Os Contos de Joana Morta - O Primeiro passo para a liberdade

Tentou lavar a sua cara,
Mas custava-lhe o seu reflexo no espelho.
Para ela, era uma beleza demasiado rara,
Que não podia ser replicada a qualquer meio.

Para ela seria somente ela,
A beleza inumanamente colossal!
Invisível no reflexo de qualquer janela.
Visível apenas, no seu desarranjo mental.

Não poderia haver qualquer reflexo,
Seria para sempre uma beleza singular.
Pensava Joana neste seu excesso,
Enquanto ouvia a sua gata miar.

Olhou nos olhos da felina friamente,
Agachou-se para lhe conceder alguma carinho.
Pegou na gata subitamente,
Mas de seguida levantou-se devagarinho.

Ainda sem saber bem o que fazer,
Olhou uma vez mais para o animal.
Ergueu-a no alto e sem nada a temer,
E com raiva, estatelou-a no seu vitral.

Via agora uma imagem desfigurada,
O seu reflexo multiplicado.
Mas já nenhum deles se igualava.
Nenhum teria o mesmo significado.

Naquela moldura estilhaçada,
Onde gotas de sangue ficaram a pingar.
Tinha agora Joana uma cara lavada,
Enquanto a gata continuava a miar.