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Ernest Hemingway-O Velho e o Mar
A esperança e a confiança nunca o haviam abandonado. Mas reverdeciam agora, como ao sopro da brisa.
A gente começa por pedir emprestado e acaba a pedir esmola.
Gostava muito dos peixes-voadores, seus dilectos amigos no oceano. Dos pássaros tinha pena, em especial das andorinhas-do-mar, escuras, delicadas, pequenas, que andavam sempre a voar e a olhar e a quase nunca encontrar nada, e pensava: "As aves têm uma vida mais dura do que a nossa, à excepção das de rapina e das muito fortes. Porque há pássaros tão delicados e finos como essas andorinhas, quando o oceano pode ser tão cruel? É gentil e muito belo. Mas sabe ser tão cruel, e sê-lo tão de súbito, que tais pássaros que voam e mergulham à caça, com as suas vozinhas tristes, são demasiado delicados para o mar".
Sempre pensava no mar como *la mar*, que é o que o povo lhe chama em espanhol, quando o ama. Às vezes, aqueles que gostam do mar dizem mal dele, mas sempre o dizem como se ele fosse mulher. Alguns dos pescadores mais novos, os que usam bóias por flutuadores e têm barcos a motor, comprados quando os fígados de tubarão davam muito dinheiro, dizem *el mar*, que é masculino. Falavam dele como de um antagonista, um lugar, até um inimigo. Mas o velho sempre pensava no mar como feminino, como algo que entrega ou recusa favores supremos, e, se tresvariava ou fazia maldades era porque não podia deixar de as fazer. A lua influi no mar como as mulheres, pensava ele.
Cada dia é um novo dia. É preferível ter sorte. Mas eu prefiro ser exacto. Assim, quando a sorte vem, está-se pronto para ela.
A maior parte das pessoas é impiedosa para com as tartarugas, porque o coração delas bate horas e horas, depois de arrancado e esquartejado.
- Peixe - disse. - Amo-te e respeito-te muito. Mas hei-de matar-te, antes de o dia acabar.
É um grande peixe, e tenho de o convencer, pensou. Não devo deixá-lo nunca tomar conhecimento da sua própria força, nem do que poderia fazer se corresse. Se eu estivesse no lugar dele, jogava o tudo por tudo, até que alguma coisa rebentasse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, que os matamos, embora sejam mais nobres e mais capazes.
(…) Também o peixe é meu amigo - disse em voz alta. - Nunca vi nem ouvi falar de um peixe assim. Mas tenho de o matar. Agrada-me pensar que não temos de matar as estrelas.
Tu estás a matar-me, peixe, pensou o velho. Mas tens todo o direito. Nunca vi uma coisa maior, ou mais bela, ou mais serena ou mais nobre do que tu, meu irmão. Vem e mata-me. Não quero saber qual de nós mata.
(…) O velho largou a linha, calcou-a com o pé, levantou o arpão ao alto e fê-lo descer, com toda a força que tinha e mais força que no momento invocou, pelo flanco do peixe adentro, mesmo por trás da grande barbatana peitoral que alta se erguia no ar à altura do peito do homem. Sentiu o ferro entrar e debruçou-se sobre ele e fê-lo entrar mais e carregou depois com o seu peso em cima. O peixe então reanimou-se, com a morte em si, e saltou bem fora de água, patenteando o seu grande comprimento, a sua envergadura, o seu poder inteiro, a sua beleza. Parecia pairar no ar, acima do velho no esquife. Depois, caiu na água com estrépito, lançando espuma ao velho e por todo o barco.
Eu só pela manha valho mais do que ele, que me não queria mal.
O homem não foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado.
É tolice não ter esperança, pensou. Além de que suponho que é pecado.
"Não mataste o peixe só para viver e vendê-lo para ser comido. Mataste-o por amor-próprio e porque és um pescador. Amava-lo quando estava vivo, e ama-lo depois de morto. Se o amas, não é pecado matá-lo. Ou será mais?"
(…) Além de que, pensou, tudo mata, de uma maneira ou de outra. Pescar mata-me, exactamente como me mantém vivo.
A sorte é coisa que vem de muitas formas. Quem sabe reconhecê-la?
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