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CRóniCA (Falando com a minha irmã)
Por vezes quando olho para os teus olhos castanhos e pequenos e lhes vejo a luminosidade baça da tristeza, sinto-me incapaz de te falar, de te dizer a palavra certa, porque mais do que imaginas as minhas dificuldades orais redobram como se de repente eu ficasse paralisada por um raio. Quando as emoções que vivo estão relacionadas com alguém especial para mim, se a vejo triste, um nó na garganta asfixia-me, oprime-me como se eu fosse uma baleia amortalhada por um arpão assassino e então debato-me ingloriamente sacudindo com a calda contra o cais, num sofrimento atroz, até conseguir respirar de novo.
Tu sabes que eu sou uma apaixonada pela escrita porque este é de facto o meu mundo, tu sabes que desde miúda resumo as minhas emoções e a minha vida, através de um punhado de comparações, por isso… não sei falar de outra forma de ti e do que sinto.
Por mais exagerado que te pareça, para mim que brinco com as palavras como se fossem os meus tesouros predilectos, cada palavra tem o peso do universo, onde as minhas duas irmãs estão incluídas, onde gravita numa órbita estreita e luminosa, sobretudo…o meu filho, a Sofia, e os meus sobrinhos. Tudo o mais me passa um pouco ao lado porque as pessoas em geral são decepcionantes por estarem envoltas da tal opacidade que esconde a verdade. Ressalvo desde já qualquer exagero porque provavelmente fui eu que não tive a sorte de encontrar ao longo da vida pessoas que me preencham espiritualmente.
Quando nasceste, Paula, foste a minha primeira boneca. Eras linda como aliás o foste sempre. Os teus cabelitos ruivos, brilhavam ao sol como ser nele tivessem pousado milhares de pirilampos, eras tímida e calada, como aliás… ainda és. Eras terrivelmente chorona. Ainda és hoje, não é…?
Choravas como se fosses uma criança abandonada, mas curiosamente quando eu tinha a impaciente capacidade de te dar o tempo da minha adolescência e te contava algumas histórias, quase sempre inventadas por mim, tu sorrias feliz, eufórica, os teus olhos pequenos e castanhos ganhavam um brilho cintilante. Como pode alguém que te ama esquecer tanta cumplicidade? Eu não…
Quero que saibas que embora muita vez não estejamos de acordo, o que é humanamente normal, tenho o maior orgulho em ser tua irmã e que gosto de ti para sempre… esse tal sempre que representa a eternidade dos nossos laços.
Sabes? Mudei-te as fraldas com a devoção aparvalhada da adolescência, dei-te algumas bofetadas quando abrias as goelas como se fosses um pato doido lançando os seus grasnidos, porque queria brincar e não podia, mas fui sempre a tua mana protectora, que era responsável pela boneca mais bonita que existia no mundo e arredores…
Agora que cresceste é um pouco mais difícil pegar-te ao colo e tentar serenar as tuas angustias. A vida é mesmo assim… mas apesar disso quando ao olhar-te nos olhos castanhos e pequenos, lhes vejo o relampejar daquela tristeza antiga, fico na mesma inquieta e a diferença é que agora não sei como te ajudar.
Agora é mais difícil… porque te fechas numa concha hermética, e lá só entra quem tu queres. Mesmo que eu me transformasse em grão de areia para entrar na tua concha fechada, seria sempre um simples grão de areia que facilmente seria varrido e inutilizado.
Abra essa concha e deixa entrar pelo menos aqueles que tu tens a certeza que te amam. Não te feches, não permitas que o pesadelo de uma solidão mórbida, te apunhale a alegria de viver.
És ainda tão jovem, minha querida irmã! Tens uma vida à tua frente e apesar das decepções da vida e dos terríveis desencontros, é sempre possível existir alguém disposto a compartilhar connosco o melhor da vida.
Por isso… e só por isso… sempre que estiveres na fossa como agora se diz tão pomposamente, lembra-te que é sempre possível um amanhã. O passado é passado e por isso já não interessa.
O futuro quer queiras quer não… é sempre uma incógnita, é uma espécie de miragem.
Por isso o mais inteligente é viver-se o dia presente. Só esse tem a importância de tudo quanto é definitivo. Percebes?
Vive o dia a dia, como se fosse o último… e talvez assim consigas ser mais feliz.
Vóny Ferreira
24 de Junho de 2007
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Comentários
Re: CRóniCA (Falando com a minha irmã)
querida Vony
ao ler esta crónica, em forma de carta, uma vez mais dirigida, mas universalmente importante, fui embalada por imagens maravilhosas, e recordando, que foi às minhas irmãs mais novas, que contei as primeiras histórias.
com o passar do tempo, nós, seres humanos, temos o repetido habito de nos encerrarmos em conchas - a ilha individual e inacessivel, de que falou num outro poema - e as suas palavras, são a ponte, entre a solidão e a esperança.
um gde beijinho, pelo que escreve, e um muito obrigada, por me ler.