CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Daniel Faria, excerto “Do que era certo”

Excerto “Do que era certo”

I

Nesta adiantada etapa ou quartel da minha vida, não deveria acreditar já, nem “por’í-além” em coincidências, mas por lado contrário ainda aumentam e em muito, as minhas expectativas mundanas acerca dos acontecimentos que não conseguia nem consigo, plácida e pacificamente explicar, o método e o conteúdo exótico dos mesmos.
O dia terminava quente e na ligeira aragem fresca que se fazia sentir no rosto e na pele dos ombros nus, um remédio que cura e que ao mesmo tempo me saudava os sentidos como numa saudação cósmica benigna e universal, tal o poder que sentia em mim vindo e direccionado da natureza, um auspicioso bem estar oriundo e inscrito no espaço envolvente e sentido em uníssono com a mente e o corpo. A caminho da serra sentia-se cheiro a pinheiro bravo e aquele perfume a flores silvestres contagiante e inseparável da pele, de uma fragância libertadora, como uma bênção extraída da natureza comunicando aos poros o aval, a permissão de viver que todos os dias necessitava tal como um afrodisíaco, para voltar a dar vida à vida e poder eu continuar correndo e andando pelos trilhos da montanha aberta.
Como é próprio da minha delicada e dedicada imaginação construo apocalipses e maremotos em chávenas de café mais ou menos morno, a falta de explicação de certos fenómenos iliba-me de os comprovar (excepto no generoso aroma do café) e não contesto, jamais contesto o meu voluntarioso espírito acerca da veracidade crua e volátil dos factos, trato de os preservar como num cadinho para, no futuro (digo sempre “no futuro”) os desencantar num outro universo paralelo em que façam mais sentido e encaixem magicamente, como se fossem peças de um grande puzzle.
Daniel Faria era para mim um nome mágico, pertencia a um jovem e raro poeta, monge noviço, falecido pouco tempo antes e de uma forma misteriosa, para não dizer suspeitosa e pouco esclarecida, no claustro de um convento escondido ao norte do país, Singeverg, em S. Martinho de Cucujães, uma ancestral e secreta congregação Beneditina, este sempre me tinha fascinado e não só pela escrita poética, mas não imaginava eu que, nas minha deambulações reais e com os pés e cóccix bem assentes sobre as pernas cruzadas, num chão de terra batida, o seu nome fosse pronunciado de uma forma tão real, esclarecida e clara embora com voz rouca de um sem abrigo ou eremita com que me fui acostumando a conviver na serra, ao longo de dias e meses de conversas interessantes e inteligentes acerca do tudo e do nada das coisas da vida e naturalmente da morte.
Não resisti, dificilmente resisto a partilhar perante todos e o mundo, além das minhas fontes, (verdadeiras ou falsas) o inicio e o móbil dos meus romances, tal como desta vez. Daniel Faria morreu auspiciosamente no dia do meu aniversário, o trigésimo terceiro, a pretensa idade de Cristo ao morrer e daí talvez, eu sentir uma atração compulsiva, assim por exemplo como pelo irmão Jorge S. de Fernando Pessoa, ou por Ernest Hemingway que se suicidou no mesmo dia e aparentemente à mesma hora (tratei de averiguar) em que dei o primeiro berro, a minha primeira madrugada a quatro, cinco ou talvez a dez dimensões, o Big-Bang.
Mas continuando, acerca de Daniel Faria e das revelações que dia a dia me iam sendo anunciadas por D. Bernardo de Roriz, de quem somente e ao fim de meses de restrita relação de humildade de confessionário e comunhão chegaria a saber o nome e o cargo do cónego principal do convento onde faleceu o poeta aos 27 anos de idade, segundo o qual “o olhar dos anjos tanto perturbava”.
Decidi naquele dia em que o conhecera, fazer um trajecto menos comum na montanha e percorrer esse antigo caminho que se desviava pela esquerda do principal e ficado sempre e sempre por realizar, desolado e muito abandonado, tapado por erva abundante e alta, embora tivesse já servido de via de comunicação entre algumas capelas solitárias e semi desmoronadas era um mundo mítico e aparte, coberto das memorias no musgo e dos fetos da altura de um homem, um mundo organicamente puro, sub-humano e deslocado, de tranquilidade inominável, aparentemente fora desta dimensão.

II

Numa sinceridade quase catedrática e omnisciente em que a proporcionalidade de estímulo da minha parte não excedia a determinação daquela vontade benigna e franciscana em revelar conjuras e conspirações diletantes, minhas pupilas aumentavam e diminuíam, na medida que sentia presente o som das passadas pelos claustros da basílica e as orações dos padres, estranhamente repercutidas nos arcos das ogivas centenárias. Austero nas palavras mas impetuoso, o frade congregava a minha atenção como se fosse uma novela em várias temporadas e todo o tempo do mundo fosse pouco para que terminasse o enredo, nem eu o desejava. Não faltava ao encontro, sempre e religiosamente à mesma hora, levava-lhe um pão, vinho e alguns alimentos que ele colocava de lado e num cerimonial, dir-se-ia japónico, transladava da memoria um Daniel com detalhes vividos em contornos de vitral, como só eclesiásticos sabem transmitir.
Em primeiro lugar confessou-me o facto de Daniel não ter morrido acidentalmente e não poder levar esse segredo com ele até à sepultura, visto ser a única testemunha dum homicídio perpetuado hediondamente por membros da mesma congregação religiosa e monástica que dirigira abnegadamente durante décadas.

(continuará)

Submited by

quarta-feira, abril 15, 2020 - 10:58

Poesia :

Your rating: None (1 vote)

Joel

imagem de Joel
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 8 semanas 6 horas
Membro desde: 12/20/2009
Conteúdos:
Pontos: 42009

Comentários

imagem de Joel

Obrigado pela leitura e pelos momentos que partilho

Obrigado pela leitura e pelos momentos que partilho

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of Joel

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Ministério da Poesia/Geral Orgia de terras estranhas … 1 617 02/22/2018 - 16:41 Português
Ministério da Poesia/Geral Reis, Batalhas, Elefantes … 1 1.012 02/22/2018 - 16:40 Português
Ministério da Poesia/Geral Estórias de gente 1 1.710 02/22/2018 - 16:40 Português
Ministério da Poesia/Geral Cama no chão 1 1.432 02/22/2018 - 16:39 Português
Ministério da Poesia/Geral Riqueza de palhaço 1 582 02/22/2018 - 16:39 Português
Ministério da Poesia/Geral Há, de versos tantos … 1 1.149 02/22/2018 - 16:38 Português
Poesia/Geral Aos poucos 1 1.750 02/22/2018 - 16:38 Português
Poesia/Geral Agonia tem nome de ópio 1 995 02/22/2018 - 16:37 Português
Poesia/Geral Gritando 1 1.448 02/22/2018 - 16:36 Português
Poesia/Geral Durmo tempo demasiado 1 949 02/22/2018 - 16:36 Português
Ministério da Poesia/Geral Soror da dor 1 1.372 02/22/2018 - 16:35 Português
Poesia/Geral Falo do Estio 1 1.761 02/22/2018 - 16:34 Português
Ministério da Poesia/Geral Quanta fadiga me enternece … 1 389 02/22/2018 - 16:33 Português
Ministério da Poesia/Geral Solidão 1 892 02/22/2018 - 16:33 Português
Ministério da Poesia/Geral Já nem sei que ou quem 1 2.673 02/22/2018 - 16:32 Português
Ministério da Poesia/Geral Nervoso ou preso 1 2.383 02/22/2018 - 16:31 Português
Ministério da Poesia/Geral livro de-se-ter… 1 1.060 02/22/2018 - 16:31 Português
Ministério da Poesia/Geral Façamos um pacto … 1 514 02/22/2018 - 16:30 Português
Ministério da Poesia/Geral Meu mar sou 1 1.526 02/22/2018 - 16:29 Português
Ministério da Poesia/Geral Afinal me perco em Sófia … 1 1.716 02/22/2018 - 16:29 Português
Ministério da Poesia/Geral O mistério … 1 2.248 02/22/2018 - 16:28 Português
Ministério da Poesia/Geral Obrigado e Adeus … 1 872 02/22/2018 - 16:27 Português
Ministério da Poesia/Geral Enfim livre… 1 1.298 02/22/2018 - 16:27 Português
Ministério da Poesia/Geral Redentor Rei-Cristo … 1 433 02/22/2018 - 16:26 Português
Ministério da Poesia/Geral Há palavras 1 8.492 02/22/2018 - 16:26 Português