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Árvore de Sanguessugas - III / Companhia de Sensações - I
quantas (muitas) são as traições em pensamento? soltaram-se do sonho para envergar, nos teus lábios, o desejo de me vazar o coração.
ela ou ele acende um cigarro de quem desmistifica o mais guardado dos segredos. tem asas a cobrirem o terror de não poder voar no bocejo do desejo. os sítios que agora conheço, por onde passo, são mistérios onde procuro vestígios de mim, a minha alma ardente, queima a madeira gasta pelos passos nalgumas cidades. - o coração de serpente ainda não vacilou, as sanguessugas permanecem adormecidas e eu sozinho -. escrever para recordar. não consigo perder a memória, paisagens do cume montanhoso, luzes abrilhantam as vidas das cidades escuras.
vou cortar o tendão que me liga o corpo aos passos, fantasma, das palavras.
quantas são as traições do pensamento na masturbação nocturna? fantasiaste sozinha, acompanhada por tantos outros homens.
- / -
a Alegria vestia-se sozinha. calças de ganga gastas com algumas nódoas e um top cor berrante, ofuscante aquando o sol esbatido no peito, no ventre, no que a ninguém pertence. brilhava um sol ardente e com ele brilhavam todos os olhos, semicerrados e ofuscados pela tua cor berrante. no húmido rosto, a aparência inocente até parece verdadeira. mantida no tempo por frutos sasonais, alguns ricos em fibra outros ricos em gula e fetiches de me percorrer o corpo, de ajudar o Verão a queimar-me a pele exposta ao sol.
a apresentação foi a primeira que cruzou as palavras e o corpo.
sugar-me o coração? nem as histórias que compõem as civilizações correntes me emocionam, tenho interiorizado um mau feitio que me dei a conhecer. acordo, adormeço, sonho ou morro, não me importo. trais-me em pensamento e eu morro e não me importo.
percepções - as minhas mãos húmidas, secas por dentro e de pele camaleão, vestem o medo de te desejar. muitas foram as demais vezes que estiveram estendidas. nem um muro para tocar. só existia ausência e saudade para apertar, para alimentar as mãos. e os braços, quase tentáculos de polvo, com um esboçar frio no preenchimento. os pulsos dobram e vergam as mãos para um abismos, uma manhã de nevoeiro que não deixa ver as montanhas, tudo parece limitado e tão perto. as mãos vergadas a afogarem-se no abismo. um pé na boca para encaminhar os gemidos. um pé para encaminhar os gemidos.
o vulcão acorda em mim adormecido, a lava branca não tem destino certo. a tua boca, a tua quente boca. os olhos sempre húmidos e a boca por vezes seca. troca de ofícios e de caprichos.
percepções - o céu pára a chuva cansada de cair. a minha namorada enriquece o coração enquanto dorme, salgada e sonha. o Desgaste, amigo de longa data - o mais antigo de todos - ainda está acordado. olha a rua no inicio da vida de mais um cigarro. daquele copo ainda a meio, dá vida a mais um cigarro. dá vida à morte e descansa o olhar num banco de jardim por baixo dos olhos fechados. o meu amigo Desgaste sempre viveu fiel à sua razão, nas vezes que foi chamado a intervir, jamais chegou atrasado. na outra ponta da casa, respousava a mais feminina das mulheres. a Loucura deixou a tremule realidade a quem ainda não adormecera, e entrou no mundo irreal depois de massacrar violentamente o sexo. repousava despida no colchão, com um lençol branco a cobrir-lhe algum corpo. é nestas horas da noite que Loucura prefere viver, mas hoje estava mais cansada que um cavalo de corrida.
a Embriaguez saiu marcava o relógio nove horas. a minha amiga Embriaguez é a minha mais recente amizade. nos passos, solta dos ténis uma fragância a chulé com cheiro a álcool, nas palavras saía um sopro do álcool revoltado que se confundia com absinto ainda na garrafa e no sangue, o sangue era tão fluido e claro como a água. as contusões eram quase brancas. era familiar verter o sangue para um copo e servi-lo à refeição. era álcool do mais puro. quando entra em casa, costuma entoar aos gritos o nome da minha namorada: Solidão. Solidão é o nome da minha sonhadora namorada.
Hugo Sousa
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