Podia escrever uma história de amor...

Podia escrever uma história de amor
Desligada de toda a história,
Deslindar novelas de amantes
Arrepiantes
E distorcê-los num grito de agonia,
Podia muito bem perder o rancor
E finalmente admitir que gosto de te ver
Apunhalada ao abrigo dos braços de mármore.
Pois podia...

Podia transparecer nas didascálias dum recital
Como a tragédia é uma vitória
E as páginas dum romance sepulcral
Páginas de vívido suspense
Que consumiram duas almas numa só voragem fatal.
Isso também.

Era pois o que fazia bem,
Mergulhar nas cascatas do deserto,
Reter-lhes a inspiração
E restar toda a existência desperto
Descrevendo longos paraísos de desolação.

Não mais que criar o vampiro
Sanguinário
Envolvendo a dama de bronze.

Perder o Norte e o astrolábio
Na ficção melindrosa inscrita no papiro
Embruxado.

Porque eu conseguia ter centrado toda a trama nesse
Enredo nucleal,
Árido como a sede…

Matar de primeira o protagonista
Que perante se fendesse
E afastasse a galeria teatral.

Mas por vontade fiquei só e fui cruel.

Fui tão pérfido como esperava
E cumpri fielmente com o meu papel,

Abafei o romance
Num estranho ruído
De gemido,

Não mais que criar o vampiro
Envolvendo a dama de bronze
Na labareda de olvido
Que partiu da chama
E ignorou crassamente o drama…