CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

30 Segundos Para Amar

Num voo rápido e seguro, o anjo descia à terra. Transportava consigo a mensagem mais importante que alguma vez ele tinha comunicado ou recebido. Nem sequer parou para olhar para aquela pequena anja branca que todos os dias penteava o seu longo cabelo. Nem isso fez, ele, que a olhava todos os dias, conhecendo de cor as suas costas e os seus cabelos e que se deliciava na imaginação de algum dia ele ver a sua cara. (Neste conto, os anjos têm sexo. Sendo anjos criatura imaginárias e criação do Homem, acho que está no meu direito de definir se eles têm sexo. Ou não?) Não, a importância daquela mensagem ultrapassava os seus desejos amorosos. Era um comunicado de humano para outro humano, seres superiores a qualquer outro. Mas um comunicado mais especial. Há já algum tempo que vigiava um rapaz e uma rapariga. Há já muito tempo que ansiava por algo entre eles. A mensagem era esse algo. A faísca, um começo, uma luz verde para eles. E ele voava. Rápido como um relâmpago atravessava o céu. A verdade é que pensamos que o sítio onde os anjos dormem está apenas a algumas centenas de milhares de quilómetros, mas na realidade não é bem assim. Não é muito comum os anjos visitarem a Terra. Eles costumam apenas observar-nos. Quando têm que entregar alguma mensagem ou quando querem simplesmente matar saudades do ar e do chão, têm que passar por postos rigorosos de segurança. Ou seja, explicar muito bem o que vão cá fazer, porquê eles, porquê agora, o conteúdo da mensagem, o seu destinatário, quanto tempo estimado de visita, porquê esse tempo e não um mais curto, etc, etc, etc. É que, sabem, dantes os anjos viviam entre nós. Falavam connosco. Divertiam-se connosco. E alguns apaixonavam-se. E ficavam. Contavam quem eram, os segredos dos anjos. Quando o Sr. Deus descobriu isso, decidiu pôr logo aqueles inquéritos todos e, para além disso, impôs uma espécie de metamorfose obrigatória. Ou seja, os anjos têm de escolher um animal terrestre que não humano no qual se irão transformar na sua visita à terra, só para haver certezas de que ninguém se apaixona por ninguém. É um gajo cauteloso, Deus.
Mas o anjo já tinha passado aquelas merdices todas. Voava agora para o sítio da metamorfose. Qual seria o animal que escolheria? Qual o mais adequado? Qual o mais... angélico? Decidiu a pomba branca, o ferrari comum dos anjos, por assim dizer. Escolheu-a porque, para além de ser um símbolo de paz, assim poderia acompanhar o que o humano iria fazer assim que recebesse a mensagem. Com esta escolha, mais uma tonelada de papéis para preencher. Porquê branca e não cinzenta, porquê pomba, porquê uma jovem e não velha... É um gajo curioso, Deus. É importante referir que os anjos movem-se a uma velocidade supersónica, ou seja, tudo isto se passou num milésimo de segundo para nós. As mensagens são rápidas para nós, mas demoram uma eternidade para os anjos. Bem, preencheu aquilo tudo, transformou-se e lá foi ele. Voou o mais rapidamente possível para a casa do rapaz, com a mensagem da rapariga amarrada à pata esquerda. Sim, a mensagem era dela. Tinha chamado o anjo para comunicar uma espécie de jogo, um desafio para o rapaz. Qual é, então, o conteúdo da mensagem? Mais paciência caros leitores, tudo a seu tempo. O que estava a acontecer naquele momento era um voo, uma espera e um sonho. Um anjo a voar, ainda nos 22.000 klm em forma de pomba branca, uma espera da rapariga com um cronómetro na mão e um sonho do rapaz que dormia. Sonhava com ela e com o seu vestido branco, como sempre. E aqui está a premissa. O que vai acontecer nas próximas páginas, o que vai suceder daqui a momentos. As próximas palavras serão apenas e só para juntar estas personagens e vermos no que dá. Um anjo a voar, uma rapariga com um cronómetro na mão e um rapaz que sonhava. Preparem-se, isto vai-se tornar interessante.
A pomba branca/anjo tinha acabado de chegar ao espaço comercial. Ou seja, milhões de outras pombas, milhares de aviões e alguns paraquedistas. A custo, desviou-se de todos esses obstáculos. Curvas para aqui e para ali, uns sprints acolá, uns choquezitos para ali... Sim, espetou-se, era uma pomba amadora. Foi contra a cara de um paraquedista que assustou e imediatamente deu um murro na pomba. A pomba (que era um anjo) decidiu ripostar na mesma moeda e foi gritar aos ouvidos do homem: “Vai morrer no inferno!!”. E foi-se embora a rir, pensando para consigo que tinha que fazer aquilo mais vezes. Quem não ficou a rir foi o pobre do paraquedista que pensou que estava a sofrer de alucinações aéreas. Passado algum tempo, a pomba chegou ao seu destino. Estava no alpendre da janela do quarto do rapaz, onde este dormia. Bateu no vidro da janela três vezes. O rapaz, que sonhava profundamente, abriu os olhos com este bater, mas depressa voltou a fechá-los, pois ao ver um pomba branca a olhar para ele e a fazer-lhe gestos com as suas asas pensou que ainda estava a sonhar, logo, a dormir. Mas a pomba não desistiu e continuou a bater na janela com mais força. Desta vez, o rapaz levantou-se abruptamente, pois pensou que estava para acontecer um tremor de terra. Contudo, olhou para o lado e lá viu a pomba que o observava e que encolhia as asas, como se dissesse: “Então? Deixas-me entrar ou não?”. Imediatamente o rapaz esbofeteou-se, abanou a cabeça, abriu e fechou os olhos várias vezes, mas apesar disso a pomba continuava lá, com as asas na cintura, à espera que ele se decidisse a abrir a janela. O rapaz, depois de alguns momentos a olhar incrédulo para aquela assombração, lá o fez. Imediatamente a pomba entrou na casa como se fosse dela, instalando-se confortavelmente na cama do rapaz, onde os lençóis ainda estavam quentes e as almofadas cheias de recordações dos sonhos daquele rapaz apaixonado. A pomba desamarrou a mensagem da sua pata e entendeu-lhe o papel. O rapaz pegou nela desconfiado. Nunca se sabe, aquilo poderia ser uma nova forma de terrorismo. Treinar pombas brancas para parecerem simpáticas e inteligentes para assim entrarem em qualquer casa. E quando menos se esperava rebentavam. Um suicídio patético, mas eficaz certamente. Mas o rapaz chegou à conclusão que estava a ser um pouco paranóico. Desdobrou a folha e o que os seus olhos leram foi o seguinte:
“Olá. Sou eu. Desculpa-me aquilo de ontem, não estava em mim. Há momentos que parece que não somos nós próprios. São outros que nos assaltam o corpo, espíritos que não estão preparados para deixar o mundo. ... Sabes, acho que tens razão. Não te posso dizer não se não experimentarmos. E sim, quero experimentar. Por isso mesmo te vou desafiar. Estou na tua ponte à tua espera. Tens 30 segundos a partir do momento que acabares de ler a carta para ires ter comigo. Tens 30 segundos para me amar. Aceitas? Que pergunta idiota. É claro que sim. Tu adoras desafios. Até já, doce princípe”.
Assim que acabou de ler estas doces palavras um assobio agudo fez-se ouvir por toda a cidade. Era a pomba branca que tinha acabado de dar o sinal à rapariga que o rapaz acabou de ler a carta. A multidão foi à janela. A rapariga carregou no cronómetro. A pomba saiu do quarto. E ele imediatamente correu. Percorreu o quarto, saiu de casa, desceu as escadas do prédio, saiu do mesmo e correu veloz como o vento. Já tinha perdido 6 segundos e nem sequer tinha realmente começado a correr. Ele atravessava ruas e carros, os seus cabelos esvoaçavam. 22 segundos. Subiu os degraus de uma escadaria longa, dois ou três de cada vez. Quando chegou ao topo faltavam 17 segundos. Começou a pensar que não iria conseguir alcançá-la a tempo, que estaria longe demais dela. A rapariga na ponte começou a pensar que secalhar ele nem tinha partido, que não estava a aproveitar aquilo que ela lhe ofereceu. Mas não era assim. O rapaz estava a correr mais rápido que nunca, tão rápido que as suas pernas lhe doíam. A pomba branca vigiava-o, curiosa. As pessoas com quem o rapaz chocava na ânsia de chegar até ela pensavam que tinha acontecido alguma desgraça pela rapidez da correria e, como tal, nada diziam. O rapaz corria e corria e corria. Faltavam 12 segundos e ele não desistia. Mais rápido, ele estava quase lá. Já a conseguia ver, na ponte, com o seu belo vestido branco numa tonalidade amarela devido ao pôr-do-sol. Vá! Corre, corre! Faltam 9 segundos para provares que a mereces! Mais rápido, mais veloz! Vá lá, rapaz, estás quase lá! A rapariga sentia o seu correr ofegante a aproximar-se. Estava a 50 metros dela e faltavam 7 segundos. Ele ia conseguir, desta vez ele iria aproveitar aquilo que ela lhe deu. Mas uma fila de gente começou a aparecer do nada e formaram uma barreira à frente dela a uns escassos 15 metros de distância. Era a multidão que tinha ido à janela, que tinha ouvido o sinal. Eram eles. Como sempre tinham vindo estragar tudo, tinham vindo certificar-se que nada iria acontecer. Faltavam 5 segundos e ele estava a 25 metros dela e a 10 da barreira. Vá, ganha balanço, corre! A multidão sem coração debatia-se, atirava pedras ao rapaz apaixonado, gritava palavras horríveis, de ódio, de fúria, de ciúme. Não os ouças! Corre! Ouve o teu narrador, corre! Não pares, não ligues, tapa os ouvidos e salta! E ele saltou por cima deles, como um pássaro, voou. 2 segundos e ele corria imenso. Veloz, rápido, supersónico, chamem-lhe o que quiserem, ele ultrapassava essas definições todas. Estava coberto de suor, cansado, sem fôlego, mas quase lá. Tinha ultrapassado o maior obstáculo de todos, a multidão tinha morrido, tinha sido esquecida. Faltava 1 segundo e 3 metros. E assim que ele a alcançou e a agarrou, esse segundo tinha passado. A rapariga deixou cair o cronómetro. Estilhaçou-se aos pés deles. O tempo tinha acabado. Já não havia segundos para aproveitar, ruas para correr, momentos para recordar. Não, acabou. O cronómetro estava no chão, fragmentos de tempo espalhados na estrada, tal como o coração dele... espalhado na estrada. A cara dela, estava neutra, fria. Ele estava quase morto por todo o esforço que não valeu de nada. A multidão tinha renascido e aproximava-se, marchando.O rapaz disse: “Dá-me mais uma oportunidade, por favor, mais 30 segundos”. A rapariga respondeu-lhe: “Não posso, devias ter corrido mais”. A multidão cada vez mais perto, o marchar da separação ouvia-se por toda a cidade.
-“Por favor, deixa-me provar que te mereço, que tu pertences a meu lado”.
-“Eu não pertenço a ninguém, já te dei uma oportunidade que não aproveitaste”.
Os soldados de morte mais próximos, o marchar esurcedia corações.
-“Tu própria o disseste! Não podemos saber se não experimentarmos! Só mais dez segundos, por favor.
-“Tu também nunca experimentaste e, contudo, sabes”.
Aquele marchar, marchar, marchar de rotina estava perigosamente perto. A pomba, que a tudo assistia, desceu, fixou as patas no chão e abriu as asas, fazendo ela mesmo uma barreira para impedir aquele rotina de se apoderar do par. A rapariga insistia:
-“Eu não te amo, vai-te embora”.
-“Não! Não... Vive comigo, um segundo que seja. Deixa-me cantar-te uma canção, pegar-te nos braços e contarmos juntos as estrelas. Vá lá”.
A pomba já tinha tinha sido pontapeada para o lado pelo marchado da rotina. Estavam à distância de duas falas.
- “Não posso.”
- “Porquê?”
E assim que o rapaz acabou de soltar aquela pergunta tão pertinente, os soldados pegaram nele e arrastaram-no para longe da rapariga com um cronómetro partido a seus pés. O rapaz que se agitava para se libertar da rotina só gritava: “Porquê? Responde-me! Porquê?!” A rapariga murmurou para si própria:
- “Porque tenho medo de saber o que sinto. Medo de te partir o coração, medo de partir o meu. Medo de te magoar. Não quero ter a certeza do que sinto, prefiro ficar assim. Ignorante. Sem saber. Sem te magoar.”
O rapaz devido aos protestos da multidão e ao gesticular que fazia para se libertar, nada ouviu. Continuou a berrar inutilmente aquela pergunta que estava sem resposta. E assim ficou, eterno ignorante. E assim ficou a multidão, eternos soldados de morte. E assim ficou ela, eterna cobarde. Agora não havia vento. Não havia som. O rapaz já não gritava. A rapariga já não murmurava. A multidão já não protestava. Em tons de amarelo via-se um cronómetro partido que marcava segundos de um tempo que parou. Uma pomba branca, ferida e no chão, orgulhosamente levantou-se e lentamente metamorfoseou-se em anjo. Era ele a causa daquilo tudo. De o tempo estar parado, de o rapaz ter corrido 30 segundos sem parar e iria ser também ele a causa de uma certeza nascer no coração de uma rapariga cobarde. Sabem, os anjos só podem parar o tempo uma vez. Têm uma eternidade para viver e apenas podem parar o tempo uma vez. Depois de o tempo voltar ao normal, lá chegarão os multíplos inquéritos do Sr. Deus. Mas agora não importava. Aquele era um momento que justificava o tempo estar parado. Porque, sabem, aquelas palavras que ela murmurou para si mesma foram ouvidas por outro que não ela próprio. Um anjo caído tinha estado à escuta. Ouviu tudo o que ela sussurrou. Percebeu as suas dúvidas. As suas incertezas. A sua cobardia. Percebeu. Abriu as asas e voou. Subia, subia, subia e subia. Para os céus ele subia. Precisava, antes de fazer o que planeava de se certificar ele mesmo de uma coisa. E por isso mesmo ele subia. De encontro aos céus. Viu pássaros que lutavam parados, aviões e pilotos parados, nuvens paradas, paraquedistas parados, vento parado. Nada mexia, nada se ouvia. E ele subia. De encontro à anja de cabelo longo. De encontro a uma certeza. Passados os tais postos rigorosos de segurança, também eles parados, também eles enganados, chegou ao desejado local. Chegou à pequena anja. Parada ela também, segurava um pente que acariciava os seus longos cabelos. De costas, como sempre. Semi-nua, como sempre. Desconhecendo que havia um anjo que a observava, como nunca. Ele aproximou-se dela e tocou-lhe no ombro, permitindo que o tempo podesse saborear outra presa. E ela virou-se para ele. Meu De... Minha esperança assassinada, quem diria? Ela era... perfeita. O vosso narrador, infelizmente, não conhece palavras suficientemente belas para descrever aquela perfeição. Queria que vocês a imaginassem simplesmente. Àquela anja que ganhou um novo ritmo de vida e que fez com que o anjo ganhasse um coração. Sim, um coração. Tal só acontece quando encontram a sua alma gémea. O seu parceiro para a eternidade. Os dois tinham ganho um coração. Dois batimentos uníssonos, iguais. Ficaram os dois maravilhados a olhar um para o outro. Um casal perfeito. Sim, ele já tinha a certeza, já tinha ganho a sua eternidade, já não era cobarde como a rapariga de vestido branco. Voltou para a ponte em tons de amarelo, observando aquela calma, aquele silêncio. A multidão que agarrava o rapaz enquanto ele prostestava. A rapariga que chorava e que tinha um cronómetro a seus pés. Tudo parado. Tudo calmo. Foi então que começou a fazer retroceder o tempo. O vento voltava atrás, as folhas das árvores subiam, a ondulação da água por debaixo da ponte retrocedia. Os soldados de morte e de rotina largaram o rapaz, o cronómetro contava segundos que em breve se iriam fazer perder novamente. A rapariga e o rapaz desconversavam e o sol ia lentamente para cima. O marchar afastava-se e as lágrimas do rapaz subiam-lhe pelo rosto acima. Os fragmentos do vidro estilhaçado do cronómetro começaram a juntar-se, tal como um puzzle. Lentamente, subiu para a mão da rapariga e os segundos começaram a retroceder. 29,28,27. O rapaz dessaltava para longe da barreira. 26,25,24. O rapaz corria para trás pela cidade fora ao desencontro da sua amada. 23,22,21. A rapariga desesperava. 20, 19, 18, 17, 16, 15. O rapaz descia uma escadaria contra a sua vontade. 14, 13, 12, 11, 10. As pessoas contra quem o rapaz chocava desolhavam como se nada de importante se passasse. 9,8,7,6,5,4,3,2,1,0. O rapaz em casa ainda a ler a carta mortífera, a rapariga com o cronómetro no 0 e o anjo na ponte, e não na casa, de cabeça baixa e com as asas erguidas. O tempo tinha parado mais uma vez. Naquele silêncio sem tempo, apenas um anjo sabia o que se tinha passado e o que se iria passar. A multidão não sabia que iria fazer soar pela cidade a marcha da rotina, o rapaz não sabia que iria correr pela cidade fora para aproveitar um momento que lhe fora dado e a rapariga ignorava que dali a meio minuto iria ver a sua incerteza ser agarrada e arrastada pela rotina, enquanto ela observava simplesmente. E nem iriam saber porque tal não iria acontecer. Iria ser tudo alterado pela mão de um anjo. É fantástico, não é? Como algo pode acontecer e nós nem temos essa consciência, nem sequer suspeitarmos que a pessoa à nossa frente já nos pode ter matado, beijado ou violado. Basta ter esse poder de controlar o tempo e nada importa, tudo é possível. E nós de nada suspeitamos. Continuamos com as nossas vidas sem sequer sonharmos que tudo foi alterado, que algo mudou radicalmente. Para nós, os segundos continuam, os minutos passam e as horas são esquecidas. Apenas o viajante dabe, apenas ele recorda, apenas ele nos muda. Tal era a situação agora. Todos ignoravam, apenas o anjo sabia precisamente o que se iria pasar. Hum. Foi a casa do rapaz, pegou nele e foi pô-lo à frente da rapariga. Isto tudo com o tempo parado, claro, caso o leitor já se tenha esquecido. E lentamente, lentamente, o tempo começou a correr outra vez. As folhas a rolarem pelo chão, os pássaros a baterem as asas, a vento a soprar, o silêncio a desaparecer. E lentamente também, o par começou a aperceber-se que estavam frente a frente. E antes que ele podesse dizer alguma coisa, já a rapariga tinha carregado no cronómetro. Assim que ela o fez, beijaram-se. Amaram-se. 1,2,3. As mãos do rapaz percorriam todo o vestido da amada. 4,5,6. A multidão percebia o que se passava e ia rapidamente para os seus postos de combate. 7,8,9,10. O anjo envolvia o par com as suas asas, protegendo-os da rotina e da morte. 11,12,13,14. Os amantes despiam-se com urgência, desejando mais, desejando descobrir mais. 15,16,17. Depressa eles se envolviam, cada um tendo cada vez mais a certeza do que sentiam. 18,19,20. Pararam. 21,22,23. Silêncio. 24,25,26. As mãos do par ligaram-se. 27, 28. As mãos do par separaram-se. 29, 30. E estavam deitados lado a lado, despidos, olhando-se simplesmente, enquanto as asas de um anjo intemporal os envolvia. Já tinham aproveitado tudo o que havia para aproveitar, os 30 segundos já tinham passado. O cronómetro estava no ar, segurado por uma força invisível imposta por este vosso narrador. A multidão à volta em protesto. Havia paz, calma, segurança nas almas daqueles dois amantes-que-queriam-descobrir-se-eram-mesmo-amantes. Sim, calma. Houve uma confirmação e uma surpresa. A rapariga, encantada disse:
- “Já sei o que sinto.”
- “Eu também.”
- “Eu amo-te”
- “Eu não.”

Todos pararam. Todos. Aquelas duas palavras foram tão.... A multidão olhava-se, sem saber se havia de rir ou chorar, o anjo desejava ter o poder de voltar atrás no tempo mais uma vez e a rapariga estava em choque a olhar para os olhos do rapaz que estavam virados para o céu.
- “O quê?”
- “Eu não te amo, enganei-me a mim próprio.”
A rapariga, rapidamente chorou. A multidão à volta, que só ouvia, rapidamente riu e se afastou. O anjo deixou de os envolver e rapidamente se afastou. E ali ficaram eles, nus e crus, na ponte ao pôr do sol com a verdade nua e crua ainda no ar.
- “Desculpa”.
A rapariga não conseguia pronunciar uma palavra. Estava afónica, com lágrimas nos olhos. O rapaz, deitado, chateado consigo mesmo, a odiar-se a si mesmo.
- “Desculpa”.
- “Estás-me a pedir a mim? Ou a ti?”
“A ambos”, pensou ele, mas nada disse. Apenas podia derramar lágrimas por não conseguir amar aquela deusa nua.
- “Porquê? Diz-me... porquê?
Ele continuava em silêncio. Começou a vestir-se.
- “Porquê? Responde-me! Porquê?!”
Começou a caminhar para longe, sem conseguir dizer nada. Sem conseguir olhar para nada. Foi-se embora enquanto ela repetia aquela pergunta tão pertinente.
- “Porquê?! Porquê?!”
E sem ninguém saber, o tempo ganhou. Sem ninguém saber, aquilo já tinha acontecido, aquilo estava a repetir-se.
- “Responde-me... Porquê?”
Apenas mudaram os protagonistas. O tempo ganhou. Voltou. Aquela mesma pergunta já tinha sido dita, mas ninguém sabe. Apenas um anjo que nesse instante chorava nos braços de uma anja. Que ainda chora neste momento. Tal como a rapariga que ainda pergunta. Tal como o rapaz que ainda hoje foge de si mesmo.

E isto foi o que se passou quando se juntou um anjo que voava, uma rapariga de cronómetro na mão e um rapaz que sonhava. E que ainda sonha.

Submited by

terça-feira, junho 29, 2010 - 19:09

Prosas :

No votes yet

henrike8

imagem de henrike8
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 39 semanas
Membro desde: 01/09/2010
Conteúdos:
Pontos: 208

Comentários

imagem de Susan

Re: 30 Segundos Para Amar

Triste , lindo , suave e ao mesmo tempo diferente de tudo aquilo que já vi ou pude se quer imaginar.
O fato dos 30 segundos , me remeteu a lembrança do que escrevia ontem sobre a estupidez dos relógios e que as coisas acontecem ; quando as criamos , sem minima noção de tempo , apenas é marcado um tempo ou uma hora porque após ter sido criado(a) o poema , a sensação do sentimento , porque tinha que acabar para iniciar o novo ciclo de criações.
Mas acredito muito que cada sentiemento criado em sensações , sentido no ser está presente em sua vida e com certeza ao deparar-se com o ser Amado , o sentimento recria-se dentro de si em sensações e sentimentos sem minima noção do próprio tempo .
O tempo é algo inútil quando se é capaz de criar sentindo experiementando aquilo que o coração sente ,Amor.
Parabéns e coninue a escrever !!!
Beijos
Susan

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of henrike8

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Fotos/Pessoas Criança 0 1.784 02/15/2011 - 15:45 Português
Fotos/Paisagens Déjà Vu 0 1.061 02/15/2011 - 15:40 Português
Videos/Perfil 954 0 1.415 11/24/2010 - 23:06 Português
Fotos/ - 2640 0 1.347 11/24/2010 - 00:51 Português
Videos/Poesia A Espera 0 1.313 11/19/2010 - 23:42 Português
Videos/Pessoal Corações Perdidos 0 1.589 11/19/2010 - 23:39 Português
Videos/Poesia A Procura 0 1.343 11/19/2010 - 23:32 Português
Ministério da Poesia/Amor Mudanças 0 1.567 11/19/2010 - 19:27 Português
Ministério da Poesia/Amor Por Favor 0 1.384 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Tristeza Sem Título 0 1.479 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Paixão Dois Igual a Um 0 1.496 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Amor Quero... 0 1.501 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Meditação Respirar Silêncios 0 1.377 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Tristeza Ser-te 0 1.525 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Desilusão Solidão 0 1.514 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Meditação Ter 0 1.390 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Amor Traços 0 1.481 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Paixão Voar 0 1.570 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Meditação D.P 0 1.595 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Tristeza Um Dia 0 1.462 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Desilusão Esperança 0 1.680 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Geral Estações 0 1.228 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Tristeza Eu 0 1.725 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Paixão Feiticeira 0 1.397 11/19/2010 - 19:19 Português
Ministério da Poesia/Meditação Inspiração 0 1.583 11/19/2010 - 19:19 Português