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Eppur si muove [Não se pode calar um homem] (Affonso Romano de Sant´Anna)

Não se pode calar um homem.
Tirem-lhe a voz, restará o nome.
Tirem-lhe o nome
e em nossa boca restará
a sua antiga fome.

Matar, sim, se pode.
Se pode matar um homem.
Mas sua voz, como os peixes,
nada contra a corrente
a procriar verdades novas
na direção contrária à foz.

Mente quem fala que quem cala consente.
Quem cala, às vezes, re-sente.
Por trás dos muros dos dentes,
edifica-se um discurso transparente.

Um homem não se cala
com um tiro ou mordaça.
A ameaça
só faz falar nele
o que nele está latente.

Ninguém cala ninguém,
pois existe o inconsciente.
Só se deixa enganar assim
quem age medievalmente.

Como se faz para calar o vento
quando ele sopra
com a força do pensamento?

Não se pode cassar a palavra a um homem,
como se caçam às feras o pêlo e o chifre
na emboscada das savanas.

Não se pode, como a um pássaro,
aprisionar a voz humana.
A gaiola só é prisão
para quem não entende
a liberdade do não.

Se a palavra é uma chave,
que fala de prisão, o silêncio
é uma ave- que canta na escuridão.

A ausência da voz
é, mesmo assim, um discurso.
É um rio vazio, cujas margens sem água
dão notícia de seu curso.

No princípio era o Verbo-
bem se pode interpretar:
no princípio era o Verbo
e o Verbo do silêncio
só fazia verberar.

Na verdade, na verdade vos digo:
mais perturbador que a fala do sábio
é seu sábio silêncio,
con-sentido.

O que fazer de um discurso interrompido?
Hibernou? Secou na boca, contido?
Ah, o silêncio é um discurso invertido,
modo de falar alto- o proibido.

O silêncio
depois da fala
não é mais inteiro.
Passa a ter duplo sentido.
É como o fruto proibido, comido
não pela boca,
mas pela fome do ouvido.

Se um silêncio é demais,
quando é de dois, geminado,
mais que silêncio- é perigo,
é uma forma de ruído.

Por isso que o silêncio
da consciência,
quando passa a ser ouvido
não é silêncio-
É estampido.

 

Afonso Romando de Sant´Anna, poeta brasileiro, In: Seleções, p. 207-209, Ed. Global, 2010.

Eppur si muove (*)  foi dedicado a Leonardo e Clodovis Boff (que tiveram imposto o "silêncio" pelo Vaticano durante o movimento Teologia da Libertação na América Latina, nos anos 70-90), Leonardo Boff posteriormente deixou a Igreja e hoje segue pregando seus ideais como palestrante, escritor e ativista em várias obras sociais e pelos direitos humanos e ambientais.

"Ainda assim, ela se move" - Frase dita por Galileu, após abjurar (diante da Inquisição) que o planeta Terra girava em torno do sol.

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domingo, janeiro 22, 2012 - 11:59

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