Perdoa-me Deus

I
Perdoa-me, oh senhor meu Deus,
Se em vida sob os olhos teus
Amei co'alma e sem razão.
Sucumbi à pressão e as dores.
Não bebi de teu cálice, os amores,
Permeado com os prantos da ilusão.

II
Perdoa-me, não me vistes nos santos átrios,
Perdi o rumo nas curvas dos pátios
E o teu nome ouvi, mas em vão.
Não em oferendas ou em círios corados,
Mas no leito, os dias alcovados,
Na sombra, no frio e na solidão.

III
Perdoa-me os desprezos anojados
Co'a ira: pesadelos despertados.
Nas salas, ou nas vastas ruas,
Orei a o ângelus co'a minha verdade
Privei-me de tuas asas, a liberdade,
Sem ouvir nos sonhos as palavras tuas.

IV
Perdoa-me pelo vindouro que sonhei
Almejando afagos daquela que amei.
Que nunca os lábios eu sentira.
Que nunca, nas noites acordado,
Deu-me lembranças pro peito esfaimado,
Que no afã, derrotado, partira.

V
Perdoa-me, oh senhor meu Deus
Sob as rédias dos sonhos meus,
Vinguei-me co'a mágoa e o furor,
Não vi teus olhos, o firmamento
Celestial azul de encantamento
Crepúsculo áureo e vermelho de amor.

VI
Há entardecer de novembro,
Arrebol: ardentias do firmamento
Que nunca vi com os olhos teus.
Mas peço a ti, que é o amor
Escutai meu pedido, meu clamor:
Perdoa-me, oh senhor meu Deus.