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CRÔNICA DE UM DESASTRE
CRÔNICA DE UM DESASTRE
A uma tempestade não se afaga
quando se vai por dentro.
Como se o século todo se incendiasse
e os gritos ficassem roendo
outros gritos subindo, descendo.
E ensurdecesse de dor a América,
mãe atrás dos filhos, mãe parindo
a eternidade de escombros, chuva
e areia. Mãe sozinha à beira de um rio
e do mundo. Todos os gemidos vêm
do fundo de teu poço, mãe ! As chamasnão têm pátria , como as patas
deste animal no homem que , sem data,
é o ódio, o ódio, gafanhotos, vômito.
De um momento a outro, milhares
de almas se aninham, pombas na morte
sem pombal e a morte é doida
que caminha errante e não sabe onde
pousar sua cabeça. A hecatombe
come em tua mesa de ossos. E o ódio
não tem mais natureza, nem de semente
nasce. Vem das baionetas, das pilhagens
do sol , antes do meio-dia. Aviões
não são olhos, nem ouvidos
e batem , morcegos acendidos
nos corpos e destroços. Mãe-humanidade,
por que as bestas à tona vêm do homem,
quando podem tornar para as cavernas ,
ou meter-se nas gavetas das estrelas
e sumir ? Nenhuma falta fazem à vida,
cestas de água e nada . Mãe-humanidade,
tua dor se esvai, fumaça de almas ,
ninhadas de voragens e filhotesde escuridão chorando. Nenhuma
terra sabe falar das ruínas , por
se guardar nelas. Nenhuma mãe
ousa gravar na lápide este crime ,
que o sepulcro de cinzas não resume.
E o que restou do homem ?
(Nova Iorque, 11 de Setembro de 2001)
Carlos Nejar por MarneDulinski
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