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Descartes e o Racionalismo - os Tipos de Razão Filosófica

 

Completando as considerações sobre a Razão, veremos a seguir as principais modalidades de “Razão” filosófica, pois ao se falar de Razão também se busca especificar a sua classe, o seu gênero, a sua forma, o seu modo etc. para que o sentido que lhe é dado não se confunda com outros significados. A lista de classificações possíveis é extensa e nem todos os adjetivos que a definem pressupõe o mesmo conceito, pois em alguns a “Razão” é entendida como uma faculdade mental; em outros, como um conceito; noutros, equipara-se “Razão” e “Intelecto” e há, ainda, os casos em que a Razão é usada como a comprovação ou a explicação de algo.

Nesse Ensaio evitaremos a prolixidade, concentrando nossa atenção naqueles tipos que os eruditos consideram os principais. A saber:

Razão Abstrata – A que utiliza apenas os chamados “objetos abstratos” como os matemáticos, por exemplo. Por vezes, esse tipo de Razão é criticado por quem o julga distanciado da realidade concreta, física, que eles julgam como a única possível. Con-tudo, para outros, essa censura não é válida por provir da frequente confusão que acontece entre a Razão Abstrata e a Razão Especulativa.

Razão Analítica – (ou Sistêmica ou Estrutural ou Sintéti-ca). A separação das partes de um “todo”, a classi-ficação, a análise, os estudos e as conclusões sobre as mesmas, geralmente é chamada de atividade analítica, de processo analítico etc. Porém, só se dá o nome de Razão Analítica àquela que não se limita a essa separação, a essa decomposição, e que avança no processo de analisar minuciosamente cada uma das partes, bem como na recomposição das mesmas, refazendo o “todo”. Geralmente, utiliza modelos formados por “objetos abstratos” e, por isso, tem estreita relação com a “Razão Abstrata”. Também é comum que dê muita atenção à apresentação e às formas de comprovação matemática ou lógica daquilo que racionaliza; e mesmo nos casos em que não pode utilizar os modelos lógicos ou matemáticos, emprega o máximo rigor possível para efetuar as comprovações. Com o tempo, tornou-se habitual destacar em todo processo analítico o ato de decompor as partes, ofuscando-se o processo inverso; isto é, a “recomposição” ou “síntese”, porém, ao se dar a devida importância a esse pro-cedimento chega-se à Razão Sintética e à sua capa-cidade de analisar o “todo”. E se esse “todo” apresenta-se em formato de sistema ou de estrutura, chega-se à Razão Estrutural ou à Razão Sistêmica.

Razão Concreta – (ou Dialética ou Histórica ou Narrati-va ou Vital). Para alguns Filósofos só se pode com-preender a “Realidade Concreta”, através da Razão Concreta (em oposição à “Razão Abstrata”). Contudo, esses mesmo Filósofos não são capazes de definir claramente a natureza e as propriedades desse tipo de Razão, que, aliás, pode ser formada em grande parte por descrições ou narrativas, ainda que ambas não bastem para a completa decifração da “realida-de concreta”.

Diante dessa insuficiência, alguns eruditos propõem que tais descrições ou narrativas sejam de tal forma que possam unir em um só sistema a Realidade e a Razão concreta, criando-se a chamada “Razão Nar-rativa”. É uma proposta, todavia, que não elimina o fato de se estar muito distante dos rigores da Lógica que se pressupõe para as questões da Racionalidade.

Por outro lado, a Razão Histórica e a Razão Vital mostram-se mais “racionais” e com isso acabam contribuindo para proporcionar elementos mais criteriosos. Quanto à Razão Dialética observa-se que às vezes ela é chamada de “Razão Concreta” com o claro intuito de diferenciá-la da “Razão Abstrata”.

O termo “Razão Concreta” já era utilizado pelos Filósofos Escolásticos, mas só com Hegel é que se tornou mais popular. Porém, ele não falava dela como se fosse mais um “tipo de Razão” entre ou-tros, já que a julgava como “a Razão” em sentido pleno.

Razão Crítica – esse tipo foi popularizado a partir de Kant que a usou para examinar minuciosamente (ou criticamente) a própria Razão. É a “Razão” que se examina criticamente e, portanto, critica-se a si mesma. E essa corrente de estudos, chamada de Criticismo, tornou-se uma das principais tendências filosóficas da modernidade.

Também a Razão Analítica foi chamada de “Razão Crítica”, porque a sua essência está em analisar criticamente (com minúcias) os conceitos, as expres-sões linguísticas e os símbolos, bem como o “todo” formado por essas partes. Outra que foi chamada de “Razão Crítica” é a constante nas teses desenvolvi-das por Popper, Hans Albert e outros, com o título de “Racionalismo Crítico”; e, ainda, o tipo de Razão utilizado pelos criadores da chamada “Teoria Crítica”.

Como se viu, foram vários os empregos dado ao termo “crítico” associado à Razão e essa diversida-de terminou por comprometer a clareza de seu sig-nificado preciso.

Razão Dialética – é o tipo de Razão desenvolvido por Hegel, Marx e outros pensadores. Um dos usos mais comuns da expressão “Razão Dialética” é encontrado no trabalho de Sartre que propôs e de-senvolveu uma “Crítica da Razão Dialética” – aos moldes da que foi feita por Kant – que examina criticamente (minuciosamente) o seu limite, a sua va-lidade e a sua extensão. Sartre, no entanto, não dis-pôs que o exame seja feito por uma “Razão Superi-or” ou por uma “Razão Supradialética”, pois, a seu ver, a Razão Dialética só pode ser examinada por ela mesma, haja vista a necessidade de se permitir o seu desenvolvimento em face de sua estreita vincu-lação com o movimento da história.

Para o “pai do Existencialismo contemporâneo”, a Razão Dialética não é constituída2 nem constituin-te1, sendo, em verdade, uma “Razão Constituindo-se”, já que a Dialética é, por natureza, um processo dinâmico, em constante movimento, e, por isso, qualquer racionalização feita segundo os seus parâmetros não poderia ser estática, imutável.

Ademais, por ser Dialética ela dissolve eventuais “Razões Constituídas” e constitui outras Razões em oposição àquelas no eterno ciclo de: Afirmação x Negação x Negação da Negação = nova Afirmação (tese, antítese e síntese).

Por outro lado, o filósofo Raymond Ruyer (França, 1920-1987), em sua célebre obra “Le Mythe de la Raison Dialectique”, ponderou que a Razão Dialé-tica, especialmente no sentido que lhe foi dado por Hegel, Marx e Sartre, merece ressalvas, pois, a seu ver, a mesma se origina a partir de uma ideia unila-teralista e horizontalista dos fatos.

Para ele, os defensores da Razão Dialética esque-cem que a Razão Clássica, devidamente ampliada e reformada, explica com mais eficiência as normas que regulam os fatos; e que a Razão não é uma “faculdade absoluta”, mas, apenas, a possibilidade de se esclarecer os fatos através de uma visão pano-râmica ou, em suas palavras, “através de um sobre-voo” sobre os mesmos e mediante a formação de campos matriciais ou modelos.

Assim sendo, a Razão Clássica enquanto “Razão Cientifica” seria capaz de melhor compreender o “fato recém-chegado (a novidade, em suas palavras)” e o “devir histórico”; ou seja, o perpétuo movimento do pensamento humano.
E ele conclui dizendo que, portanto, não há motivo para se introduzir a “Razão Dialética” em um cam-po de trabalho, haja vista ser a Razão Clássica, enquanto “Razão Analítica”, suficientemente capaz de executar as mesmas funções, desde que seja entendida com a necessária amplitude.

Outros eruditos também censuraram a “Razão Dialética”, porém de modo mais atenuado, como, por exemplo, Claude Lévi Strauss (Bélgica, 1908-2009) que em sua obra “La Pensée Savvage” afirma que esse tipo de Razão, especialmente no sentindo sar-treano, é apenas o resultado do exercício da “Razão Analítica”, cujo método de decompor, analisar, classificar etc. é a raiz original do embate entre a tese e antítese.

Por isso, em seu modo de ver, não há motivo para confrontar os dois tipos de Razões, já que “a opo-sição entre ambas é apenas relativa e não absolu-ta... A “Razão Dialética” é tão somente a “Razão Analítica” enquanto essa se autocorrige”. Em outros termos é possível dizer que a “Razão Dialética” e a “Razão Analítica” em marcha.

Evidencia-se, portanto, a possibilidade de se utilizar a “Razão Dialética” sem a necessidade de se abandonar por completo a “Analítica” ou a “Clássi-ca”; até porque é preciso não se esquecer de que a “Dialética” não está restrita aos formatos que lhes deram Sartre, Hegel e Marx. Aliás, no próprio Marxismo é possível encontrar formatos mais “em-píricos”, como o que estabeleceu Henri Lafèbvre (França, 1901-1991).

E para além do Pensamento Marxista, outros for-matos da “Razão Dialética” são encontrados, como, por exemplo, no ideário de Ortega y Gasset (Espa-nha, 1883-1955) que propôs um “pensar sintético e dialético”; ou seja, cada pensamento impõe o se-guinte, de modo que “o nexo entre eles é (...) mais forte que no pensamento analítico tradicional”.

Também pode ser citado como formatos diferentes da “Razão Dialética” o modelo chamado de “Empi-rismo Dialético”, de José Mora Ferrater (Espanha, 1912-1991), e o modelo desenvolvido na “Escola de Zurique”, dos quais não faremos mais comentários por apresentarem elementos já citados.

Razão Histórica – é a ideia que se faz da Razão ligada a uma noção de “consciência histórica”; ou seja, grosso modo, o processo racional que está atado ao desenrolar da história humana.

Essa ideia da Razão é bastante difusa, assumindo diversas facetas, das quais focalizaremos as que foram trabalhadas pelos Filósofos Wilhelm Dilthey (Alemanha, 1833-1911) e Ortega y Gasset. O primeiro ocupou-se principalmente do “método da Razão histórica” equiparando-o a um “método das ciências da mente (ou do espírito)”, dando-lhe uma característica mais voltada para a Epistemologia do que para a Metafísica.

Já Ortega y Gasset, trabalhou nos fundamentos, nos elementos básicos, numa “crítica da Razão Históri-ca” e ligando-a ao conceito de “Razão Vital” que veremos adiante. A “Razão Histórica” foi um tema recorrente em sua ideologia, mas aqui só nos im-porta registrar a ênfase que ele deu ao fato da mes-ma não ser apenas uma especificação da Razão Vital, até porque essa, também, é essencialmente histórica.

Alois Dempf (Alemanha, 1891-1982), por sua vez, afirmou que a “Razão Histórica” é uma das quatro formas fundamentais da Razão. A saber:

a) Razão Teórica – que se ocupa da ordem ou do ordenamento do universo.
b) Razão Prática – que se ocupa da “Lei Eter-na”; isto é, da Moral.
c) Razão Poética – que se ocupa da imagem do mundo.
d) Razão Histórica – que se ocupa das leis temporais.

Segundo ele, a “Razão Histórica” vai se desdo-brando em consonância com a marcha da evolução e, por isso, existe uma série de “idades do mundo” ou “idades mundiais”. Nesse caminhar, ao chegar ao seu apogeu, a “Razão Histórica” se constitui de uma noção de Deus, de uma noção do homem e de uma noção do mundo.

Razão Instrumental ou Funcional – ao se discorrer sobre a Racionalidade distingue-se uma “racio-nalidade dos fins” e uma “racionalidade dos mei-os”, a qual, geralmente, é chamada de “Razão Ins-trumental”.

A “Razão Instrumental” tem mais características sociológicas e éticas (em certos momentos) que Onto-lógicas (ou Metafísicas) e/ou Epistemológicas, sendo, portanto, um “saber como” e não um “saber o quê”.

Normalmente esse tipo da Razão está a serviço de outro tipo, sendo, portanto, subordinada à chamada “Razão Substantiva ou Substancial”; porém, à me-dida que a “sabedoria” que produz seja considerada apropriada ela deixa de ser considera insuficiente e subalterna.

Razão Mecânica – vários pensadores diferenciaram-na da “Razão Dialética”, sob o argumento de que enquanto essa última faz as suas análises a par-tir de um determinado conjunto ou de um “todo”; a Razão Mecânica – proveniente do “pensar mecani-cista” que pretende explicar racionalmente a reali-dade – estuda as partes daquele “todo”, bem como as articulações entre eles.

Razão Prática e Razão Teórica – o título “Razão Prática” deve ser entendido primeiramente como uma oposição ao conceito de “Razão Teórica”, a qual, como já se disse, em algumas ocasiões é chamada de “Razão Especulativa”.

Na antiguidade, Aristóteles já havia observado a diferença entre ambas ao afirmar que o “Intelecto Prático” difere do “Intelecto Teórico” em função de suas finalidades, já que o primeiro é “estimulado pelo apetite”; isto é, pelas sensações captadas (pelos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]) das coi-sas materiais, concretas, físicas; enquanto que o “Intelecto Teórico” é estimulado pelos elementos abstratos, mentais.

Posteriormente os Filósofos Escolásticos, inclusive São Tomaz de Aquino (Itália atual, 1225-1274), tra-duziram os vocábulos “Intellectus” para “Ratio”, conservando, porém, aquela diferenciação feita pelo estagiarita. A partir daí, passaram a ser chamadas de “Ratio Practica” ou “Ratio Operativa” e a teórica de “Ratio Speculativa” ou “Ratio Scientifica”.

Segundo São Tomaz, a “Ratio Speculativa ou Sci-entifica” volta-se para o aprendizado, para a capta-ção das coisas; enquanto que a “Ratio Practica ou Operativa” além de captar as coisas também faz com elas aconteçam.

Para Lewis White Beck (Estados Unidos, 1913-1997) os Filósofos adeptos de Christian Wolff (Alemanha, 1679-1754) não usaram os mesmos termos dos Esco-lásticos, mas similarmente a eles reconheceram os elementos cognoscitivos e conativos (impulsivos) na volição. Já o filósofo Richard Burthogge (Ingla-terra, 1637-1705) foi o primeiro a usar, em 1678, a expressão “Razão Prática”, dando início a uma série de Pensadores que a incorporaram em seus ideários.

Contudo, é consensual que o mais importante e influente uso dessa expressão, depois de Aristóteles e dos escolásticos, aconteceu com o mestre alemão Imannuel Kant, por volta de 1765.

Com efeito, a expressão “Praktische Vernunft” só se tornou corrente a partir dele, havendo, inclusive, uma ruptura com a antiga concepção, já que na Filosofia Clássica o seu uso restringia-se a diferen-ciar a Razão Prática da Teórica. É certo que Kant também a utilizou por esse motivo, mas sempre com a ressalva de que não se tratava de dois tipos de Razão, mas de apenas um, com duas aplicações diferentes.

E também é certa a importantíssima ampliação que ele deu à sua abrangência ao vinculá-la com a “Ra-zão Pura”, pois, segundo ele, por exemplo, o conceito de “Liberdade” não pode ser demonstrado empiricamente (através do que os Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato] captam), mas não obstante a isso ainda é possível provar que ele pertence à Vontade humana através da “Razão Prática”. Em suas palavras:
“Não só que a razão pura pode ser prática, mas que somente ela, e não a razão limitada empiricamente é indubitavelmente prática”.

Em sua obra, “Crítica da Razão Prática”, ele discor-re sobre as proposições que contém uma determi-nação da Vontade (enquanto livre escolha); sobre os conceitos – ou categorias – da liberdade e sobre os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato), enfei-xando no livro os vários aspectos do tema.

Razão Preguiçosa – para os antigos gregos e lati-nos, a chamada “Ratio Ignava”, era um tipo de Ra-zão que consistia em suspender todo estudo e in-vestigação por considerar impossível descobrir algo que fosse desconhecido. Á época, era mesmo considerada como um sofisma (2); ou seja, um argumento válido na aparência, mas não na realidade, que é exarado com o intuito de enganar a outrem ou a si próprio.

Na Modernidade, Kant retomou o termo para de-nominar a admissão de que uma determinada inves-tigação já está concluída e que ao invés de a Razão prosseguir na busca, ela permanece em repouso.

Segundo ele, esse tipo de Razão ocorre quando são usadas “Ideias Transcendentais (as que superam, que vão além)” como se fossem “Ideias Constitutivas (que formam, que constituem) e não como “Ideias Regulado-ras”. Com isso, propõe-se um Sistema que pode ser chamado de “Filosofia dos Indolentes (sic)” cujas teses podem ser:

a) A que consiste em resolver ou pretender re-solver os problemas através de um princípio que considera os problemas como já resol-vidos.

b) A que consiste em resolver ou pretender re-solver os problemas declarando-os “falsos problemas”, “problemas aparentes” ou “pseudos problemas”;

c) A que consiste em adotar teses ou princípios exageradamente genéricos, que “explicariam tudo” porque, a rigor, não explicam nada.

d) A que consiste em fugir da realidade, consi-derando-a dura, resistente em demasia.

Razão Reta – conforme Aristóteles é a Razão que está de acordo com a sabedoria (ou com a razão) prá-tica. Nesse sentido, o termo também foi usado pelos Filósofos medievais, porém o seu sentido foi ampliado e avançou no sentido de se tornar o con-trário de “Razão Falsa” ou “Razão Perversa” etc.

Tanto o sentido estreito (conformidade com o saber prático) quanto o sentido ampliado podem aparecer em termos de “Conhecimento da realidade”, como em “matérias de Juízo”, quando, então, se mostra como aquilo que é necessário ser feito para que sejam atingidos certos fins morais.

Essa duplicidade levou, por exemplo, São Tomaz a utilizar a expressão “Recta Ratio” em variados te-mas para caracterizar a sabedoria e a virtude; en-quanto o filósofo Guilherme Ockam (Grã Bretanha, 1288-1347) a vinculava com a prudência, aumentan-do, pois, a associação da “retidão no raciocínio” com a virtude.

Para ambos e muitos outros, a “Razão Reta” é, ao cabo, aquela que permite o exercício da virtude nas questões intelectuais, artísticas e, principalmente, morais ou éticas.

A noção de “Razão Reta” foi deveras valorizada durante a Época Moderna, mormente no século XVII, quando foi atada à “Razão Natural”, ao “São (sadio) Juízo” e ao “Senso Comum”.

Contudo, alguns Pensadores, como André Rudi-ger, não aceitaram essa ligação e insistiram na dife-rença entre a “Razão Natural” e ela, de modo simi-lar ao que já ocorrera na antiguidade, quando tam-bém se afirmava que a “Razão Reta” era resultante das boas ações e intenções e não como algo que naturalmente os homens possuiriam.

Razão Vital – esse conceito foi desenvolvido por Ortega y Gasset e não deve ser visto como mais um “Tipo de Razão”, entre outros, já que, para ele: “é a própria vida como Razão”.

Esse conceito pode ser entendido de duas maneiras complementares, como veremos na sequência:

a) A “Razão Vital” é o próprio Ser (ou o existir) que necessita saber racionalmente, verda-deiramente, ao que deve se ligar.

b) Por outro lado, é como se fosse um método que permite à vida orientar-se.

Assim, a expressão “Razão Vital” não designa a Razão como sendo apenas um elemento do “reino inteligível (ie. captável pela inteligência)”, teórico ou, então, algo que é acrescido à vida. Ao contrário, é um dos componentes formadores ou constitutivos da própria vida, a qual, aliás, não poderia ser en-tendida sem ela.

Razão Seminal – segundo os Filósofos Estoicos, o Pneuma (a alma, o espírito, a mente humana) contém as sementes de todas as coisas, de sorte que tudo que aconteceu, acontece e acontecerá, esteve ou estará contido nas “Razões Seminais”. O que ocorreu, ocorre e ocorrerá é, portanto, um desdobramento, um desenvolvimento dessas “sementes”.

Por isso, pode-se dizer que essas razões também são “Razões Causais” já que são as causas (os motivos) das coisas, dos fatos. O universo e tudo que nele está contido ou que nele ocorre é determinado por suas “Razões Seminais” ou “Razões Causais”.

Essa concepção dos Estoicos foi considerada “De-terminista” ou “Fatalista” e, realmente, é adequado considerá-las como tal, desde que esse “determi-nismo” seja vinculado ao conceito “organicista”; ou seja, um “determinismo” identificado com o fata-lismo de um organismo que se desenvolve a partir de uma “semente”.

E por conta dessa adequação e dessa validade, a ideia foi parcialmente adotada por Plotino (Egito, 204-270), que, porém, discordava daqueles Filósofos por julgar que as coisas “derivam ao mesmo tempo de suas “Razões Seminais” e da matéria”; isto é, ele repelia a ideia estoica de que as coisas são exa-tamente o que eram em potência (em potencial, poten-cialmente) nas “Razões Seminais”.

Com o correr do tempo, a maioria dos Filósofos cristãos abraçou a noção das “Razões Seminais”, mas fazendo-lhe inúmeras modificações. Nessa linha, tentou-se com certa frequência adaptar o “E-volucionismo” à concepção e nesse quesito atuou firmemente o filósofo Santo Agostinho (Argélia atual, 354-430) que foi categórico ao dizer que tais “razões” seria o real motivo das criaturas serem pré-formadas por Deus no ato da Criação; do que se deduz que as coisas foram criadas de tal modo que as suas próprias evoluções já estavam previstas em suas “sementes”.

Todavia, alguns Pensadores, como Gilson (Éttiene, França, 1884-1978), consideraram a doutrina agostini-ana incapaz de explicar o surgimento de algo novo, servindo apenas para comprovar que aquilo que parece ser uma novidade, em verdade, não é. Ser-vindo, pois, apenas para confirmar a fixidez das espécies.

Durante o Renascimento e a Idade Moderna, várias teorias sobre as “Razões Seminais” foram produzi-das, sendo que algumas fizeram referência explicita às doutrinas antigas, enquanto outras se limitaram a vestir com novas túnicas aqueles mesmos elemen-tos.
...

Assim, encerramos o capítulo dedicado aos concei-tos de Razão e de Racionalismo. Na sequência dis-correremos sobre René Descartes que foi indubitavelmente o símbolo máximo dessa tendência filosófica.

Nota do Autor1 – Razão Constituída e Razão Constituinte são termos que para o estudioso Mentré, podem ser mais bem compreendidos se forem substituídos por: Razão Raciocinada e Razão Raciocinante. Em nosso trabalho usamos essa simplificação e declinamos das considerações doutros eruditos por julgá-las inoportunamente complexas para o presente contexto.

Nota do Autor2 - O sofisma, em verdade, apresenta-se de várias maneiras, sendo as suas formas principais as que são chamadas de “Megárica” e a “Sofistica Clássica”. Nessas e noutras, diz-se que:

a) Não vale à pena buscar nada, porque não se sabe o que se quer, sendo, portanto, carente de sentido qualquer tentativa.
b) Todos os fatos e acontecimentos foram predetermi-nados e, portanto, não vale à pena fazer qualquer busca, haja vista ser impossível qualquer alteração. Acontecerá apenas o que foi prefixado.

Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro. Primavera de 2014

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