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(A)traídos pelo Hi5 - Uma história (im)possível

Do meu primeiro livro "A tristeza matou os peixes que nadavam nos teus olhos".

Nota prévia: resolvi reeditar este texto. Faz parte do meu primeiro livro, e foi quase com ele que me apresentei aqui no site. Um dos primeiros que fiz em prosa.
Excepto alguns poemas iniciais, tudo o que venho escrevendo desde aí foi editado praticamente no momento em que foi escrito.
Hoje andei para trás com saudades do futuro.

Carla – 23 anos - sensual
Estado civil: digo-te depois
Orientação sexual: bissexual
Localidade: Braga
Date men, Date Women

Carla apresentou-se pelo nome.
Descobrira o Hi5 na coscuvilhice tosca que se esconde matreira, entre a necessidade de fazer o trabalho de história da faculdade e uma espécie de impeditivo súrúrú de gritinhos, gemidos sob disfarce, risinhos entre-pernas das coleguinhas de curso, boquiabertas no plasma repartido da sala cibernética.
Trazia-lhe o nome pendurado por um cursor. Agora que tinha aderido ao grupo: 56 amigos e amigas adicionados, 82 visitas ao perfil, achava-se capaz de arriscar:

Rui – 35 anos – sensual
Estado civil: comprometido
Orientação sexual: digo-te depois
Localidade: Braga
Date men, Date Women,
Make friends

Carla tinha uma relação com Pedro, 22 anos, aprendiz da vida, rapaz para duas únicas paixões: uma pelo fitness e tudo o que tivesse a ver com malhas justas no corpo e outra por carros.
Carla não sabia bem de qual menos gostava, se aquela que implicava Gillete após Gillete, um amontoado de pelos entupindo o chuveiro, se o escape livre do bólide a fazer as delicias do trolha, pendurado por um andaime ao desejo.
Tinha decidido escapar.
Fugiu por um fio de rato, à distância de um click, numa sala sem gritinhos. O único que ouvia era aquele que lhe dizia bem alto: - Escapa!
Escapou pela porta dos fundos da moleza do companheiro, no preciso momento em que o Gabriel Alves fazia uma aborrecida dissertação sobre os estádios ingleses. Pareceu-lhe, maliciosamente apropriado…
Encontraram-se num Hi-Bar de circunstância, Rui trazia na lapela a altivez de um homem experimentado, o cabelo loiro deixava um rasto fulvo nas damas que ardiam, olhares em Web-Cam. Carla ardia.
Ardia de um fogo de dentro, portais bem abertos de uma alma jovem, disposta a correr riscos, todos os necessários para ser feliz, hora não taxada do encontro consigo mesma.
Deixaram os livros pendurados à cabeceira da noite, que a hora não era disso. Fingiram, cada um o suficiente para se sentirem felizes um com o outro. Choraram lágrimas de sémen, refastelaram-se em incertas paisagens.
A tépida luz do dia trouxe à baila, na saia rodada daquela alma que se pensava livre, a esperança de um dia de pássaros, de animais que falassem.

Carla ardia, ardia perdida de um homem, que tardava e a consumia, nas horas sem fim à vista; nas fogueiras por apagar do desejo, por todos os rio mudos sem praia para desaguar, ao Sul de todos os Nortes.
Às vezes pensava para consigo própria, na doçura da idade, que tudo se resolveria, que a vida se encarregaria de a fazer feliz, que na ida e volta das vagas do tempo, sobraria a espuma dos dias felizes. Mas eram poucos…
Para Carla, a ideia de trair era uma ideia com ida e volta. Começava grande na frustração do dia a dia e, acabava pequena na erecção do companheiro, logo depois da novela.
Tinha traído o companheiro e lidava bem com isso.
Rui não lidava e também nunca quis ser toureiro, mas no fundo, no fundo sempre cravou farpas na relação que mantinha com Joana, seu par.

Impar foi o número que tirou Joana, também ela cybernauta, presença assídua no Hi5 nas ausências do marido, escape excitante pelo grupo, pelas fotos sensuais, pelos rapazes de pénis erecto na mão, mesmo que não fossem eles, mesmo que não sejam eles, que o desejo não tem rosto, mas é eléctrico.

Pedro, 22 anos –sensual
Estado civil: Comprometido
Orientação sexual: Digo-te depois
Localidade: Braga
Date Men, Date Women

A foto era explicita. Pedro fotografara-se do peito para baixo e o seu garbo, naquela perspectiva, inflamava qualquer greta.
Joana sentiu-se inflamada, tanto que não resistiu a passar a sua mão de dedos finos pelo triângulo rendado da sua leve tanga, a princípio com suavidade, depois num roçar que afastou tudo; o não pensar, o não se importar, o importar-se muito com o prazer.
Um rio barulhento…foz segura…
Marcaram encontro, para nunca mais, o sexo por obrigação do casamento e o cru fastio da ternura fingida. Foram padrinhos o Teatro e a poesia.

Joana, 32 anos – sensual
Estado civil: Comprometida
Orientação Sexual: Bissexual
Localidade: Braga
Date Men, Date Women

Segura era como se sentia, quando deixou que o roncar do cabrio falasse por si. Segura era como se sentia, quando o puxador da porta do carro a rasgou no meio da noite daquele dia, vestido negro e tudo, meias rendadas presas por um fio, um fio de desejo que a atravessou inteira, elástico desejo que a transportou.
Sentiu-se presa na mais doce das liberdades, rabo nu sobre as ervas, rolando por todos os dias encravados como unhas, todos os dias em que não conseguira ser verdadeiramente ela, mulher.
Da noite primeira daquele dia, ficou para Joana uma certeza, nem literatura nem esperteza, ela queria era ser puta, daquele dia e de todas as noites seguintes.
Puta que não se vende mas se dá. Puta sem sentido prejurativo. Puta sem sentido nenhum…

Carla não.
Não quer ser, agora que descobriu de novo o prazer com um homem mais velho, a menina dos caprichos hormonais, quer conhecer mais…
Quer conhecer para além daquilo que o seu amante nunca realizou com a mulher, quer conhecer o cheiro que tem uma rosa desabrochada, o sabor que tem uma mulher quando amada.
Conhece a vida por dentro e, dentro dela, a adolescência foi ontem quase, povoada de memórias excitantes, do beijo com o primo Fredo às carícias com a amiga Matilde no celeiro do pai, primeiro orgasmo que a marcou com o ferro incandescente do erotismo.
Carla acordou com o seu novo amigo, adicionar à relação uma mulher, ou um casal.
O encontro teria lugar discreto e aconteceu.

Aconteceu pelo hi5 que todos partilhavam, à distância sustentável de um clicK.
Carla adicionou Joana. Adicionou-a com saliva à sua libido, deixou-se penetrar pelo desejo, deixou que o desejo de conhecer alguém amadurecido se cumprisse.
Joana trouxe o amante Pedro para a noite das surpresas. A noite em que quatro estranhos conhecidos deram de caras com uma espécie de destino que os ligou.
Ligou-os com rendas das mulheres, num frenesim de emoções sem par. Ninguém sabia quem amava nem quem traía, nem sequer isso era importante; excitante era o termo…

Mantiveram todos quatro, uma relação que durou um tempo sem tempo. Episódio após episódio, numa novela da vida real, big brother explicito e carnal a que ninguém assistiu de fora.
As vontades e anseios de cada um, fundiram-se na proporcional medida em que não existe proporcionalidade nenhuma no desejo sem limites, existe prazer e esse, todos o conheciam, até um dia…

Esse dia foi uma longa noite. A noite em que cada um, mesmo com os olhos bem abertos, não viu para além daquilo que o prazer, perversamente forjou
Carla chorou por ela dentro, a gravidez que lhe aconteceu por computador, por cada um dos responsáveis, por cada uma das pen introduzidas, sem saber qual transportou o vírus, mas não chorou a partida do companheiro. Pedro partiu.
Partiu ao meio um filho, episódio bíblico de mau gosto, mas não levou a sua metade.

(vinte anos depois…)

Rui Pedro descansa tranquilo recém-saído da caresystem que a programação inteligente da casa lhe destinou para final desse dia de agenda complicada. Na flor da idade gere um negócio próspero, filho que é das novas tecnologias, do arrojo e da visão situada de um futuro que é presente
Para um empresário requisitado como ele, nada melhor que cuidar do corpo e da alma numa ocasião especial como esta: Fora avisado por mensagem que tinha sido efectuado com sucesso o download de um holograma de Pedro.
Refastelou-se no sofá, toalha-meias com o veludo rosa do imponente recato. Accionou o playlist e desfrutou um strip de emoções porque Pedroquarentão@Cyber.com, que por essa tecnologia tão real, ali mostrava todos os seus atributos, envolto em malhas finas e lingerie, era tal e qual o amigo da mãe na fotografia da lareira. Uns valentes anos mais novo, é certo, mas a marca do peito não enganava, bem como a covinha peculiar no queixo redondo.
-Ele há cada coincidência…pensou Rui Pedro…
Rui Pedro era gay – toda a gente o sabia.

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quarta-feira, dezembro 24, 2008 - 15:37

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