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as cronicas da princesa nua
Morena. Feita de um caramelo intenso. O sol nasce e põe-se na sua pele. Microscópicos pêlos alourados aqui e ali servem de almofada ao meu rosto. Elegante. Não magra. Com carne suficiente para me aguentar durante o inverno. Nariz de judia. Altivo. Como um pássaro no poleiro a olhar o mundo a correr debaixo dos seus olhos. Os olhos. Olhos negros. Profundos. Ora duas azeitonas, ora duas amêndoas, dependendo para o que olha e como o olha. Ventre duro. Resistente como couro, aveludado como veludo. Dedos longos como pontes, sempre ansiosos de chegarem á outra margem. A boca. Boca tão molhada que me afoga. Feita de marginais lábios que parecem querer arrancar um bocado á minha carne. Tu existes. És feita de um pedaço de céu, dois quarteirões de inferno e três hectares de purgatório. És a minha nação. O meu hino. És a vacina que faz com que não seja cego, surdo e mudo. Estou preso. Os meus pés mergulhados em cimento, as minhas pálpebras coladas fechadas. Só assim a consigo ver, no escuro da minha fisionomia. É irracional esta minha obsessão por ela tanto o quanto é irracional a sua obsessão por mim. Sou um Cristo de mãos e pés pregados com vista privilegiada para as suas formas. Sou uma metáfora cativa dos seus predicados. Esta é a sua história. A história da princesa nua. A história da visão que me assombra as noites, que me rapta do meu sonho vivo, que viola o meu cérebro com o seu cheiro, que burla os meus olhos com as suas curvas. Esta é a lengalenga da lânguida figura que percorre a imaginação da própria imaginação, que serve de adjectivo aquilo que penso, que procuro, que escrevo, que sangro. Esta é a lenda da lendária existência do espectro que ocupa o ténue espaço entre a pele e a carne, que se disfarça de palpitação e viaja do corpo para a alma. Esta é a canção que só por ela poderia ser cantada, esta é a sua voz repousada em mim.
Este é mais um dia igual ao de ontem e provavelmente semelhante ao de amanhã. A princesa nua cavalga-me, sem sela nem freios, agarrada á minha crina negra. O seu corpo ganha forma de concha ao cobrir o meu dorso. Protege-me do vento. Protege-me do que eu não quero sentir. Eu envergonhou-me por ser ela a proteger-me do que eu não quero sentir e não o contrario. Ela sempre funcionou assim comigo. Nunca me perguntou o que eu queria ser quando fosse grande, mas sim o que gostaria de fazer quando me tornasse pequenino. Eu nunca respondi. Com ela nunca tive direito a resposta. Todas as minhas palavras são as dela. Nas noites mais quentes costuma dançar para mim, cobre-se de miragem e acompanha o ritmo das ondas de calor que penso ver com os olhos entreabertos. Dança e rodopia numa espiral sem fim, confundindo as minhas dúvidas e aclarando o meu pensamento. Os meus suspiros servem de percussão aos seus calcanhares de cristal que sapateiam nos tacos de madeira do meu chão flutuante. Ou será apenas a minha mente que flutua na maré baixa do seu olhar? Não sei. Se soubesse o caminho que o desejo percorre entre cérebro e o resto do corpo não me enganaria tantas vezes. Tal como ontem que não te queria ver mas mesmo assim tu fizeste a tua aparição, vinda das brumas da porta do meu quarto, rompendo com o meu cansaço quotidiano. Ontem nem sequer me queria lembrar do teu nome mas tu fizeste questão de o soletrar letra por letra até ficar bem cravado na minha memória. Queria que não passasses de um espasmo mas fizeste questão de te transformar em sismo, abalando o meu equilíbrio, fazendo-me cair nas fendas do teu corpo efervescente que assim queima o meu. E hoje? Hoje apetece-me devorar-te, a ti e aos presentes que me trazes do teu mundo de sensações, do teu mundo de suspiros, do teu mundo de sonhos e de brigadeiros, do teu mundo doce, como a casa da bruxa da historia que lia em criança. Hoje desejo-te, clamo por ti, salivo, mas não vens. Nunca respondes ao meu chamamento, sou eu que respondo ao teu. Sinto-me a ficar vazio, como se fosse uma pilha gasta, um guardanapo usado. Sinto-me a tua exclusiva prostituta, que usas e abusas quando queres, apenas quando queres. As relações não deviam ter um só sentido, deviam ter dois, ou mesmo três ou quatro vias como as auto-estradas. Talvez por seres da realeza penses que tens direitos sobre mim. E provavelmente tens. Confesso. Sou um súbdito da princesa nua. Mas não me podes continuar a visitar assim, como uma invasão de campo no fim de um jogo de futebol, como uma avalanche na primavera, como o álcool deitado sobre uma ferida. Cansas-me. Gastas-me. Envelheces-me. Sinto o cabelo a ficar grisalho, as mãos a enrugarem, o sexo a murchar. Sinto que as horas que passo contigo são mil dias vividos entre os mortais. A ti não te custa. És imortal como o vento. És imortal como a chuva. Tu és o vento. Tu és a chuva. Apareces quando menos quero, desapareces quando mais desejo. Deixas-me despenteado, deixas-me molhado, para finalmente me deixares sozinho com o meu corpo usado pela tua sobrenatural natureza, que faz de mim uma plantação devastada pela estação do ano errada. Estou á procura de algo que substitua o teu corpo nu deitado na minha cama, na minha nuvem isolada do céu, reclusa do teu corpo, sentenciada á prisão perpétua que são os teus movimentos. O teu espreguiçar, o teu bocejar, o teu gesticular, a tua língua condensada em corpo de mulher, o teu dialecto de expressões afunilado entre as pernas, o teu vociferar escondido nas rugas que ainda não tens. Não precisas nunca de falar, o teu corpo é toda uma linguagem. Escusas quase sempre de verbalizar o que queres, o que exiges, o teu corpo é todo um discurso imperativo. Procuro. Continuo a procurar. Busco nos confins da minha imaginação, do meu mundo e és só tu que encontro. Em mim não existem sete maravilhas, existe uma e preenche a minha essência por inteiro. Tenho que encontrar algo. Tu corróis o meu andamento, a minha linha de vida, fazes desaparecer o espaço e o tempo. O que ao início parecia ser luz é agora escuridão, o que parecia ser inspiração divina é agora demência. É isso. Sou doido. Sou um lunático. Tu és a minha doença mental. Pensava que eras a terapia mas afinal és a causa, és a enfermidade, a moléstia do meu juízo. Nós nunca fomos amor, fomos sexo, fomos suor, fomos fricção. Não. Nós não somos carinho, somos tesão, somos libido. Não. Não és medicação, és droga. Se não tens substituta, por favor acaba comigo, sê a minha overdose em inglês ou a minha sobredosagem em português. Mergulha no sangue das minhas veias e escorrega até ao meu coração. Por favor mata-me e morre em mim. Silencio. Encontro finalmente o silêncio, a musica das pedras, a melodia das plantas. Com o silêncio começo realmente a ouvir, a ouvir-me, a ouvir o trautear das rodas mecânicas do meu raciocínio, o roncar do aborrecimento das minhas reflexões, o troar das minhas tímidas decisões. Estou a vencer-te. Evaporas-te no suor do meu renascimento, da minha ressurreição, da minha descoberta de mim mesmo. É como voltar a andar após muito tempo parado, lembras-te de como é mas sai tudo um pouco enferrujado, tosco, descoordenado. Andei as voltas como na cabra cega e agora parto aos trambolhões pelo meu caminho inusitado. Um baralho de cartas mal baralhado. É isso. Talvez fosses o meu couprier. Fazias de mim uma sequência, agora sou um motim de cartas soltas, um rei sem rainha. Estas a perder e eu estou a perder-te. Tem que ser assim, é a minha última hipótese, deixar um vício, um mau habito. Deixar de me perder no teu corpo, na tua sinfonia muda, no teu sabor. Sabor entre o amargo e o doce, entre o salgado e o insonso, entre o principio e o fim do arco-íris. Não vou ficar mais preso, suspenso a meio da tua montanha. Recuso-me. A mim não me algemas mais. O meu tempo na tua penitenciaria acabou. O juiz decretou o fim da minha imaginação. Os legisladores criaram a lei da tua ausência. Chegou ao fim o mandato da tua vil presidência. Esgotei-te. A loja está finalmente a fechar. Aqui já não te vendes mais. Procura uma outra rua. Procura uma outra esquina. Procura um outro quarto. Procura uma outra cama. Vai, talvez lá ao fundo encontres outro coração vazio para violares.
Cai. Cai de novo em ti. Fui fraco. Como pode ser tão fraco? Ter uma recaída no veneno tal como um toxicodependente. Agora apenas a ideia da tua presença me causa alergia. Ganhei-te aversão, o teu corpo não me envolve mais, mas mesmo assim cai, deixei-me levar por um velho habito, nada mais foi que um reflexo, foi natural mas completamente racional, desta vez estive consciente e senti o amargo da tua heroína. Foi como um suicídio, uma queda livre, sabia que ia doer quando atingisse o chão mas deixei-me cair, atirei-me de um prédio de dez andares, esborrachei-me na típica calçada portuguesa, feita de cal, feita de branco e de negro. Dos meus restos, dos meus fluidos que se aninhavam nas brechas do chão vi a solução. Vi que esta é a única reacção que agora me provocas. O teu toque implode o meu corpo. O pior e que sempre me vi como um masoquista, no meio de toda a dor encontro réstias de prazer. A dor revela-nos aquilo que se esconde atrás de nós, atrás das nuvens negras de chuva, atrás do sol quente do verão. Descobri que para te vencer preciso de procurar a tua origem. Percorrer a tua árvore genealógica. Afundar-me no teu ADN. Preciso de abrir os livros de história e assistir ao teu nascimento de modo a aprender a matar-te. Quero tornar-te numa espécie extinta, numa Argentavis magnificens, num Tigre-de-java, quero guardar a tua beleza numa fotografia a preto e branco, dum século passado, amarrotada no meu bolso, escondida dos meus olhos, do meu coração, de todos os meus órgãos que sentem.
Asas. Ganhei asas como presente de aniversário. Nasci hoje ou apenas algo nasceu hoje em mim? Uma nova vontade aconchegada em penas cor de laranja que se movem como labaredas. Uma nova visão do espaço a minha volta, da maneira como as formas alienígenas se movimentam dentro desse espaço. Não vejo mais fantasias de carnaval. Não vejo nem belas adormecidas nem capuchinhos vermelhos, não vejo mais princesas. Posso finalmente dirigir-me a ti, em discurso directo, não como se falasse comigo mesmo ou com uma entidade superior, não como se fosses somente uma ideia mas sim uma realidade feita de sangue, lágrimas, riso. Feita de motivos, de duvidas, de arrependimentos. Feita de humanidade. Hoje. É hoje. Hoje é daqueles dias em que tenho que estar na rua a respirar ar verdadeiro? Não que exista ar falso, mas sabes, daquele que magoa quando respiras? Hoje quero ser espancado pelo vento até perder os sentidos. E é esse mesmo vento que obriga a minha mão a escrever estas palavras, a escrever adeus. Aqui acaba a tua história e começa a minha. Não foi a minha vontade que conquistou esta batalha, foi a natureza e o seu torto e inclinado caminho. Foram os deuses, foi a agua, a agua que nada da nascente até a foz. Cansei-me de princesas. Quero antes uma mulher. Acabou a fantasia. Começou a vida. Venha o comum, venha essa plebeia, venham esses olhos mundanos, esse rosto cansado, esse corpo de parideira, que venha, mas venha nu. Venha uma mulher. Nua.
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Comentários
as cronicas da princesa nua
Beleza de texto, gostei cheguei a imaginar a beleza de tua princesa nua!
Meus parabéns, guarde-a!
MarneDulinski
muito obrigada marne, irei
muito obrigada marne, irei guarda-la,sempre bem vindo