes aspectos que apresentava, ou Avalokiteshvara de mil espadas nas tempestades poderosas sobre os vales e montanhas, sentia próximo o despertar.
Estava escrito,
Agora restava-lhe abandonar o retiro e partir na direcção que lhe apontara Pepe quando chegara, as montanhas de Luz.
Acompanhou-o durante algum tempo, era Medico e continuava a estudar pelo que teria de regressar depois de uma semana, o suficiente para aprender mais sobre beleza ,a da construção humana como com Tsharing ,o sacrifício ou com o barbeiro Karim o momentum e a imaginação com a esposa Jahas e O´Briant seu filho,a partilha ,Dhyana a simpática professora de dança ritual e jan,o egípcio (Cham) a harmonia ,com o Zépedal o desprendimento e enfim com todos os bodhisattvas e sadhus pela vida fora, pai e mãe ,musthafas e Nurias .
A pensão Paraíso de Futi Sherpa foi o local de despedida de Pepe, Futi era esposa de Tenzing , o primeiro homem a subir ao Qomolanga ou Sagamarta , a montanha mais alta da Terra , ainda hoje em dia todos os seus filhos , netos e bisnetos fascinados pelo brilho a homenageiam entregando-lhe a vida.
Um velho sherpa cego e de longas barbas brancas falou-lhe, curvando-se e juntando as mãos juntas em sinal de respeito.
– Namaste venerado Gautama o que fazeis por aqui tão longe de Lumbini, de vossa casa?
Disse-lhe que estava enganado, não era quem ele pensava mas o ancião não acreditou :
– Meu Gautama, um velho cego consegue ver melhor que cem mil olhos de outros tantos mil exércitos de homens, fui abençoado pela tua presença e o meu samsara passou a um estagio superior .
Jo pousou gentilmente a mão sobre a cabeça do velho, deixou a pequena casa e tomou uma vereda , à direita do caminho por onde chegara que seguia para Shang-ri-la a montanha sagrada Kailash e a gruta do poeta e Magico Milarepa.
Jorge Santos
(continua)
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