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Foi aquela nuvem

Foi aquela nuvem...

os olhos em andamento

eram as asas de um pássaro

 

Aquela nuvem nos dedos a tremer

e a paisagem nos olhos seria a solidão marcada no corpo até que doesse a eternidade

 

E doia sempre aquela agulha nos olhos

a desviar o destino das palavras.

 

Foi aquela nuvem

os olhos em andamento

e a lua no compartimento do comboio.

 

E tu eras triste

e tu estavas triste

e o vento não se sabe como estava.

 

Mas a máquina parecia um cavalo

e o teu lamento era uma dor de muitos espinhos, um prazer que te atravessava.

 

E esse era o poder da morte

e os teus olhos estavam fracos e a noite era um juramento

nunca cumprido pelas almas.

 

Foi aquela nuvem

os olhos em andamento

eram as asas de um pássaro.

 

Aquela nuvem e o fumo

e os teus gestos

e aquela solidão que se desfaz

como um pano no fogo.

 

Esse era o poder da água.

A voz que tinha a força que vem de muito longe antes que fosse possivel conceber limites ao corpo e ao destino.

 

Foi aquela nuvem

os olhos em andamento e a luz.

 

Deixa-me escurecer com os dedos

os passos dos que passam na ponte.

 

São seres invisiveis que nos tocam

e nós pensamos que foram as almas.

 

Mas as almas que vem do fogo, esse fogo que das nossas bocas é um poder grande

que não sabemos descrever nem medir.

 

Em cada palavra nossa o amor é um traço de cinza.

 

Foi aquela nuvem

um rebanho no chapéu de palha e na cabeça a melancolia.

 

Meu amor o poema no meio das pedras estava ferido

 

E aquela nuvem na margem das folhas desfalecia inventando de novo o silencio.

 

Não estava nos livros essa angustia de quem se lança das janelas para nascer no outro dia pobreza maior que antes.

 

Foi aquela nuvem

mas depois o avião rasgou o papel, a palavra acrobacia se equilibrando na ponta do nariz.

 

Não estava nos livros

nem na espuma dos dentes a raiva dos que estam presos ao tronco das árvores

e veêm os anjos no meio das ervas a cantar louvores aos velhos poetas marginais da nossa cidade.

 

Foi aquela nuvem no fio electrico, aquela canção que te tocou para todo o sempre. E tu eras triste e agreste como um animal selvagem que habita nos olhos nus dos homens sem memória e sem folego, o grito universal que antes da palavra é convertida solidão e agora murmurada no sumo dos lábios que são os beijos ácidos das nossas orações

 

Foi aquela nuvem mas depois no teu corpo havia o rio que se espreguiçava como a escuridão na alma antes de nascer.

 

Meu amor á quanto tempo aquele verso limado

como ferro nos teus cabelos de bronze.

 

Havia aquela multidão

que ia naquela estrada e esta era aquela visão que caminhava no meu cerebro quando eu tentava dormir sem ouvir os vómitos e os gritos electricos dos ratos.

 

E tu eras triste e eras alegre de uma maneira que não percebes e por isso eras verdadeiramente pobre e isso era tão triste como ter o coração a bater no compasso incerto da esperança, essa de ficares de pé com a força da terra nos teus braços de Deus anónimo.

 

Foi aquela nuvem e o vento no teu lábio e o teu lábio sobre o seio como se a tua boca desse um jeito á curva do meu corpo a desfalecer no fogo.

 

Deixa-me escurecer como se a noite debaixo de água fosse a criatura que acorda de dentro do ventre a saudar as estrelas e os bichos rasteiros que tudo analisam como aqueles que andando sobre os pés descalços dos santos, vão limpando a terra das suas impuresas e das suas enganosas liberdades.

 

Foi aquela nuvem e tu sobre as escadas a iluminar aquela infancia que se passeia no teu guarda vestidos a brincar aos teatros e aos suicidios.

 

Vem meu amor limpar-me os olhos que de olhos limpos te dedico a frescura das ervas e o halito dos poetas nesse corpo que é de todos os homens ou anjos perversos abanando a lingua como um sino de catedral.

 

Foi aquela nuvem e a água do rio a rasgar a margem do meu corpo em procissão.

 

Lobo 07/08

 

 

 

 

 


 

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segunda-feira, junho 20, 2011 - 10:58

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