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Pétalas sobre o ataúde - a história de Pâmela (microconto)

O que seria a vida daquela família sem a presença radiante da jovem graciosa Pâmela?
De longe, acompanhando o féretro naquela tarde chuvosa, esta era a pergunta que insistia em martelar meus ouvidos.
Pâmela era filha única, dedicada a causas sociais em sua comunidade, um pequeno povoado irlandês próximo a baía de Galway.
Ao som da música de Enya e de canções folclóricas no dialeto irlandês tradicional (Irish),
aquela jovem encerrava precocemente seu ciclo terreno no final do inverno.

Ao voltar para a pequena pousada, enquanto tomava uma chávena de chocolate e observava
o quanto estavam tristes as pessoas nas mesas próximas, pedi uma folha e um lápis a uma solícita garçonete e,
com lágrimas vertendo e ameaçando cair sobre o papel, resolvi escrever algumas palavras.

A chuva fina, em meio à neve em flocos caía sobre as vidraças. Os carros em cortejo fúnebre seguiam em fila indiana,
cruzando os parques onde outrora aquele anjo brincara.
No triste cenário sobressaíam os negros casacos, os lenços cobrindo os ombros, os óculos escuros,
as faces contraídas e os olhos marejados dos parentes e amigos inconsoláveis.

Eu era somente um visitante, de passagem por aquele povoado, mas o que acontecera de tal forma
me havia impressionado que resolvera postar-me solidário e presente nesta derradeira homenagem à Pâmela prestada pelo povo do lugar.

Um senhor muito humilde, em trajes bastante batidos, seguia o cortejo a pé. Vendo-me postado um pouco à distância,
aproximou-se e me dirigiu a palavra:
- “Hoje é um dia muito triste para todos! Esta moça era como um anjo, eu vou sentir muito a sua falta”.
Aquiesci com a cabeça, observando que brotavam sinceras lágrimas nas faces daquele pobre senhor.

O gramado começava a recuperar-se após longo inverno. Já se podia ver o crescimento de verde relva, pra acolher em plena primavera como um jardim, o corpo de uma nubente princesa tolhida dos encantos da vida.
Indaguei ao senhor, há quanto tempo a conhecia, então ele me disse:
- “Eu a vi desde pequenina nos bosques brincando com seus pais, ou quando ia aparar a grama e cultivar as flores no jardim de sua casa”.

Ah, então o senhor é jardineiro, que bela profissão. Ele retribuiu com um sorriso e comentou:
- “Eu só não queria estar no lugar daqueles coveiros”.

E por qual razão?
- “Eles abrem a terra para plantar mudas gastas de vida, quando as pessoas morrem no seu tempo certo.
Eles fazem isso de modo natural, solene e de forma muito respeitosa, oram por todos que enterram.
Sabem que é uma missão que lhes foi delegada”.
Ele fez uma breve pausa para ver se eu estava interessado no assunto, então eu disse, por favor, continue.
- “Mas, quando vão cavar para abrir uma cova para uma criança ou um jovem, a própria terra se revolta,
as ferramentas se recusam a funcionar, acontece de tudo, moço, foi o que me disseram certa vez,
quando curioso lhes fiz esta pergunta: Como é para vocês enterrar um anjo?”

Enquanto o jardineiro falava, via o quanto aquela gente olhava desolada o ataúde, em sua pequena abertura
para uma derradeira mirada no rosto daquela jovem que parecia estar dormindo um sono de inverno,
e que até ontem esquiava na montanha.
Por mais explicações que nos tragam, é difícil aceitar que da árvore em crescimento,
caiam os brotos em plena floração e se lancem assim ao chão, sem que possam cumprir a sua missão.
Em analogia, seria como o leito de uma estrada interrompida, por uma tormenta típica de verão,
uma inversão da natureza da existência.
O jardineiro ofereceu-me um lenço de papel e abraçou-me ternamente ao perceber o quanto estava triste
e absorto em meus pensamentos que nem percebera que estava também chorando.
- “O senhor é, por acaso, algum parente da moça?”

Eu lhe disse que era apenas um viajante que havia escolhido aquela pequena cidade para admirar a migração
de aves que acontece nos lagos no despertar da primavera. Foi então quando soube do acidente fatal na pista de esqui.
Um grande drama, pois a autópsia revelou que antes de dirigir-se para a montanha, a jovem havia consumido cocaína com vodka,
junto com outros jovens que confirmaram esta página sombria da vida desta jovem tão querida.
Claro, que não disse isso ao simplório jardineiro para que ele preservasse em sua memória aquele anjo que me descrevera ao me encontrar.
O mais lamentável desta história é quando se pensa nas trajetórias de vidas interrompidas,
com o destino inexorável que leva à morte de milhares jovens que se abrem ao consumo da droga,
em busca de uma falsa rebeldia e fantasia. O que tanto lhes falta? Que vazio existencial é este que lhes faz buscar o abrigo da droga?

Eu me debrucei uma vez mais em oração, com os olhos marejados de emoção ao ver os jovens pais lançarem pétalas de flores
para ornamentar o jardim da eterna casa da jovem Pâmela.
Então me aproximei, e assim que os coveiros cerraram a lápide, chamei o jardineiro e dividi com ele o par de botões de rosas,
cada um colocou solenemente sobre o túmulo.
Os pais observaram o nosso gesto, me acenaram agradecendo e, ao reconhecerem o jardineiro, se dirigiram a ele,
deram um longo e terno abraço.

Estava bem próximo e ouvi uma das falas mais reconfortantes que alguém pode receber em um momento destes.
O jardineiro lhes disse, de modo suave e amoroso:
- “Amanhã será o início da primavera, quando acordarem olhem para o céu e observem a chegada dos flamingos,
quem sabe esta menina se transforme em um deles e vá brincar no lago e voar pelos céus de nosso povoado”,
disse emocionado o jardineiro, e arrematou:

- “Não fiquem tristes, Deus a chamou antes, nos chamará depois, Ele tem sempre os planos Dele, ela nunca estará distante,
pois para sempre irá morar em nossos corações, lembrem disto: um anjo não morre, estará sempre cuidando de vocês”.

Ao chegar ao Hotel, me detive longo tempo apreciando os montes que já mostravam a calvície produzida pelo degelo de primavera,
a água escorria mansamente para o grande lago que ficava nas cercanias do vilarejo.
Os pinheiros resistentes ao longo inverno estavam mais verdes e uma pequena fresta de sol irrompia pelas venezianas entreabertas.
Parei um instante, orei pela jovem Pâmela e seus familiares e dei graças a Deus por ter compartilhado aquele momento,
a dor daquela perda haveria de ser recompensada com muitas flores nos prados daquele belo lugar.

AjAraujo, conto escrito sobre os sonhos de uma bela jovem interrompidos pela droga.
* Conto premiado com "Menção Honrosa" no Concurso Literário Internacional da Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande - SP, em março de 2015.

Imagem: Gaza Dawn is coming by Rmanah (Palestine)
 

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segunda-feira, março 30, 2015 - 11:56

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